Sem aparições públicas. Vida restrita ao convívio familiar. Com deslocamento vigiado. Privados do direito básico de ir e vir. Essa é a rotina de quase 200 magistrados brasileiros, acossados pelo crime organizado. Em alguns casos, por quadrilhas integradas por policiais e outros servidores públicos. Em outros, por facções gestadas dentro do sistema penitenciário, como o paulista Primeiro Comando da Capital (PCC).
Em Porto Alegre, a juíza Elaine Canto da Fonseca recebeu um recado desde uma prisão: deveria soltar presos que seriam julgados por ela. Como se recusou, se desloca desde o início do ano em carro blindado. Em Mato Grosso do Sul, o juiz federal Odilon de Oliveira convive com nove agentes federais de escolta, inclusive dentro de casa. Em Goiás, o juiz federal Paulo Augusto Moreira Lima pediu afastamento do processo que conduzia contra o bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, após receber ameaças. Cabia ao magistrado analisar denúncias contra 79 réus supostamente vinculados ao bicheiro, entre eles 35 policiais. Em Rondônia, o juiz trabalhista Rui Barbosa Carvalho passou a usar colete à prova de balas e trocou de celular 12 vezes, em decorrência de ameaças recebidas após suspender pagamento de precatórios por suspeita de fraude.
Casos como esses foram discutidos em 8 de outubro num encontro de magistrados promovido em Manaus. O debate foi uma iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que contabiliza este ano 182 juízes ameaçados no país. Desses, apenas 60 contam com escolta.
Esse tipo de levantamento começou a ser feito em 2011, logo após o assassinato da juíza fluminense Patrícia Acioli, morta com 21 tiros em 11 de agosto daquele ano. Investigações concluíram que ela foi executada por PMs que tinha mandado prender, por integrarem milícias clandestinas.
Logo após a morte de Patrícia o CNJ contabilizou 150 juízes brasileiros ameaçados. Mesmo com toda a comoção causada pelo assassinato da magistrada, o número aumentou, passando aos atuais 182. Antes restritas a magistrados criminais, agora a lista dos que estão na mira do crime inclui também juízes trabalhistas, justamente pelas milionárias causas que costumam julgar e os interesses que contrariam.
Zero Hora obteve uma listagem do número de ameaçados por Estado, feita com base em relatórios dos Tribunais de Justiça (veja nesta página). Os campeões em magistrados jurados de morte em 2012 são Rio de Janeiro, com 29 ameaçados, e Minas Gerais, também com 29. Alguns Estados com pequena população, como Tocantins e Alagoas, surpreendem pelo número de magistrados em risco: 12, cada. Apenas cinco Estados brasileiros não informam terem juízes ameaçados.
Diante desses números, o Rio Grande do Sul até parece um paraíso. Apenas duas juízas requisitaram proteção este ano. E foram contempladas com escolta.
— Felizmente, não temos tradição de riscos e muito menos de ataques contra magistrados. E contamos com um Núcleo de Inteligência do Judiciário para prevenir esse tipo de problema — explica o desembargador Tulio Martins, do Conselho de Comunicação Social do Tribunal de Justiça-RS.
Dão apoio ao núcleo policiais militares, policiais civis e agentes de segurança do Judiciário. Entre as providências rotineiras está levantamento de possíveis inimigos dos juízes. Numa fase posterior, propiciar escolta e carro blindado para qualquer magistrado sob risco, além do presidente do TJ, sempre protegido.
O presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), Pio Dresch, diz que nem todos os casos chegam ao conhecimento do CNJ. Um deles é suposta contratação de pistoleiros para matar um juiz do Interior, que acabou tirando licença para "esfriar" a ameaça.
— Um dos problemas que enfrentamos é que, devido à escassez de magistrados, não é possível simplesmente transferir o juiz para outra comarca, o que seria razoável. É preciso abrir vaga antes. A verdade é que falta uma sistemática para lidar com magistrados em risco — desabafa Dresch.
O presidente da Ajuris considera que uma alternativa para as constantes ameaças de morte seria implantar no Brasil os "juízes sem rosto". São magistrados que teriam seus nomes ocultados nos processos que julgam, para sua própria proteção. O sistema funcionou na Colômbia durante os Anos 90, época do auge das guerras do narcotráfico naquele país.
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