domingo, 12 de outubro de 2014

Livro resgata máfia judaica de Nova York


Alcyr Silva/Folha Imagem
O escritor americano Rich Cohen, autor de 'Tough Jews'


ALESSANDRA BLANCO 
de Nova York 

O poderoso chefão da máfia nova-iorquina do início do século, retratado em diversos filmes de Hollywood, não era italiano, mas um judeu, nascido em Nova York e neto de alemães.
Em seu recém-lançado livro, "Tough Jews", Rich Cohen conta a história da máfia judaica, que dominou o país a partir de 1910 até o final da Segunda Guerra Mundial (1939-45), como lhe foi passada por seu pai, Herb Cohen, e seu grupo de amigos, entre eles o apresentador de TV Larry King, que foram vizinhos de gângsteres como Arnold Rothstein, que deu origem ao personagem Meyer Wolfshiem, de "The Great Gatsby", de Scott Fitzgerald, e Bugsy Siegel, inspiração para o filme "Bugsy".
"Eu cresci em Chicago, uma cidade em que se jantava às 17h e onde a idéia de judeus americanos era apenas aquela do homem de negócios, do advogado bem-sucedido. Meu pai sempre contava suas histórias de gângsteres, que eu adorava, porque eles eram diferentes de tudo o que eu conhecia", disse Cohen em entrevista à Folha em Nova York.
"Só que um dia, já adulto, fui tomar café da manhã com meu pai e seus amigos em Los Angeles, e eles continuavam falando das mesmas histórias, da mesma forma, com as mesmas vozes. Imagine meu pai e Larry King se encontrando todas as manhãs para falar de gângsteres que morreram há pelo menos 50 anos. Percebi que não eram apenas histórias. Aquilo era verdade e havia marcado suas vidas."
"Tough Jews" (judeus durões) é o resultado de uma série de encontros, a partir desse dia, com seu pai e os amigos dele, policiais e promotores aposentados e qualquer pessoa que pudesse dar informações sobre gângsteres judeus -exceto familiares.
"Muitas famílias de gângsteres ainda moram em Nova York e hoje se incluem na imagem do judeu bem-sucedido, com prósperos negócios. Mas, quando fui procurar seus filhos para conversar, descobri que eles não tinham a menor idéia do que aconteceu. Quando o livro foi publicado, eles me procuraram para dizer que desconfiavam de algo, mas jamais souberam sobre a máfia judaica", conta Cohen.
A idéia da máfia judaica é bastante diferente daquela da máfia italiana. Em Nova York, judeus e italianos "trabalhavam" juntos, como "irmãos de sangue", só que a máfia judaica acabou em 1944, quando seus chefes foram executados em cadeiras elétricas ou fugiram para outras cidades e outros países. A máfia italiana existe até hoje, nos mesmos moldes, passada de pai para filho.
"Não houve Sonys (filho de Vito Corleoni na saga "O Poderoso Chefão', a quem cabia dar continuidade aos "negócios' da família) na máfia judaica. Os filhos não participavam. E não é só isso. Eles nem sabiam. Os gângsteres judeus queriam para seus filhos o que todos os pais querem: que fizessem faculdade, que se tornassem profissionais. O crime atingiu apenas uma geração de judeus, como um meio de conseguir dinheiro para investir na educação dos filhos. Hoje, pode haver um judeu gângster, mas não há mais gângsteres judeus", diz.
O homem responsável por essa idéia de máfia, como foi criada em Nova York, é Arnold Rothstein, o primeiro a enxergar que a proibição de venda de bebidas pelo governo nos anos 20 poderia gerar um negócio milionário. Rothstein passou a trazer navios carregados de uísque do Reino Unido protegidos por homens armados e com ordens para atirar.
"Antes disso, os gângsteres eram completamente diferentes. Eram quase como os trombadinhas de São Paulo. Houve uma metamorfose nos anos 20. O crime passou a ser organizado, eles passaram a ser sofisticados, a usar roupas elegantes e a frequentar clubes noturnos. Essa transformação foi idéia de Rothstein, ele inventou o crime organizado em Nova York."
Rothstein teve a idéia e se aliou a um italiano, Lucky Luciano, seu braço direito, para colocá-la em prática. Depois, contratou outros "judeus e italianos durões": Louis Lepke, Gurrah Shapiro, Meyer Lansky, Bugsy Siegel, Frank Costello e Dutch Schultz.
Os "negócios" da máfia judaica se resumiam ao contrabando de bebidas, à proteção forçada de estabelecimentos comerciais, que rendiam uma certa quantia semanal, à proteção de patrões e empregados durante as greves e ao tráfico de drogas.
A idéia de que mafioso nesse período não se envolvia com drogas é mentirosa, segundo Cohen, e foi criada e difundida no filme "O Poderoso Chefão". "Vito Genovese morreu dentro da prisão por lidar com narcóticos, e Meyer Lansky usava heroína", conta.
Todos os "negócios" eram resolvidos por meio da ameaça de violência e, quando alguém tinha de ser morto, a equipe de Rothstein contratava o que os jornais da época chamavam de Murder Incorporation, uma equipe de jovens judeus matadores.
Apesar disso, a idéia de mafiosos glamourosos passada por Hollywood era verdadeira. "Eles tinham uma imagem charmosa se você os conhecesse na situação certa, em um clube noturno, por exemplo, mas poderiam ser monstruosos se conhecidos em situações erradas", afirma Cohen.
Alguns dos chefes da máfia judaica viviam no hotel Waldorf Astoria, andavam com carros importados alemães e estavam sempre impecavelmente vestidos. As grandes festas que se vêem nos filmes também eram verdadeiras, só que ligadas à religião.
"A relação com a religião era totalmente hipócrita. Alguns deles não matavam no sábado, não porque era errado matar, mas porque era errado 'trabalhar' no sábado."
A máfia controlada por Rothstein e depois por seus "herdeiros" funcionou até a metade dos anos 30, quando o FBI finalmente resolveu assumir que havia uma máfia nos EUA e as investigações e os julgamentos começaram.
A grande maioria dos gângsteres, como Lepke, Mendy Weiss e Louis Capone, foram para a cadeira elétrica.
Em 1945, com o final da Segunda Guerra, ninguém mais falava em máfia judaica. "Os gângsteres foram executados durante a guerra e, nesse período, suas mortes já não eram mais uma grande notícia. Uma coisa muito maior estava acontecendo. Além disso, o Holocausto fixou a idéia de judeus como vítimas, e a comunidade sempre fez questão de esconder o caso por vergonha. Eles preferem ser conhecidos como homens de negócios bem-sucedidos", conclui.

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