quinta-feira, 15 de novembro de 2012

OBRA-PRIMA DO DIA - GRAVURA Albrecht Dürer: São Jerônimo em sua cela


Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa - 
15.11.2012
 | 12h00m

As chamadas meisterstiche (gravuras do mestre) são tema de muitas análises e debates. São elas O Cavaleiro, a Morte e o Diabo, São Jerônimo em sua cela e Melancolia I (da qual falaremos amanhã).
Apesar do artista não ter deixado nada escrito sobre seu desejo de que as três gravuras formassem uma série, o que ele fez com muitas outras obras, elas datam de uma época quando ele parou de pintar e de criar xilogravuras para se dedicar apenas às gravuras em metal. Mais importante que tudo é a extrema complexidade intelectual dos temas dessas gravuras.
São quase idênticas em tamanho e em todas há um crânio, um cão e uma ampulheta. Nenhuma gravita em torno de uma narrativa bíblica ou de qualquer outra obra especificamente. E as três nos oferecem um festival de símbolos e detalhes surpreendentes que estimulam debates.
Há 500 anos que são discutidas e analisadas. Há quem diga que elas representam os três tipos de vidas virtuosas: ativa, contemplativa e intelectual. O Cavaleiro que mostramos na terça-feira é geralmente apresentado como o da vida ativa, pois parte para as Cruzadas enfrentando os perigos desse mundo.
São Jerônimo em sua cela é o exemplo da vida contemplativa, e mostra o grande pilar da Igreja e tradutor da Bíblia para o latim trabalhando em sua cela. Durer dá mais atenção à cela que ao santo, ao contrário de outras obras que fez com São Jerônimo como tema.


São Jerônimo, com um halo de luz sobre a cabeça, está em um degrau mais elevado do que o observador, que somos nós a visitar sua cela. Aos pés do santo, o leão, imponente figura de guardião e de humildade diante do santo que no deserto lhe tirou um espinho da pata. Objetos espalhados pela cena, como livros, uma cômoda, um par de tesouras, falam do estudioso; o chapéu de cardeal faz referência à possibilidade dele vir a ser eleito papa e há os que afirmam que também é como outro halo a indicar sua santidade (reparem que a ampulheta está pendurada ao lado do chapéu).
A luz que filtra pelas janelas, o chiaroscuro dificílimo de conseguir, os detalhes humanos como as chinelas do santo abaixo da banqueta sob a janela, sua expressão de devoção ao que faz, cada um desses detalhes ou tudo junto, não sei bem, o que sei é que essa gravura me emociona, 
Mas o mais curioso, certamente o mais estranho, é o porongueiro (ou cabaceira) que pende das traves do teto. Essa trepadeira originária da África está ali como referência a um famoso debate entre São Jerônimo e Santo Agostinho sobre a tradução da palavrakikayon, que no Antigo Testamento descreve a vinha que Deus criou para proteger Jonas quando a baleia o regurgitou.
Isso simboliza o fato de São Jerônimo ser um erudito, mais ainda que o velho homem dedicado ao trabalho, debruçado sobre o que escreve. 

O monograma de Dürer e a data estão numa placa no chão.

Gravura, 1514, 24.6 x 18.9 – Metropolitan Museum of Art Fontes: A vida e arte de Albrecht, Dürer, de E. Panofsky

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