Ninguém pode reclamar da monotonia da política. O ano tem sido um dos mais agitados para seus espectadores. Infelizmente, por sobra de maus motivos. A república agoniza em outra crise logo quando mais precisava demonstrar estabilidade devido ao delicado momento econômico. O desenrolar da operação Lava-Jato assombra o mundo empresarial e político enquanto as sucessivas manifestações de rua clamam o fim do governo. Entre pedidos de impeachmente acusações de golpismo, uma presidente nada popular tenta impor medidas amargas aos brasileiros. Todas contrárias, é bom ressaltar, ao que havia prometido em campanha do último ano. Os escândalos que outra vez ameaçam as bases do sistema expõem mais do que nunca seus problemas estruturais. Desejáveis novos tempos não chegarão sem novos debates, porém. Um deles é o de como lidar com a Nova República, que chamaremos aqui de Sexta, para enfatizar nosso inglório passado. É um bom serviço ao país lutar pela proteção e preservação do regime pós-ditadura, como se não fosse ele vicioso em sua própria natureza? Em quais condições uma possível reforma torna-se viável? Superá-lo por meio de uma nova ruptura política é um tópico a ser discutido? Qual é a constelação de elementos políticos que podem ajudar a superar nossos mais crônicos problemas? Especularei sobre caminhos possíveis no artigo de hoje.
A opção da preservação da Sexta República em seu atual modelo sugere continuidade do explosivo presidencialismo de coalizão. Ele traz consigo pouco risco de mudanças positivas. É a escolha pela manutenção do atual sistema proporcional, de excesso de partidos e escassez de representatividade. Muitas bancadas, nenhuma prioridade. É o modelo que não cria, mas multiplica a corrupção, tal como o calor acelera o bolor. A negociação de cargos tornou-se não uma política administrativa, mas um modo fundamental de viabilizar qualquer governo no parlamento. Difícil acreditar que as intenções sejam apenas ajudar na gestão. Os antigos 39 ministérios são vergonhosa prova do estado em que as coisas já chegaram. Os presidentes tornam-se ao mesmo tempo reféns e cúmplices daquilo que se dispuseram a fazer. Sobre o que talvez tenha nascido para dar errado, Barão de Itararé opinaria: “De onde menos se espera é que não sai nada mesmo”. Mas por que se mantém? Porque o que é ruim para muitos não raramente é muito bom para alguns. A quem, deixo ao leitor responder.
A opção da preservação da Sexta República em seu atual modelo sugere continuidade do explosivo presidencialismo de coalizão. Ele traz consigo pouco risco de mudanças positivas. É a escolha pela manutenção do atual sistema proporcional, de excesso de partidos e escassez de representatividade. Muitas bancadas, nenhuma prioridade. É o modelo que não cria, mas multiplica a corrupção, tal como o calor acelera o bolor. A negociação de cargos tornou-se não uma política administrativa, mas um modo fundamental de viabilizar qualquer governo no parlamento. Difícil acreditar que as intenções sejam apenas ajudar na gestão. Os antigos 39 ministérios são vergonhosa prova do estado em que as coisas já chegaram. Os presidentes tornam-se ao mesmo tempo reféns e cúmplices daquilo que se dispuseram a fazer. Sobre o que talvez tenha nascido para dar errado, Barão de Itararé opinaria: “De onde menos se espera é que não sai nada mesmo”. Mas por que se mantém? Porque o que é ruim para muitos não raramente é muito bom para alguns. A quem, deixo ao leitor responder.
A escolha da reforma talvez seja o caminho do meio: médio risco, médias transformações. Para melhor ou para pior. Conservam-se as cláusulas pétreas, muda-se o sistema eleitoral. Voto em lista fechada? Voto distrital puro? Voto distrital misto? O falaz distritão? Financiamento público ou privado? Mais democracia direta? No horizonte, nenhum consenso. A janela do debate público ainda se situa na fulanização dos problemas políticos: fora Cunha ou fora Dilma? Mais uma vez, cai-se na ilusão de que o sintoma é a causa de nossos males. É mais fácil ou mais empolgante entender a política como reality show. Aprofundamento, é sabido, gera poucos acessos. Consenso não motiva curtidas, nem fama ou poder. O esquizofrênico embate entre Bolsonaro e Jean Willys é a típica relação ganha-ganha que incentiva as estratégias políticas. Quanto mais se batem, mais votos recebem. Os grandes debates nacionais parecem perder força. Ao estimularem torcidas organizadas, importa menos quem está certo e mais quem ganha o jogo. O objetivo é derrotar o adversário, levar o caneco para casa e depois comentar: “Se reclamar, tem mais”. Não acredito em reforma real sem alta dose de tolerância com o diferente. É preciso exercitá-la.
O caminho radical é a destruição da Sexta República. É ir para o tudo ou nada. Mesmo arriscadíssimo, é o desejado por ultra-insatisfeitos das mais diferentes matrizes. Dos que querem menos estado aos que ambicionam por muito mais. Daqueles que almejam a volta da monarquia aos que pela anarquia são atraídos. É que “todos são tentados a inscrever na Constituição suas utopias particulares”, explicou certa vez Roberto Campos sobre a experiência de 1988. Sem consenso, uma eventual Sétima República seria a repetição do Frankstein que tornou-se a Sexta. Com consenso, o passaporte para o futuro. Quem vai pagar para ver?
No que tange aos elementos políticos, viverão mais os que cedo perceberem as mudanças que se projetam. Grupos políticos com enorme potencial surgem. Nos últimos oito anos, a dita “direita” atualizou-se como há tempos não se via. Novas ideias, novas gerações. Talvez alguns ainda desconheçam, mas ela está longe de se identificar com os atuais grandes partidos de oposição. O fisiologismo causa mais repulsa. Ela passa a ter uma faceta altamente propositiva, que traz em boa hora novos tópicos ao debate público, elevando-o – felizmente – a um novo patamar. Mais Mises ou mais Marx? Eis uma discussão bem mais produtiva do que “Mais Dilma” ou “Mais FHC”. O Partido Novo, recém formalizado, se candidata a representar o movimento. Van Hatten, deputado estadual gaúcho, é um expoente da nova geração que o protagoniza. O Movimento Brasil Livre (MBL), por sua vez, multiplicou o alcance e deu tom popular a bandeiras antes improváveis. Entre elas, a defesa do estado mínimo. Resta saber, porém, se essa mesma direita nutrirá um genuíno zelo pela ética de que o país tanto precisa. Estratégias visando objetivos “maiores” podem corroer o prestígio e dar mau exemplo. A postura que tomará no case Eduardo Cunha, o presidente da Câmara que é adulado por deter as chaves do impeachmentenquanto é acusado de corrupção com consistentes evidências do ato, será uma prova de fogo. O silêncio oportunista é um grito que dói a alma. A legitimidade advém da coerência discursiva.
Para viabilizar qualquer transformação, no entanto, uma nova esquerda será tão imprescindível quanto uma nova direita. São necessários adversários qualificados e altamente respeitáveis para se elevar as discussões públicas. A boa notícia é que essa nova esquerda também surgiu. Não é nenhuma ala do PT, tampouco o próprio PSOL. Na Rede de Marina Silva talvez esteja o seu maior potencial. O partido é menos anacrônico do que seus pares ideológicos. Parece disposto a alguns consensos, é mais aberto à realidade e tem fôlego eleitoral. A legenda já teve apoio até de liberais, veja só. Mas o tempo é quem dirá se ela será capaz de superar velhos vícios e ter um olhar mais lúcido sobre o século XXI, discutindo sustentabilidade sem ameaçar a livre-iniciativa e um regime de liberdades. É preferível acreditar que sim. No Rio, um vereador ligado à Rede foi o único que votou contra um projeto que previa multa a motoristas do aplicativo Uber. No ano passado, Marina Silva, apesar de ex-petista, tinha a humildade de reconhecer os esforços empreendidos pelo governo FHC em prol da estabilidade, alertava sobre a preocupação em manter o tripé econômico e defendia a autonomia do Banco Central. São bons sinais.
Os caminhos não são simples e nem mesmo poderiam ser. Ironicamente, o imprevisível é a única certeza do que vem pela frente. As opções estão postas à mesa. Os seis períodos republicanos somam 126 anos de história, sete constituições, democracias cambaleantes e sucessivas histórias de restrições à liberdade. Em três palavras, um retumbante fracasso. Entregues a escrever seus próprios destinos, as repúblicas do Brasil revelaram impotência em promover a felicidade do país, como assustadoramente previu Visconde de Ouro Preto após a proclamação de 1889. Seja qual for o futuro, caberá resgatar os ensinamentos de Montesquieu. Ele advogava que a República repousa na virtude dos homens. Sem homens suficientemente virtuosos para erguer o sistema de amanhã, o país seguirá condenado a repetir o passado. Que mate a Sexta República quem for digno de somar, não dividir. Não é desejável que qualquer morte se traduza em uma ruptura violenta, que deixe cicatrizes físicas ou morais. Já aprendemos a lição. Uma ruptura desejável é somente aquela feita com paz, consenso, e que seja gerada para romper com as mais abjetas práticas da política que vemos por aí – o que a tornará bem mais difícil do que qualquer outra, diga-se de passagem. Passa pelo judiciário, pelo Ministério Público. Por novas gerações que tiveram suas formações influenciadas por escândalos de corrupção e não ambicionam se tornar parte do sistema. Alguns nomes já despontam e ameaçam figuras antes consideradas inatingíveis. O Brasil está mudando? Ainda vai mudar muito mais. Tudo porque um país que é menos do que poderia ser condena seu povo ao mesmo destino. Quem impedirá que isso aconteça? Todos nós.
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