Mariana Queiroz Barboza
PRISÃO PARA AS PECADORAS
Putin joga duro e adula os ortodoxos para mostrar um padrão moral de religioso
Poucos dias antes da eleição presidencial na Rússia, em fevereiro, cinco garotas mascaradas, usando vestidos curtos sobre meias coloridas, invadiram o altar da Igreja do Cristo Salvador de Moscou. Elas suplicavam à Virgem Maria para que livrasse o país de Vladimir Putin. Embora a oração tenha falhado – afinal, Putin foi eleito para mais seis anos no poder – o protesto de menos de um minuto teve o poder de abalar o líder russo mais do que a ruidosa Marcha dos Milhões , organizada na véspera de sua posse. As garotas do Pussy Riot, um pequeno grupo de ativistas feministas dedicado a promover manifestações de inspiração punk, não esperavam causar tanto barulho. Punk mesmo foi a reação de Putin: três manifestantes foram presas, sem direito a fiança, há cinco meses estão submetidas a um rigoroso esquema disciplinar e podem pegar até três anos de cadeia. Elas não foram diretamente acusadas pelas hostilidades ao governo, mas pelo crime de “vandalismo motivado por ódio religioso”. O caso tornou-se um escândalo internacional. Na semana passada, até a cantora Madonna, de conturbado histórico de pendengas com a Igreja Católica, se manifestou durante um show em Moscou: “Essas garotas fizeram algo corajoso”, disse. “Rezo pela sua liberdade.”
Nadezhda Tolokonnikova, de 22 anos, Maria Alekhina, 24, e Yekaterina Samutsevich, 29, ou simplesmente Nadya, Masha e Katya deverão ouvir suas sentenças na sexta-feira 17. Apesar de serem rés primárias, chegaram a ser privadas de sono e comida. Nas sessões do julgamento, vêm sendo apresentadas dentro de uma jaula ou numa redoma de vidro, como se fossem terroristas perigosas. “Mesmo nos tempos soviéticos, com Stálin, as cortes de justiça eram mais honestas do que essa”, reclamou o advogado de defesa Nikolai Polozov. “Esse é o julgamento mais vergonhoso da Rússia moderna.” Para David Satter, do Hudson Institute e autor de três livros sobre o país, o sistema judicial é corrupto e organizado de forma que a sentença do júri implique em alguma vantagem política para o governo. “Elas não cometeram crime nenhum”, disse Satter à ISTOÉ.
QUE A VIRGEM NOS PROTEJA
Ativistas do Pussy Riot pedem que Nossa Senhora livre a Rússia do jugo de Putin
O ato das Pussy Riot na catedral foi filmado por simpatizantes e publicado como clipe no YouTube. As imagens mostram as garotas se ajoelhando no altar e fazendo o sinal da cruz. Ao fundo, começa a música num tom solene que lembra um canto gregoriano, mas de vozes femininas. A trilha logo recebe o peso de guitarras e bateria num ritmo punk. Então, as Pussy Riot começam a dançar, pulando, socando e chutando o ar. Na “plateia”, as costumeiras frequentadoras do templo sagrado: freiras e senhoras encasacadas. Todas estupefatas. Os ortodoxos imediatamente declararam-se ofendidos, considerando que o ato era um pecado e que deveria ser punido. O pedido de prisão acabou partindo de ninguém menos que o patriarca Kirill, chefe da Igreja Ortodoxa Russa. No tribunal, as acusações de caráter religioso prosperaram. “Essas garotas rebaixaram-se para o inferno por vontade própria”, bradou Oleg Ugrik, uma das testemunhas da promotoria. As Pussy Riot foram tratadas como um “culto satânico que declarou guerra a Deus e à Igreja Ortodoxa”. O trio se apressou em dizer que não teve a intenção de ofender ninguém. “É incrivelmente cruel nos impor a motivação de ódio religioso. Nossas ações são políticas”, disse Nadya.
O fato de a corte ter sido tão agressiva nesse processo não é casual. “Isso demonstra a ligação profunda do regime de Putin com a Igreja Ortodoxa”, disse à ISTOÉ William Partlett, analista do Instituto Brookings. “Putin vê a Igreja como uma instituição-chave no processo de restauração da força do Estado russo após o colapso do comunismo.” Durante a campanha eleitoral, o patriarca Kirill apoiou a candidatura do presidente, que constantemente aparece ao lado de líderes da Igreja e participa de eventos religiosos. Putin, em contrapartida, prometeu US$ 120 milhões para a construção de igrejas e ainda disse: “Precisamos nos afastar da noção primitiva de separação entre Igreja e Estado.” A partir de setembro, o ensino religioso será obrigatório nas escolas do país. “O presidente usa a religião para lhe dar a impressão de um bom padrão moral, quando na realidade suas ações estão bem longe disso”, diz David Satter.
"Eu também desapontei a Igreja Católica e quase fui excomungada.
Mas não fui presa porque vivo em um país livre, não na Rússia"
Madonna, durante show em Moscou
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