Nossa classe política está de parabéns. A doentia atmosfera construída por essa aberração que nós chamamos de “governo”, logo depois de enviar ao Congresso um projeto de orçamento deficitário em nada desprezíveis R$ 30 bilhões, conseguiu retirar o grau de investimento do Brasil em pelo menos uma das três principais agências de classificação de risco, a Standard and Poor’s. Conquistado em 2008, quando, mantendo a base dos sucessos do Plano Real, o Brasil de Lula surfou na onda das commodities, esse grau é uma sinalização para todos os investidores internacionais de que existe alguma dose de segurança em se aventurar por estas terras inóspitas de hostilidade ao capitalismo e ao mercado. Sim, com todos os problemas, ainda tínhamos isso. Agora, podemos bater palmas para Guido Mantega, Dilma et caterva. Agora a festa acabou.
Se nossa dignidade, já abalada pelas nossas alianças espúrias e pelas ofensas infames que fizemos, por exemplo, a Israel, já estava, no sentido diplomático, arruinada, agora desmorona para o fundo do poço o que nos restava de credibilidade econômica. Para quem dizia não haver crise alguma, estar tudo maravilhosamente bem, haver apenas uma intriga alarmista da oposição, ou que essas agências não deveriam “se meter no Brasil” (palavras do líder do PT na Câmara, José Guimarães), lamento muito – não por eles, mas pelo país, que sofrerá as consequências. Incapaz de uma articulação que, dentro do sistema complicado de presidencialismo de coalização que o Brasil apresenta, pudesse propiciar reduções efetivas de gastos negociadas com o Congresso – e, para ser verdadeiramente justo, incapaz de DESEJAR fazer os cortes necessários NA CARNE -, o governo se limita a um “ajuste fiscal” de ficção, enquanto Dilma se acovarda perante seu povo e não consegue sequer fazer um pronunciamento em rede nacional no feriado de independência, gravando apenas um pequeno discurso patético para as redes sociais. Discurso em que, aliás, insiste em que estamos fazendo apenas uma “travessia”. Diante de tudo isso, ainda se ouve falar, nas hostes governistas, em recorrer a aumentos de impostos para resolver o problema. Nada dos prometidos cortes de ministérios.
Nesse ambiente árido e sem perspectiva, a presidente dá as caras apenas para tomar medidas destrambelhadas. A última confusão foi causada pelo decreto 8515, que delegaria competências ao Ministro da Defesa sobre os setores militares, que pertenceriam, como Comandante-em-chefe das Forças Armadas que é, segundo a Constituição Federal de 1988, à própria presidente. Diante da tensão provocada, o governo, perdidinho da Silva, voltou atrás e manteve as atribuições com os comandantes militares. Naturalmente, ouvir falar em atitudes do Executivo em relação aos militares é sempre algo que inquieta; lembramo-nos imediatamente das intromissões de João Goulart na crise de insubordinações de oficiais de baixa patente, um dos fatores que detonou o movimento civil-militar de 31 de março de 1964, culminando na deposição do governante. Não nos pareceu, porém, ao ler o texto original e conversar com amizades do meio militar, que esse decreto represente algo como um “golpe”, como certos colegas falaram. O primeiro responsável pelo seu conteúdo é, por assim dizer, o próprio Fernando Henrique Cardoso, que, quando presidente, criou o Ministério da Defesa e encerrou os ministérios militares. O problema não estaria, sob esse ponto de vista, tanto no conteúdo, mas na maneira como a medida foi apresentada. Assim como no caso dos conselhos populares de viés bolivariano (decreto 8243), como bem aponta o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), o governo petista criou uma polêmica desnecessária com os setores militares, tentando implantar essa normatização a partir de um decreto.
Existem diversas maneiras de se coibir uma escalada autoritária no comando de um país. A descentralização de poder está no âmago de quase todas elas. É assim que, por exemplo, o federalismo, desde as suas origens, é um tema sagrado nos Estados Unidos. Durante a atual gestão do Partido Democrata, que fez, nas últimas décadas, uma curva significativa e perigosa para a esquerda no espectro político, esse pilar americano foi um dos que passaram a ser defendidos pelos Republicanos com relativa preocupação; pensemos o que quisermos sobre a imposição do casamento homossexual para todos os estados mediante uma decisão da justiça federal, o fato é que esse foi um caso que suscitou discussões a respeito por lá – sobretudo depois da recente controvérsia com a tabeliã de Kentucky, Kim Davis, que foi presa por se recusar a celebrar uma união desse tipo, alegando motivos religiosos. No Brasil, a Federação é quase um mito, também desde as suas origens. Nossos estados praticamente não têm autonomia e muitos deles são “extorquidos” pela União.
Além do federalismo, porém, existe a independência dos poderes, e o peso a ser conferido a cada um deles. Em um regime liberal-democrático, ou que assim se pretende, é preciso que haja esferas de poder que contrabalancem, representando setores da sociedade, o poder Executivo central, e o ideal, como aponta o deputado Domingos Sávio (PSDB-MG) ao comentar o decreto 8515, era que a matéria tramitasse como lei complementar, isto é, tomasse parte do processo Legislativo. Da mesma forma, acuado pelas suas próprias atitudes caóticas, o governo estuda estabelecer o aumento de impostos através de, vejam só, decreto – antevendo que o Congresso hostil não irá admitir tamanha avacalhação. É prova de inabilidade, ou ranço autoritário, querer governar por “decretos”; essa prática foi usual durante o regime tirânico de Getúlio Vargas, e inspira os Atos Institucionais do regime militar. É necessário moderá-la, e fazem bem os parlamentares que se insurgem contra isso.
O que salta aos olhos é que o governo Dilma, o governo do PT, se esforça muito por parecer cada vez mais ridículo. Não se satisfaz em fazê-lo aos olhos dos próprios brasileiros, e agora o faz, em dose robusta, perante o mundo. A oposição já articula, para lançamento nesta quinta, um site para promover a campanha pelo impeachment. Aplaudimos, ainda que a iniciativa esteja sendo tão tardia. Diante desse novo desastre, ela ganha novo combustível. Não aguentaremos mais três anos. Basta!
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