Posicionamento acerca da legalidade do rateio pela fração ideal.
EMENTA: RATEIO DESPESAS POR FRAÇÃO IDEAL– TAXAS CONDOMINIAIS – USUFRUTO E MANUTENÇÃO DE ÁREAS COMUNS – LEGALIDADE.
Ante a notícia de que o Superior Tribunal de Justiça declarara a ilegalidade do rateio da taxa de condomínio pela fração ideal. A grande repercussão motivou o próprio Superior Tribunal de Justiça a divulgar uma nota esclarecendo tratar-se de uma constatação equivocada.
Para melhor entender o imbróglio, deve-se explicar o processo que a ele deu origem. Trata-se do caso de um diminuto condomínio edilício de apenas seis unidades. Os condôminos do referido condomínio, em assembleia, decidiram alterar a convenção condominial que originalmente previa que as despesas condominiais fossem rateadas por unidade, para que o rateio passasse a respeitar a fração ideal correspondente a cada unidade. Como um dos condôminos era proprietário de uma unidade com maior área, logo uma maior fração ideal, suas despesas condominiais foram elevadas com a deliberação da assembleia. Este condômino supostamente prejudicado buscou o poder judiciário para que a deliberação da assembleia fosse declarada ilegal.
No processo foi realizada uma perícia que não logrou êxito em apontar qualquer diferença entre as despesas comuns geradas pela unidade com maior área e aquelas geradas pelos demais apartamentos tipo.
A decisao do Tribunal de Justiça de Minas Gerais baseou-se em tal perícia para afirmar que a cobrança com base na fração ideal, naquele caso, configuraria enriquecimento sem causa dos demais condôminos. Vale frisar que, atendendo o próprio pedido do autor da demanda, embora não coincidindo com a fração ideal do seu respectivo apartamento, o valor de sua contribuição condominial foi fixada com um acréscimo de 20% (vinte por cento) em relação às demais unidades.
O condomínio então recorreu ao STJ alegando que tanto regras do Código Civil, quanto da Lei 4.591/64 estariam sendo violadas, uma vez que estas permitem expressamente a cobrança da contribuição condominial com base na fração ideal. Ocorre que o condomínio não atacou no recurso a conclusão da instância inferior no sentido de que, naquele caso específico, a aplicação do critério de contribuição pela fração ideal acarretaria enriquecimento sem causa do condomínio.
A vedação do enriquecimento sem causa é regra expressa em lei infraconstitucional, vide art. 884 do Código Civil:
“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Sem prejuízo do dispositivo que veda o enriquecimento sem causa, tanto o art. Art. 1.336 do Código Civil, quanto o Art. 12. § 1º, da Lei 4.591/64, afirmam categoricamente ser dever dos condôminos a contribuição para as despesas do condomínio na proporção de suas frações ideais na falta de ajuste em sentido diverso.
Para que não haja qualquer antinomia entre as normas acima citadas, deve-se partir do pressuposto de que a cobrança da contribuição condominial proporcionalmente à fração ideal de cada unidade é, via de regra, perfeitamente válida, a menos que se caracterize o enriquecimento sem causa no caso concreto, ou qualquer tipo de abuso de direito. Isso porque tanto o enriquecimento sem causa quanto o abuso de direito, além de serem regras positivadas no ordenamento, são princípios informadores do direito privado e funcionam como cláusulas gerais, ou seja, caracterizam-se como princípios orientadores da hermenêutica jurídica.
O art. 884 deixou de ser apontado como lei infraconstitucional violada no recurso em face da decisão do TJMG, e a ocorrência do enriquecimento sem causa no caso concreto não pode ser rediscutida por questões processuais de admissibilidade recursal, de forma que o STJ nem sequer analisou o mérito do recurso. Além disso, o STJ há muito é firme no sentido de que em sede de Recurso Especial não é possível revolver matéria fático-probatória, ou seja, seria impossível rediscutir o resultado da perícia já constante nos autos, por mais falha e imprecisa que esta pudesse ser.
Por esse motivo, quando do esclarecimento realizado, o próprio STJ afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, o seguinte:
Assim, o STJ não confirmou, rechaçou ou mesmo debateu o acerto ou erro da decisão do TJMG, pela falta de ataque, no recurso, a um fundamento autônomo e suficiente para mantê-la. Em outras palavras: o STJ não afirmou se a cobrança baseada na fração ideal é ou não possível, pois sequer entrou nessa controvérsia. Com a decisão do relator, no sentido de negar seguimento ao recurso, o entendimento do TJMG ficou mantido, mas por razões meramente processuais.
Aliás, precedentes jurisprudenciais do STJ anteriores asseveravam exatamente a legalidade da cobrança da contribuição condominial com base na fração ideal, com arrimo nas leis infraconstitucionais vigentes. Um dos precedentes ao qual é atribuído a declaração de ilegalidade do rateio por fração ideal é o REsp 541317 RS 2003/0064425-4, conclusão que mostra-se equivocada com uma leitura mais atenta:
DIREITO CIVIL. DESPESAS CONDOMINIAIS. CRITÉRIO DE RATEIO NA FORMA IGUALITÁRIA ESTABELECIDO EM CONVENÇÃO CONDOMINIAL. ADMISSIBILIDADE. A assembléia dos condôminos é livre para estipular a forma adequada de fixação da quota dos condôminos, desde que obedecidos os requisitos formais, preservada a isonomia e descaracterizado o enriquecimento ilícito de alguns condôminos. O rateio igualitário das despesas condominiais não implica, por si só, enriquecimento sem causa dos proprietários de maior fração ideal. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.
Como se vê, em nenhum ponto do supracitado julgado se fala em ilegalidade do rateio por fração ideal, pois o que se reconhece, na verdade, é a ausência de ilegalidade a priori, do rateio igualitário das despesas, se assim tiver sido deliberado pela assembleia condominial, pois esta possibilidade, de estipulação da contribuição de modo diverso, é expressamente prevista em lei. Nesse sentido, transcreva-se pertinente manifestação colhida na boa doutrina:
É insustentável a tese de que é enriquecimento sem causa o fato de um condômino que possui maior fração ideal do terreno (cobertura v. G.) pagar despesa maior já que exerce os mesmos poderes de domínio. Da mesma forma, se for estipulado pela convenção de condôminos que a cobertura pague valor idêntico, não será admitida a tese do enriquecimento sem causa desta em prejuízo dos apartamentos tipo, pois é uma faculdade disciplinada em lei. Em todos os países do mundo a cobrança é dessa forma, apenas para efeito didático, temos a legislação espanhola e portuguesa que tratam desse mesmo assunto. Em ambas as legislações o rateio legal é com base na fração ideal. O critério do rateio pela fração ideal é a forma universal de rateio de qualquer despesa em qualquer condomínio, pois estamos tratando de obrigações propter rem.
O fato do rateio igualitário das despesas condominiais ser uma possibilidade legalmente instituída, não acarreta, nenhum silogismo que resulte na ilegalidade da cobrança de condomínio de acordo com a fração ideal de cada unidade.
Assim, a única conclusão que se pode, de antemão, esquadrinhar acerca da possibilidade da convenção condominial optar entre a cobrança “por unidade”, “por fração ideal” ou outro critério estabelecido, é que a escolha, ainda que realizada com a observância do quorum necessário, não poderá acarretar enriquecimento sem causa ou prejuízo injusto para nenhum dos condôminos.
A verdadeira questão a se deslindar torna-se patente: em quais casos haverá enriquecimento sem causa ou prejuízo injusto? Nos condomínios onde coexistem apartamentos com dimensões diferentes, como, por exemplo, coberturas privativas, os apartamentos térreos, laterais e de fundos, este debate vem ganhando relevo.
No caso analisado pelo TJMG, a perícia não encontrou fundamentos para que o apartamento de maior área tivesse uma despesa maior com a manutenção do condomínio. Entretanto, uma perícia judicial é direcionada pelos quesitos do magistrado e das partes, e o resultado é aplicável apenas ao caso avaliado. Pode ser que as partes e o magistrado não tenham formulado quesitos adequados, ou que o perito designado tenha deixado de promover a avaliação sob um ângulo diferente, embora relevante.
Se diretamente uma unidade com dimensões superiores não necessariamente acarreta maiores custos ao restante do condomínio, não se pode dizer que não haja uma contribuição indireta ou ao menos potencial para o aumento das despesas comuns.
Pode-se citar o exemplo de um edifício comercial. É comum a coexistência de pavimentos corporativos aonde há empresas utilizando privativamente vasta área (ex. 1000m²), alternados com pavimentos de salas diminutas (ex. 35m²).
Levando em consideração que as contas de luz e de água sejam individualizadas, seria árdua a tarefa para se comprovar, através de uma perícia, que o escritório de 1000m² gera mais despesas do que um escritório de 35m². Mas seria inquestionavelmente injusto que ambos pagassem a mesma contribuição condominial. Neste caso, caso fosse aprovada uma alteração para que a contribuição passasse a ser computada por unidade, as salas de 35m² esvaziaram-se valor comercial, em decorrência do desproporcional custo de manutenção, elevado justamente por conta da falta de pulverização das despesas condominiais, que ficam então concentradas em umas poucas unidades, de dimensões e valores econômicos completamente incompatíveis.
Com esse exemplo, a razão subjacente que fundamenta a contribuição condominial com base na fração ideal, resta evidente. Unidades que ocupam maior espaço privativo presumidamente impedem uma partilha maior dos espaços privativos dos prédios, impedindo que as despesas sejam partilhadas com um maior número de unidades.
Seguindo tal linha de raciocínio, imagine-se, deixando de lado a questão da regularidade formal do exemplo, que um morador adquira duas unidades vizinhas no mesmo prédio e realize uma obra transformando-as em um só apartamento. Se porventura a cobrança da contribuição condominial nesse edifício seja por unidade e não por fração ideal, poderia ser que o citado morador pleiteasse passar a pagar apenas uma contribuição pela fusão das unidades, e haveria um prejuízo real a ser suportado pelos demais condôminos em relação à situação anterior, pois todos arcariam com o desfalque ocasionado pela unidade suprimida.
Com efeito, unidades maiores potencialmente podem comportar um maior uso. Na construção civil, por exemplo, é comum que o dimensionamento dos reservatórios de água leve em consideração não o número de unidades do empreendimento, mas sim o número de dormitórios. Unidades correspondentes a frações ideais maiores, usualmente, comportam um maior número de cômodos, bem assim como um maior número de vagas de garagem, ou seja, um maior número de pessoas. No caso das coberturas, é comum que estes apartamentos recebam mais convidados, aumentando o desgaste dos elevadores e áreas comuns do edifício. É evidente que tais assertivas são lastreadas em perfunctórias presunções, contudo, a análise “caso a caso” causaria extrema insegurança jurídica na elaboração dos empreendimentos imobiliários.
De outro lado, não seria desejável que a contribuição básica do condomínio fosse diretamente proporcional ao uso, ainda que tal apuração fosse possível. Veja-se o exemplo dos apartamentos fechados, sem qualquer uso, adquiridos apenas para fins de especulação imobiliária. Seria razoável que ficassem isentos de contribuição condominial, onerando os demais condôminos?
Aliás, é por esse exato motivo que a contribuição condominial é uma obrigação propter rem, ou seja, independe do uso do imóvel, antes estando ligada a conservação da res. Dessa forma, até mesmo o condômino adquirente é onerado pelas dividas condominiais do imóvel geradas pelo proprietário anterior:
“O adquirente assume papel de garante, podendo ser demandado diretamente porque há uma opção normativa de facilitar a cobrança da dívida em atenção ao fundamento propter rem que, como visto, é a conservação da res.”
Há, portanto, uma primeira linha de argumentação que sustenta a cobrança por fração ideal: a potencialidade de maior uso das áreas comuns e, de certa forma, “o preço da exclusividade” e a necessidade de conservação da res.
Assim, apenas situações extremas justificariam uma intervenção judicial casuística, ligada ao maior ou menor uso do imóvel. Como exemplo de situação extrema, pode-se citar o caso de lojas comerciais situadas no térreo de edifícios residenciais, que, uma vez que voltadas diretamente para rua, com despesas de água, luz e manutenção de fachadas completamente autônomas, não compartilham de nenhuma forma da área comum do edifício, como churrasqueiras, salão de festas e nem mesmo fazem uso da portaria. Tratando-se, pois, de um “caso limite”, indubitável que a cobrança da contribuição condominial “cheia” com base apenas na fração ideal, mostrar-se-ia injustificável e merecedora de readequação.
Tratando-se, porém, de empreendimento meramente residencial, onde essa heterogeneidade não existe, a deliberação condominial não poderá ser sobrepujada sem fortíssimas razões justificadoras.
Para que os condomínios deixem de lado as presunções e cobrem contribuições condominiais cada vez mais justas e próximas do efetivo dispêndio de cada um dos condôminos, tem-se implementado hidrômetros individualizados, bem como taxas para utilização das áreas comuns, como churrasqueiras, salões de festa e etc. Assim, na medida do possível, se individualizam aquelas despesas intrinsecamente ligadas ao uso, daquelas que, decorrentes da mera conservação da coisa comum, não podem ser individualizadas.
É por esse motivo que a lei, apesar de fixar o rateio da contribuição condominial pela fração ideal como regra, deixa em aberto a possibilidade do condomínio, dentro da razoabilidade e proporcionalidade que deve permear as relações privadas, deliberar outras formas de apuração das responsabilidades dos condôminos para a conservação e utilização das áreas comuns.
Mas há, ainda, um importante esclarecimento que deve ser feito acerca das decisões que supostamente negaram a legalidade do rateio da contribuição condominial com base na fração ideal de cada unidade. As decisões tem em comum o fato de que a convenção condominial original previa a contribuição por unidade, e a assembleia deliberou pela alteração do status quo. Em se tratando de deliberação na qual uma minoria de condôminos, sem qualquer possibilidade de resistência por uma questão numérica, suporta todos os aspectos negativos da modificação de critério, se esta diante de um quadro de vulnerabilidade.
Nesse caso, é certo que os parâmetros da boa-fé objetiva, da vedação do enriquecimento sem causa e do comportamento contraditório deverão receber uma análise mais aguçada, em respeito aos postulados da igualdade e da proporcionalidade. Havendo a violação da principiologia do ordenamento no caso concreto, uma intervenção judicial poderá até mesmo retirar a autonomia da assembleia e anular a eventual deliberação flagrantemente iníqua e com o objetivo de obter vantagens injustas.
Não há motivos razoáveis, contudo, para conceder guarita à pretensão daquele proprietário que adquire unidade imobiliária em empreendimento cuja convenção condominial determina, de antemão, o rateio das despesas de acordo com as respectivas frações ideais, e posteriormente busca a modificação para um regime de partilha que lhe seja mais favorável. O custo da contribuição condominial começa-se a se desenhar já na idealização do projeto a ser edificado sobre o terreno, quando da divisão do coeficiente de construção em mais ou menos unidades, com áreas maiores ou menores. A mudança de regras após a comercialização do empreendimento impõe surpresa aos adquirentes, e por esse motivo qualquer intervenção judicial só deve tomar lugar diante de flagrante desproporcionalidade, o que não se vislumbra quando se trata de condomínios constituídos apartamentos de mesma destinação, porém com dimensões diferentes, que contribuem para as despesas comuns, desde a instituição do condomínio, de acordo com a fração ideal.
A diferença entre as duas situações – a manutenção de um critério já estabelecido (muitas vezes desde a comercialização do empreendimento) e a imposição um novo critério a uma minoria de condôminos - é bastante clara, uma vez que o ordenamento jurídico privilegia, sistematicamente, a estabilidade das relações privadas e a segurança jurídica, sem descuidar da justiça no caso concreto.
Percebe-se, pois, que o discurso daqueles que cunham a contribuição por fração ideal como “taxa de inveja” ou a atribuem a uma “deficiência matemática”[9], partem de uma visão unidimensional e eivada de parcialidade e sofismas. A realidade é que a suposta “ilegalidade do rateio por fração ideal” jamais foi asseverada de forma frontal pela doutrina e pela jurisprudência, como já se demonstrou.
Conclusão:
A legalidade do rateio das despesas condominiais proporcionalmente às frações ideais de cada unidade é prevista tanto o art. Art. 1. 336 do Código Civil, quanto o Art.12. § 1º, da Lei 4.591/64. Propugnar a ilegalidade de tal critério seria insinuar a inconstitucionalidade de tais dispositivos, tese que, contudo, não encontra arrimo no ordenamento jurídico vigente e não é corroborada pela jurisprudência do STJ, ao menos até a presente data. Por esse motivo, salvo casos excepcionais, não se vislumbra o enriquecimento sem causa dos proprietários das unidades menores em detrimento dos proprietários das unidades maiores nos condomínios onde o rateio de despesas é feito de acordo com a fração ideal. Aliás, a divisão das despesas por fração ideal é critério largamente utilizado nos ordenamentos de outros países.
A assembleia condominial, respeitado o quórum necessário, é livre para estabelecer tanto a fração ideal como o rateio igualitário (ou ainda outro) como critério de divisão de despesas comuns, vedado, contudo, o enriquecimento sem causa, cuja ocorrência deverá ser identificada “caso a caso” e não em abstrato.
Em todos os casos, deve-se privilegiar a segurança jurídica, preservando, tanto quanto possível, o regime de rateio previsto quando da instituição do condomínio, que só poderá ser alterado mediante convincente motivação, e com especial atenção para a equalização dos interesses daqueles condôminos que suportarão os prejuízos advindos com a modificação da convenção original.
FONTE - www.jusbrasil.com.br
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