O que deve sentir ou pensar a presidente ao ver o enterro de indigente de seus planos econômicos?
"UM NEGÓCIO QUE era muito grosseiro;" "brincadeira que nos custa R$ 25 bilhões por ano". Foi com esse discurso de réquiem que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, enterrou o defunto que fora um dos planos mais estimados da primeira encarnação da presidente Dilma Rousseff: a redução de impostos que empresas pagam ao INSS.
O que a presidente sente ou pensa quando assiste à morte ingló- ria e ao enterro infame do seu programa econômico? O que diz a seus botões, durante a noite escura da alma, na solidão esplêndida do Alvorada?
Ela acredita nas fantasias mal escritas de seus discursos, que atribui a ruína que provocou a conjurações dos azares da economia do mundo?
Acredita, tal como algumas seitas de seus adeptos restantes, que foi vítima de conjurações de elites, "mídia" ou outro demônio? Vítima dessas elites a quem o governo paga e pagará juros aberrantes pela dívida que fez a fim de financiar uma fantasia caricata e transitória de progresso social, em vez de ao menos tentar cobrar-lhes mais impostos?
As elites, que tanto amaram o dinheiro de seu governo enquanto durou, que recebiam grana grossa para financiar a criação de oligopólios, ainda engolem meio trilhão de reais a juro quase zero, o "nacional-empresismo", outro programa que morre pelas mãos de tesoura de Levy.
Parece agora claro que Dilma não compreendia as consequências das encrencas enormes que criava, tal como endividar demais e levar à pindaíba o Tesouro Nacional e a Petrobras, para ficar nas mais rudimentares e estarrecedoras. Parecia mesmo convicta da eficácia de aplicar ao país uma versão decrépita, colegial e amadora do que imagina ter sido o desenvolvimentismo original, em si mesmo um "equívoco bem-sucedido", responsável por vários dos nossos horrores, como desigualdade, cidades monstruosas, ignorância de massa e elitismo disfarçado de "nacional e popular".
A presidente teria agora dúvidas? Ou balança a cabeça e tenta afastar a lembrança da lambança, tal como fazemos quando mentimos para nós mesmos a respeito dos nossos pecados? A julgar por biografias, histórias e exemplos vivos de poderosos vistos mais de perto, é provável que as perguntas sejam tão ingênuas quanto as ideias de Dilma.
Um político que chegou ao ápice do poder é quase tão oco quanto o tronco comido por cupins das árvores que desabam nas ventanias de São Paulo. Nesse quase vácuo há menos resistência para torcer seja lá o que tenha restado de ideias ou convicção. Até líderes maiores e melhores foram assim. Roosevelt tomou posse com um programa, começou a governar com outro e ainda mudou de ideia, com o que fez fama e história.
A alma de Dilma decerto não explica este quadriênio de perversões brasileiras, embora a presidente tenha se valido das oportunidades do governo imperial do país como poucos, encarnando a caricatura da Rainha de Copas. Mas o que explica ao menos o movimento dos seus humores? Dilma ora parece se debater furiosa dentro de uma bolha isolada mesmo das versões da realidade menos antipáticas a sua figura e a seu governo. Seria a fúria de alguém inquieta e ansiosa para voltar a sua vida passada, Dilma 1? Ou de uma alma penada sem rumo?
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