segunda-feira, 18 de agosto de 2014

POEMA DA NOITE Uma tentativa de retratá-la, por Carlito Azevedo


Num dancing é mais difícil
pela chuva ácida dos reflexos,
íris hipnótica e sentidos desfolhados
na viagem circular absoluta pela
pista. Mas o século 21 preservou
ainda as bibliotecas, sistema de
sistemas que nos permite pressupor
que em sua bolsa convivam,
como dois faunos se encarando,
Lancôme e La Celestina.
Mas bibliotecas são também
esforços infinitos, fluxos imparáveis,
luminescentes, olhos em
zig-zag, vibração de mãos
pousando em páginas antigas,
com mandíbulas de bolor, e
todos os relâmpagos que há nisso.
Um derradeiro "motivo" seria o da
Jovem Em Um Carro Veloz
Falando Ao Celular; clausura
móvel onde soletrar palavras de
amor e perder tudo, manipular
as intermitências do desejo (e
perder tudo), imolar violetas
retardatárias. O planeta também
imola seus retardatários. Entre
operários na calçada, no frio,
aguardando a sirene da mudança
de turno? Talvez, talvez. De
certo modo ela se parece cada
vez mais com o que escreveu
o seu poeta favorito:
"Piccolo, sempre piú piccolo.
Pigmeo, sempre piú pigmeo."
Por isso nem dancings, nem
bibliotecas nos bastam. Nem
a balada do automóvel insone.
Isso, e nem a cama alta onde
agora, contudo, sorri
esse shakespeariano animal
que logo existe. 

Carlos Eduardo Barbosa de Azevedo, ou Carlito Azevedo (Rio de Janeiro, 4 de julho de 1961) - Além de poeta, é crítico literário e editor da revista de poesia Inimigo Rumor. Com seu livro de estreia, Collapsus linguae, ganhou o Prêmio Jabuti. Publicou também As banhistas, Sob a noite física e a antologia Sublunar, que recebeu o Prêmio Alphonsus de Guimarães, da Biblioteca Nacional. Publicou recentemente Monodrama.

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