segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Dom Quixote, por Elton Simões


GERAL


Ócio é uma das grandes invenções da humanidade. O direito ao ócio é sagrado. Especialmente se acompanhado de café e leitura. No ócio e na literatura, cada um tem suas preferências. Eu, por exemplo, na literatura, gosto dos heróis imperfeitos.
Admiro os heróis com conflitos, dificuldades e dúvidas. Aqueles que se impõem missões nas quais têm poucas chances de sucesso, que tropeçam e erram. Aqueles que veem a realidade de maneira diferente e, muitas vezes, distorcida. Mas que, apesar dessa visão distorcida, perseguem seus ideais e sonhos enquanto administram suas frustrações.
Talvez por isso, meu ócio tenha me levado a começar a reler um dos meus heróis favoritos: Dom Quixote. Ele que, sendo já um homem de certa idade, de tanto ler romances, perde o juízo, acredita que tenham sido historicamente verdadeiros e decide tornar-se um cavaleiro andante. Parte pelo mundo e vive o seu próprio romance de cavalaria.
Dom Quixote vive pelos seus ideais e por eles sofre inúmeras derrotas, humilhações e frustrações ao longo de suas aventuras. No fim da vida, descobre que seus sonhos são impossíveis e que a realidade não permite a realização de suas fantasias. Sua morte ocorre quando ele aceita a realidade simplesmente pelo que ela é. Ele morre quando admite a impossibilidade de mudança. O fim de seus sonhos coincide com o fim de sua vida.
De certa maneira, talvez precisemos desesperadamente de Dom Quixotes na vida real. O mundo carece de seres que estejam dispostos a expor, discutir e se sacrificar por utopias, apesar de eventuais discordâncias. Talvez o que nos falte nestes dias seja debate, diversidade e o processo contraditório que somente existe se existir o confronto de ideias aliada à conclusão e discussão das divergências.
A existência da discordância, da oposição e da diversidade de ideias enriquece a vida e diminui a probabilidade de que os erros se transformem em tragédias. Discordância e conflitos, quando bem aproveitados, oferecem a oportunidade de revisar e controlar os poderes de maneira a preservar e melhorar aquilo que é importante.
O debate é instrumento da democracia que exige colocar as próprias crenças sob o escrutínio dos outros. Colocar posições e utopias em debate exige certa dose de quixotismo, mas garante o contraditório. Sem contraditório, não existe debate. Sem debate, não existe democracia.
Colocar as próprias ideias em debate exige coragem. Vencer o medo, entretanto, traz recompensas. Na democracia, ser quixotesco é virtude.

Elton Simões mora no Canadá há 2 anos. Formado em Direito (PUC); Administração de Empresas (FGV); MBA (INSEAD), com Mestrado em Resolução de Conflitos (University of Victoria). Email: esimoes@uvic.caEscreve aqui às segundas-feiras.

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