by fernaslm |
"Jihadista" holandês "posta-se" no Tumblr
Passei o fim-de-semana fuçando a internet para entender melhor esse fenômeno do Estado Islâmico, o grupo que nasceu dentro da Al Qaeda e acabou por devorá-la, e esse estranho fascínio que ele exerce sobre jovens do mundo inteiro que estão indo para a Síria para, ao lado dele, impor pelo terror um “Grande Califado Islâmico como o que havia no século 7”, com pretensões a substituir tudo que existe hoje em matéria de estados nacionais no Oriente Médio.
Não bastassem as degolas, cruxifixões e fuzilamentos em massa de que o Youtube está cheio, entendi que quando um grupo terrorista assusta o próprio mundo árabe é melhor a gente prestar atenção no que vem vindo por aí.
Neste artigo fico no exame da participação de ocidentais nessa orgia de violência.
Depois de ler uma boa dezena de reportagens e entrevistas em profundidade com jovens cooptados pelo EI – do meio brasileiro, meio belga Brian de Mulder, vulgo Abu Qassem Brazili, de mãe carioca, a casos envolvendo rapazes e moças portugueses, ingleses, franceses, belgas, suecos, norte-americanos, dinamarqueses (este o país que, proporcionalmente à sua população, mais mandou jovens para lutar na Síria) e até chineses – minha conclusão é de que a grande novidade nessa parte do fenômeno é apenas e tão somente o advento da rede mundial.
Brian de Mulder e a mãe no Rio e feito Abu Qassam Brazili
O Estado islâmico é, também, como tudo o mais hoje em dia, um produto da internet. Psicopatas, nihilistas e desesperados sempre existiram em todas as sociedades, só que agora eles podem articular-se em redes do tamanho do mundo como todos os outros mortais, formar grupos de mutua realimentação de gostos e delírios, conversar uns com os outros e compartilhar “likes” e experiências, execuções sangrentas inclusive, literalmente ao vivo.
Graças à rede mundial e seus mecanismos de busca, também esse tipo de doente – e porque discriminá-los de todos os outros que podem satisfazer suas taras com o recurso a eles? – pode saber hoje, em detalhe e com instantaneidade, que o que de melhor o mercado global oferece para quem tem esse tipo de sede é a jihad islâmica com a liberdade ampla, geral e irrestrita para chafurdar no sangue que ela oferece a todos quantos queiram aderir à festa.
Como não ha, nas democracias ocidentais, leis que impeçam um cidadão de aderir ao que quer que seja e de dar os passos subsequentes para dar substância a essa relação, tudo que é necessário fazer é juntar dinheiro e comprar uma passagem para a Síria, via Turquia, para aproveitar essa oportunidade única.
A "noiva" portuguesa
Essa foi a primeira vertente de “enganche” de “jihadistas” ocidentais, a maioria dos quais nada têm a ver com a cultura ou com a fé islâmicas, são majoritariamente pós-adolescentes recém “convertidos” que não requerem muita argumentação para embarcar nessa parada. Já estão predispostos a ela.
A última onda tem sido de mulheres. Na fé islâmica, como se sabe, elas não estão autorizadas a ter ideias ou iniciativas próprias, nem que for para morrer pelo Islã. Mas o problema foi resolvido com sites especialmente desenhados para arrumar “esposas” para os jihadistas ocidentais já residentes na Síria. Faz-se o casamento via internet e, então sim, elas também podem ir para a Siria, desde que devidamente vestidas com oniqab, aquela roupa preta que só deixa os olhos de fora.
Para essa “tranche” de europeus explorados pela geração de seus próprios pais, sem emprego nem perspectiva, a jihad parece ser um substituto da heroína, uma forma de suicídio lento que assola o Velho Continente ha décadas como um virus ebola renitente, ou do suicídio rápido que, cada vez mais, eles buscam por formas “criativas” que vão dos esportes ultra-radicais às aventuras temerárias que hoje estão na moda.
Para postar...
A adesão à jihad pela implantação de um “califado” modelo século 7 aproxima-se dessa categoria. É uma espécie de videogame real com a vantagem adicional de oferecer-lhes, pronto para consumo imediato, aquilo que mais lhes falta: um sentido para a vida, ou melhor, para a morte.
O ódio é, em geral, filho da injustiça ou da impotência para mudar a própria condição, nem que seja pelo merecimento. Na Europa do welfare state, essa mesma impotência pode, porém, assumir a forma de um tédio profundo já que, dentro do atual quadro de estagnação, que é função da exploração de uma geração pela geração anterior que não abre mão de seus “direitos adquiridos”, mesmo numa relativa abundância, se não se vai chegar jamais ao ápice, nunca, também, cai-se no buraco absoluto que cria e alimenta ódios porque o Estado está lá para amparar os tropeçados.
É esse previsível e insuperável nada que mata. E é aí que a internet entra para oferecer aos solitários, aos sem esperança, nem fé, nem vontade; aos depressivos reduzidos à solidão gregária do computador, uma alternativa para a droga pesada ou para outras formas mais rápidas de suicídio.
“Esta é a geração que copia e cola a sua própria identidade via Google”, diz Muhammad Hee, um intermediador muçulmano contratado pela prefeitura de Copenhaguen para operar um programa anti-radicalizão em bairros de imigrantes. “E está ficando ‘cool’ ser visto como um ativista”.
Para os verdadeiros jihadistas árabes vem a calhar.
Segundo especialistas, o grupo Estado Islâmico pode ter entre 7 e 10 mil combatentes. E até o momento ha entre 1500 e 2000 europeus e ocidentais em geral que aderiram a eles.
Mustafa Haid, fundador e diretor da Dawlaty, uma ONG de ativismo contra a violência na Síria, afirma que não são os sírios que estão transformando esses jihadistas ocidentais em radicais. “Eles já eram assim. É o contrário, esses caras estão na Síria cometendo atrocidades contra sírios. Um sujeito que se dispõe a abandonar tudo e ir lutar em outro país já tinha atingido um ponto de ultra radicalismo. As missões suicidas são uma estratégia essencial para avanços rápidos do EI e esses ativistas estrangeiros são preciosos para eles porque são frequentemente mais ardentes que os combatentes locais em seu desejo de morrer pela causa. Os estrangeiros chegam aqui inspirados. São os que mais desejam morrer”.
"Curtir"
O diagnóstico combina com o que é feito por estudiosos dinamarqueses, um dos países mais ricos e organizados da Europa. Em novembro passado, o primeiro dinamarques, Victor Kristensen, loiro e de olhos azuis, detonou seu cinturão de explosivos numa missão suicida no Iraque. Desde então mais tres dinamarqueses, estes com raizes arabes e paquistanesas mas nascidos e criados na Dinamarca, morreram em missões suicidas.
“Estou ansioso para me tornar um mártir também” confessava um quinto, com nome de guerra de Abu Tarek, baseado em Raqqa, na Síria, a uma jornalista de seu país. Tres dias antes dessa entrevista, a mesma jornalista tinha encontrado Mouin Abu Dahr, outro homem-bomba que tinha vivido na Suécia e na Dinamarca e que, aos 21 anos, se explodiu em frente à embaixada iraniana em Beirute matando 23 pessoas. “Era uma pessoa doce e gentil, muito querida em Aalborg, onde viveu. Ele tinha ficado noivo poucos meses antes de sua missão suicida”.
Ha pouca novidade em tudo isso, enfim, para além das facilidades que a rede mundial acrescenta para potencializar velhas doenças crônicas da nossa espécie.
O lado complicado dessa história está na convivência da democracia com essa nova realidade em que, de ilhas protegidas por fronteiras físicas elas se transformaram em pequenos segmentos de ordem numericamente quase insignificantes contíguos e permeáveis ao grande caos global.
A preocupação dos países que estão exportando “jihadistas” é que alguns deles podem voltar a seus países de origem – e estão mais ou menos livres para fazer isso dentro de Estados de Direito – e trazer para dentro deles, enormemente multiplicada, essa sua ânsia de mergulhar no nada arrastando multidões atrás de si.
Ocupando porções crescentes de território sírio e iraquiano, os serviços de inteligência ocidentais têm informações de que o EI se apoderou de universidades e cientistas que desenvolveram esse tipo de artefato, e de que se apoderaram também de depósitos de armas químicas do ditador Bashar Al Assad.
Assim, embora o alvo desse grupo seja essencialmente os próprios muçulmanos de outras denominações que estão no caminho do seu projeto de poder – porque é sempre disso que se trata como se verá no próximo artigo – o crescente e inevitável envolvimento ocidental na guerra para prevenir a dissolução completa de qualquer resquício de ordem na sensibilíssima região do Oriente Médio pode acabar resultando em ataques terroristas com o potencial de fazer do 9/11 coisa pouca.
Se parar o bicho come; se correr o bicho pega.
Quem viver verá.
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