sexta-feira, 19 de outubro de 2012

O bocejo das urnas, por Sandro Vaia



Para quem se dedica a olhar o mundo pelo universo das redes sociais, ou até mesmo da imprensa convencional, o segundo turno das eleições, principalmente as de prefeito de São Paulo, parece antecipar a batalha do Armagedon- o conflito final.
O mundo parece dividido irremediavelmente entre dois exércitos, e só um deles sobreviverá, enquanto o outro será extinto e eliminado da face da Terra.
Enquanto o povo se espreme em meios de transporte sujos, lotados e ineficientes, ou perde horas para se deslocar de casa ao trabalho, numa cidade graciosamente inóspita como São Paulo, o mundo no qual os políticos gravitam parece resumir-se ao mensalão e ao kit gay.
Sim, são batalhas de valores, e um povo deve preocupar-se com os valores de quem pretende governá-los.
Mas acreditar que a vida em comunidade se resuma a isso, tem um efeito devastador sobre o ânimo do eleitor, que poucos se dedicaram a estudar em profundidade.
A verdade é esta: num lugar onde o voto é obrigatório, 1.592.722 dos 6.128.657 eleitores simplesmente não apareceram para votar.
Ou seja: 18,5% deles. Pode-se conjecturar sobre doentes, incapacitados de se locomover, pessoas viajando, ou simples indiferentes e preguiçosos.
Mas dos que se deram ao trabalho de ir às urnas, ou por fervor cívico ou por preguiça de enfrentar as sanções aos faltosos , 381.407 (4,4%) votaram em branco e 576.364 (6%) anularam o voto.
A verdade é que os dois principais candidatos, José Serra e Fernando Haddad, que representam os exércitos do Armagedon, juntos tiveram 42,5 % da votação do eleitorado total da cidade. Ou seja: 6 em cada 10 eleitores de São Paulo aptos a votar não votou em nenhum dos dois.
Mesmo que se criasse uma entidade única chamada Serrahaddad ou Haddadserra, ela nao atingiria o coeficiente necessário para eleger alguém.
Isso quer dizer que a polarização política que tanto aflige os militantes, a ponto de quase transformá-la, em alguns casos, em razão de vida ou morte, passa ao largo do eleitor comum.
A eleição se tornou uma guerra aborrecida de facções fanatizadas e enquanto uns se matam por ela, outros preferem bocejar de pura indiferença.

 

Dos eleitores de São Paulo, 2,5 milhões (28,9%) não votaram em ninguém.
Não é um bom presságio para o desenvolvimento da democracia, e é um sintoma de que a vida política se tornou uma atividade que interessa aos governantes mas é desprezada pelos governados.
Depois de 20 anos de ditadura militar, é assustador que uma democracia tão jovem apresente sinais tão latentes de senilidade. Os políticos precisam tratar de restabelecer a honra da sua atividade.

Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”. É autor do livro “A Ilha Roubada”, (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez. E.mail: svaia@uol.com.br

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