terça-feira, 3 de abril de 2012

Só infiel, Demóstenes pode voltar em 2014




A saída espontânea do senador Demóstenes Torres de seu partido, o Democratas, foi um ato calculado milimetricamente para minimizar seus danos políticos no atual processo.
Se tudo der certo, o senador eleito por Goiás em 2010 com 2.158.812 votos poderá se candidatar novamente a algum cargo nas eleições de 2014.
O raciocínio é cartesiano. Demóstenes enfrenta dois problemas:
1) na área criminal tramitará o caso a respeito de suas relações com Carlinhos Cachoeira. O processo pode se arrastar por anos, sem nenhuma decisão;
2) já o processo por quebra de decoro parlamentar, dentro do Senado, tende a andar com alguma rapidez. Os anos de paladino da Justiça produziram vários inimigos para Demóstenes no Congresso. Ele corre o risco de ser cassado. Nessa hipótese, ficaria inelegível por muito tempo: o restante de seu mandato (até 31.jan.2019) e mais oito anos (até 31.jan.2027).
Como evitar esse impedimento? Perder o mandato antes apenas por infidelidade partidária. Isso mesmo: a Lei da Ficha Limpa não enquadra políticos infiéis entre os inelegíveis.
Ao requerer sua desfiliação do DEM, Demóstenes abriu a porta para essa saída. Embora tenha redigido uma carta pomposa e indignada, o senador goiano pode repetir o que se passou com um ex-colega de legenda, José Roberto Arruda, que em 2009 viu-se enredado no caso do mensalão do DEM, em Brasília.
Em novembro de 2009, um vídeo mostrou Arruda recebendo dinheiro irregular. O então governador do Distrito Federal acabou preso. O DEM anunciou que iniciaria um processo de expulsão de Arruda –o mesmo cenário que se repete agora, com Demóstenes. Arruda então se indignou (como Demóstenes), disse estar sendo perseguido e sem direito de se defender (a mesma linha de raciocínio de Demóstenes). Por fim, Arruda pediu desfiliação do Democratas (exatamente o mesmo que faz agora Demóstenes).
Em seguida, o Ministério Público Eleitoral pediu que Arruda perdesse o mandato de governador de Brasília por infidelidade partidária. O TRE do Distrito Federal aceitou o pedido do MPE eleitoral em 16 de março de 2010, há quase dois anos. Desde 2007, por causa de uma resolução do TSE, um político que deixa sua agremiação de maneira imotivada perde o mandato.
Apesar de ter alegado perseguição, Arruda perdeu o mandato por infidelidade partidária. O mesmo pode ocorrer com Demóstenes, já que o senador também acaba de requerer sua desfiliação do DEM em circunstâncias semelhantes –sob fogo cerrado, com muitos indícios de malfeitos nas costas e a opinião pública toda se voltando contra ele.
Arruda, apesar das acusações que tem contra si, está perfeitamente elegível na disputa de 2014. O mesmo poderá acontecer com Demóstenes.
Para que o roteiro se concretize, é necessário que alguém ou uma entidade entre no Tribunal Superior Eleitoral com um pedido de cassação de Demóstenes. É necessário que o agente da ação “tenha interesse jurídico”, como afirma a resolução do TSE.
Quem tem interesse jurídico além do Ministério Público Eleitoral? O DEM, por exemplo. Mas o partido parece que não tomará esse caminho. Outra hipótese é o pedido de cassação por infidelidade partidária partir do primeiro suplente de Demóstenes, o empresário Wilder Pedro de Morais, também filiado ao DEM (leia post abaixo sobre os suplentes do senador goiano).
Wilder é amigo de Demóstenes, a quem inclusive doou R$ 700 mil para a campanha de 2010.
Em resumo, se conseguir se livrar do mandato apenas por infidelidade partidária, o senador Demóstenes Torres perderá seus direitos eleitorais em apenas duas situações:
a) se houver condenação por instância colegiada da Justiça. É muito difícil que isso ocorra, dada a morosidade notória do sistema legal brasileiro;
b) se o Senado decidir, mesmo que a Justiça Eleitoral casse Demóstenes por infidelidade partidária, continuar o processo de cassação de mandato por quebra de decoro parlamentar. Seria algo incomum, mas não inédito. Em 1992, o Senado foi avante com o processo de cassação de Fernando Collor de Mello, que já havia renunciado ao cargo de presidente da República.

Post Scriptum: ao apresentar sua carta de desfiliação, Demóstenes cita como razão para o ato apenas o “artigo 1º, 1º, inciso III, última figura, da Resolução nº 22.610, de 25 de outubro de 2007”. Trata-se do trecho da norma que fala que o político pode sair por justa causa de uma agremiação se houver “mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário”.
Talvez por causa da correria, ou porque deseja mesmo perder o mandato por infidelidade, o senador tenha se esquecido de usar também o inciso IV, da mesma resolução: “Grave discriminação pessoal”.
Essa “discriminação” poderia ser alegada quando Demóstenes afirma estar “diante do pré-julgamento público que o Partido faz”.

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