Dois casos envolvendo agressões de membros do governo americano a garotas de programa do Brasil e da Colômbia divulgados nas últimas semanas mostram que os EUA continuam tratando os países da América Latina como seu quintal
Paula Rocha - Revista Isto É
VIOLÊNCIA
A prostituta Romilda alega ter sido arrastada e atropelada por um carro,
depois de ter sido agredida por fuzileiros americanos com quem faria um programa
Quando, no século XV, o Velho Mundo fazia seus primeiros contatos com as terras selvagens do Hemisfério Sul, um conceito logo ganhou força entre os conquistadores europeus: não existe pecado do lado de baixo do Equador. Muito antes de ser transformada em verso pelas mãos de Chico Buarque e Ruy Guerra para a peça “Calabar: o Elogio da Traição” (1973) e de ser cantada por Ney Matogrosso na abertura da novela “Pecado Rasgado” (1978), a frase já era proferida na Europa em referência às práticas sexuais realizadas no Hemisfério Sul. Séculos depois, porém, a crença de que entre a linha do Equador e o Trópico de Capricórnio tudo é liberado parece permanecer viva entre os americanos. Pelo menos entre os supostamente idôneos funcionários do governo dos Estados Unidos.
“Este incidente foi plenamente investigado.
Os envolvidos já não se encontram neste país
e estão sendo severamente castigados”
Leon Panetta, secretário de defesa dos EUA
Na última semana o País assistiu com descontentamento à revelação de uma agressão cometida por quatro funcionários da Embaixada americana, três marines (fuzileiros navais) e um funcionário civil, em 29 de dezembro de 2011. A vítima? Uma prostituta de Brasília chamada Romilda Aparecida Ferreira, 31 anos. Segundo a garota de programa, no dia do ocorrido ela e mais três amigas teriam conhecido os americanos em uma boate na Capital Federal. Após consumirem álcool e drogas na companhia dos fuzileiros, as quatro mulheres decidiram seguir para a casa dos militares no Lago Sul, onde aconteceria uma orgia. Cada garota receberia R$ 500 pelo programa. No caminho da residência dos marines, no entanto, Romilda teria discutido com o motorista da van da embaixada, na qual parte do grupo estava sendo transportada, enquanto outros fuzileiros e meninas seguiam de táxi. Irritada com um comentário grosseiro do motorista, Romilda teria respondido de volta, o que iniciou uma briga. O motorista então parou a van e Romilda foi retirada do carro por um dos americanos. A prostituta alega que tentou se segurar na maçaneta do carro, mas acabou arrastada e atropelada, quebrando a clavícula e sofrendo várias escoriações. A princípio ela não revelou o caso, pois esperava um acordo financeiro no valor de R$ 150 mil com a Embaixada americana, que cobriria as despesas com cirurgias, além de danos morais. A Embaixada, contudo, nega essa versão.
O episódio da agressão à garota de programa de Brasília já é o segundo escândalo sexual em menos de um mês envolvendo militares dos Estados Unidos. Em 14 de abril, veio a público a informação de que um grupo de agentes do Serviço Secreto americano – responsáveis pela segurança do presidente Barack Obama – teria contratado 21 prostitutas para uma festa no hotel onde estavam hospedados em Cartagena, na Colômbia, durante a Cúpula das Américas. O caso só se tornou conhecido porque um dos agentes não pagou o valor combinado pelo programa a uma das acompanhantes, que apresentou queixa na polícia colombiana. Assim que o incidente chegou às manchetes dos jornais, os agentes tiveram de retornar aos Estados Unidos, onde foram punidos. Até agora, oito membros do grupo foram demitidos e 12 estão sob investigação, acusados de violar códigos de conduta e de colocar em risco a segurança de Obama. Durante uma entrevista para uma rede de tevê americana, o presidente dos Estados Unidos chegou a comentar que “esse grupo de cabeças ocas não poderia ter deixado de lado sua função”.
SAIA JUSTA
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Com relação aos cabeças ocas de Brasília, a Embaixada americana garantiu que os quatro marines já foram afastados de suas funções. “Este incidente foi plenamente investigado. Os envolvidos já não se encontram neste país e estão sendo severamente castigados”, declarou Leon Panetta, secretário de defesa dos EUA que esteve em Brasília e no Rio de Janeiro entre 24 e 26 de abril. Durante entrevista coletiva realizada no dia 24, após se reunir com a presidenta Dilma Rousseff e com o ministro da Defesa, Celso Amorim, Panetta reforçou que “esse tipo de comportamento não será tolerado” em seu ministério. “Nem aqui nem em nenhum lugar do mundo”, completou. O inquérito policial classificou o episódio como um crime de trânsito. O motorista brasileiro foi indiciado por lesão corporal culposa (quando não há intenção) e omissão de socorro, enquanto um dos americanos responderá apenas por omissão de socorro. O Ministério Público, no entanto, encaminhou o caso para a área criminal, que ainda decidirá se denunciará os militares e o motorista. Resta saber se desta vez o pecado dos marines terá, de fato, seu castigo.
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