sexta-feira, 27 de abril de 2012

Os bancos e o conto da inadimplência dos clientes


André Siqueira


André Siqueira é editor de Projetos Especiais de CartaCapital. Cursou jornalismo na UFF e especializou-se (MBA) em economia pela Fipecafi/USP e pela FIA/USP. andresiqueira@cartacapital.com.br

A batalha dos juros


Demonstrativos de resultados ainda são as ferramentas mais confiáveis para avaliar a saúde financeira de uma empresa. Mas qualquer alfabetizado nas artes contábeis sabe que os números são letras, balanços são histórias – e histórias estão sujeitas à vontade de quem as escreve e à interpretação de quem as lê. É a partir desta perspectiva que vale a pena observar os resultados apresentados pelos maiores bancos privados brasileiros – Itaú e Bradesco – no primeiro trimestre do ano.
O vilão da vez responde pelo nome de inadimplência. Coincidentemente (ou não, como veremos a seguir), a onda de preocupação com os calotes surgiu justamente quando o governo tenta atrair as atenções para o elevadíssimo spread bancário – diferença entre o custo do dinheiro para as instituições financeiras e a taxa cobrada por elas ao emprestá-lo aos seus clientes. Em nome dos calotes, as ações dos bancos brasileiros teriam sido duramente castigadas no pregão de quarta-feira 25 da Bovespa. A queda, no caso do Itaú, foi de quase 6% – perto de 7 bilhões de reais em perda de valor de mercado.
Ninguém nega que houve aumentos nos atrasos nos pagamentos nos últimos meses, mas o patamar atual está longe de ser historicamente preocupante. O Itaú, por exemplo, registrou alta de 0,2 ponto percentual entre o último trimestre do ano passado e o primeiro deste ano. O que provocou a queda de 2,96% no lucro do banco nos três primeiros trimestres do ano – o ganho líquido fechou em “meros” 3,43 bilhões de reais – foi a decisão tomada pela administração de elevar substancialmente as provisões para a cobertura de créditos de difícil recuperação.
A cada trimestre, as instituições financeiras abrem mão de parte de seu lucro para se garantir frente às possíveis perdas provocadas por clientes que não pagam suas dívidas. Trata-se de um sinal que o banco emite para os acionistas sobre a saúde de seu negócio. O Bradesco também ampliou essa reserva no primeiro trimestre, e por isso seu lucro cresceu “apenas” 3,4%, para 2,80 bilhões de reais. O percentual de dívidas vencidas há mais de 90 dias subiu de 3,6% para 3,9% de dezembro a março, ou seja, 0,3 pontos percentuais. Já a provisão foi elevada em 20%.
Ou seja, apontar a inadimplência como causa primária da volatilidade é, no mínimo, uma leitura precipitada. A queda nas ações foi puxada por uma indicação dos bancos de que esperam dias mais difíceis pela frente na relação com os devedores. Uma questão de percepção. O relatório de crédito do Banco Central, divulgado na manhã desta quinta-feira 26, já evidencia a desaceleração da inadimplência no mês de março. Na verdade, o volume de calotes caiu 0,1 ponto percentual no mês passado. Nos empréstimos a pessoas físicas, os que mais parecem preocupar os bancos, a queda foi de 0,2 ponto percentual, a primeira melhora no indicador desde dezembro.
Os próprios bancos, embora sigam firmes com o discurso da inadimplência em alta, mantêm as previsões de ampliação de suas carteiras de crédito na casa dos dois dígitos até o fim do ano. Esse comportamento soaria contraditório, não fosse pelo segundo fator determinante do mau humor do mercado: as pressões da área econômica do governo pela redução dos juros cobrados nas operações de crédito.
Não é nada bom, para os bancos, abrir mão de suas gordas margens de lucro no repasse do dinheiro, mesmo que isso represente a possibilidade de ampliar significativamente o volume de operações. Os bancos públicos, mais uma vez (a primeira foi na sequência da eclosão da crise financeira americana, no fim de 2008), foram chamados a puxar um processo de expansão do mercado de crédito, desta vez ao baixar o custo dos empréstimos. E, novamente, os bancos privados se veem obrigados a seguir a carruagem, mas não sem alertar o mercado (e a mídia) para a “temeridade” das intenções do governo.
Do ponto de vista da equipe econômica, que em geral não é o que se vê nos editoriais, a hora certa de incentivar a queda dos juros é justamente quando o crédito se retrai – um movimento chamado, no jargão do setor, de contracíclico. Em síntese, quando a economia se retrai, ou cresce menos, a política econômica a estimula. Forçar a queda dos juros quando a população está ávida por se endividar é assumir o risco de criar bolhas de consumo.
Os bancos, por sua vez, vão tentar mostrar que o momento não é bom para baixar os juros, já que a inadimplência representa um fator de custo a mais para os empréstimos. Nas reuniões recentes em Brasília, o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Murilo Portugal, levou uma série de reivindicações para o governo. Assim como a indústria, os bancos se queixam da carga tributária e do custo Brasil, e querem ser desonerados antes de desonerar os clientes. Se conseguirem obter algumas benesses, ou ao menos conter o ímpeto dos bancos públicos, as recentes perdas no mercado não terão ocorrido em vão.
A verdade é que o ambiente financeiro no Brasil melhorou, e não foi pouco, nas últimas duas décadas. Resta muito a fazer, mas as instituições são sólidas, a economia é estável e os juros básicos estão em patamares historicamente baixos. Nunca foi tão fácil retomar um carro ou um imóvel de inadimplentes. Sem falar na Lei de Falências, que favorece a recuperação de créditos financeiros. Até mesmo o cadastro positivo – pleito antigo dos bancos para facilitar a identificação dos bons pagadores – está saindo do papel. Foi o avanço do mercado de crédito (também iniciada pelos bancos públicos) que permitiu aos bancos atingir o patamar atual de lucratividade.
Posta de lado, portanto, a cortina de fumaça da inadimplência, o fato é que a contrapartida mais esperada dos bancos nos últimos anos está muito aquém da possível: eles não largam o osso, ou melhor, a gordura do spread.

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