segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Cartas de Londres: Um vício genuinamente inglês


“Jaffacólatras Anônimos. Se você acha que tem um problema, ligue em sigilo.” O aviso no pacote vem seguido de um número de telefone e dos horários de atendimento.
Eu já estava no meu sexto Jaffa Cake. A melhor comparação que me ocorre é que o Jaffa Cake é um como um pão de mel, mas de laranja. Redondo, tem três camadas: a base esponjosa como um bolo; a camada do meio é uma gelatina de laranja; e o revestimento na parte de cima, uma camada sólida de chocolate.
As embalagens tradicionais são tubos com 15 bolos. Há também as caixas com 12, 24 e 36 bolinhos. Entende-se que um Jaffa Cake apenas nunca é suficiente.
Há Jaffa Cakes de várias marcas, mas o original é produzido pela McVitie’s, uma das maiores fabricantes de biscoitos do Reino Unido. Jaffa Cakes estão no mercado desde 1927 e a McVitie’s produz 6,6 milhões deles por dia e vende mais de um bilhão deles por ano. E como quase nenhum é exportado, são quase 46 bolinhos por residência britânica ao ano.
Caso ainda não tenha ficado bastante claro, o Jaffa Cake é quase tão tipicamente britânico quanto chá e sanduíches de pepino cortados de maneira milimetricamente ordenada.
Descobri o Jaffa Cake depois que uma professora contou que quando foi ofendida no metrô, acabou sendo acalmada pela secretária do departamento à base de chá e do bolinho – quase como a nossa água com açúcar.
Em 2012, o artista Dominic Wilcox transformou o doce em obra de arte, recriando mordida a mordida monumentos e imagens emblemáticas do Reino Unido, como o Stonehenge e o perfil da rainha. Talvez o Jaffa Cake só perca em utilidades para o nosso Bombril.
Cada fã do doce tem sua técnica para comê-lo. Há quem prefira comer por partes, roendo as bordas até conseguir separar a base, depois o chocolate e por fim deixar a gelatina derreter na língua. Há os que, como eu, devoram tudo de uma vez. Conheci alguém que comia um Jaffa Cake por dia, em uma disciplina incrível de consumir um e guardar a caixa no fundo do armário para evitar tentações. Confesso que geralmente evito comprar para não acabar comendo demais e de uma vez só, tática essa que me pareceu coisa de viciado tentando evitar o vício.
Disquei o número. O que constitui um vício em Jaffa Cake, perguntei. A moça parou para pensar. Perguntou quantos eu consumia por dia. Uma caixa? Três a quatro? Nem isso? Muito simpática, contou de uma ligação na qual o rapaz dizia ser tão louco pelos bolinhos que deu o nome do filho de Jaffa. A maioria das ligações é de brincadeira, me disse, mas depois pensou bem: “Mas nunca se sabe, não é mesmo?”
Brincadeira ou não, prove por conta e risco. O aviso está dado: um Jaffa Cake leva a dois, que levam a três e antes que você perceba só vai lhe restar uma caixa vazia com um número de telefone para ligar de segunda a sexta entre nove da manhã e cinco da tarde. 
Jaffa  Cake  (Foto: Arquivo Google)Jaffa Cake (Imagem: Arquivo Google)

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