terça-feira, 23 de setembro de 2014

NOSSAS MUDANÇAS PODEM IR MUITO ALÉM DO QUE SE IMAGINA


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Nossas mudanças podem ir muito além do que se imagina


Já reparou, estamos cercados de pessoas que se parecem com seus cachorros, gatos, passarinhos, roedores, hipopótamos, macacos e por aí vai.
Antigamente, pesquisadores como o filósofo, escritor e frade dominicano italiano Giordano Bruno foram acusados de heresia pela Inquisição romana no século 17 e condenados à fogueira.
Suas crenças incluíam a existência da metempsicose, nome complicado que designava a transferência da alma humana para animais, vivos ou mortos ou vegetais de qualquer ordem.
Aliás, você se sente de vez em quando como uma metamorfose ambulante, nuvem passageira, ameba órfã, promessa em trânsito, um suspiro itinerante, interrogações à solta na estrada do futuro, eu sim.
Não há também quem não se reconheça eventualmente na timidez recôndita de um caracol.
Solitário, lesma autista, eremita por formação, raramente expõe seus cornos ao sol. O medo de se aventurar é grande. Sair da concha, da caixa, abandonar providenciais conceitos e preconceitos forjados entre folhas secas.
Você é capaz de rejeitar a mesmice? A relação sem sal. O casamento tosco. Conversas decoradas desde sempre. Porque a rotina é dúbia e sedutora em suas manifestações.
Abraça tanto tédios e repulsas dirigidas ao cotidiano previsível. Como se oferece na figura, por exemplo, de uma rede relaxante, tão convidativa como as trançadas nos sorrisos do nordeste.
Quantas vezes você se recolheu ao silêncio, por pavor de encarar as garras da verdade, situações constrangedoras. Mentiu para o chefe, o amigo, marido, carregou amantes ou tesões enlouquecedores no bolso da jaqueta cúmplice ou na cama secreta de noites avulsas.
Quantas vezes se caracolizou, embutiu em intenções escusas, misturou-se a um vaso de plantas. Fingiu de morto, como um búzio ondeado praia adentro pelas espumas.
Permanecer escondido em nossa casa de origem é mais fácil, embora implique na demissão de qualquer excitação.
Uma questão se impõe: a possibilidade de alterar seu rumo na vida. Mudar de espécie, sair do conforto da inação e descobrir que ainda consegue se tornar, por exemplo, uma lagarta, encarando o sol nos olhos e as delícias dos ventos ao cair da tarde.
Não nos referimos a uma lagarta qualquer, porém. Somente às que ousam atravessar casulos , crisálidas, largar velhas cascas, anunciando eufóricas suas irisadas tonalidades e asas nos graciosos balés pela natureza.
Que passeios dará, por sinal, pelo vasto e desconhecido mundo, na pele de suaves borboletas? Aprenderá alguma dança com as brisas, namorará o pólen de flores assanhadas, não se deterá em pousos que o aprisionem ou asfixiem.
Quem sabe, ainda, provido de sua humana e inclemente boca, gritará nas pradarias:
“Não quero mais o país do jeito que está. A maldade. A fome, o medo, o abandono nem desamor!” Perceba: esta liberdade é toda sua. Presente generoso da borboleta que volteia e colore seus ideais.
Talvez, seguindo os ensinamentos do Giordano Bruno, citado no início do texto, você ainda decida depositar seus anseios e rebeldias nas orelhas de um cão de caça, as garras certeiras dos gaviões do deserto, os uivos melancólicos de uma matilha de lobos.
Os caracóis? Não se preocupe mais com eles. Deixe-os de fora desta briga.

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