segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Cartas de Londres: Informações e causos, por Beatriz Portugal


A voz do condutor ressoou pelo vagão: “Senhoras e senhores, paramos temporariamente devido a uma falha de sinal. Peço, por favor, para que tenham paciência.”
De início, nada de surpreendente no anúncio feito no sistema de alto-falante do trem do metrô, tão utilizado para dar informações sobre atrasos e problemas no funcionamento das linhas, mas o toque pessoal que se seguiu arrancou risos dos passageiros.
“Quanto a mim, estou muito feliz que a minha mulher foi visitar o nosso filho na Austrália,” a voz confessou aos estranhos que ali se encontravam sentados e de pé. “Terei a casa inteira só para mim e vou poder fazer o que bem entender, como comer curry na sala – coisa proibida em 35 anos de casado.”
O bom ânimo do condutor britânico desarmou até o mais carrancudo dos viajantes, deixando aquela espera não-planejada para todos e inconveniente para alguns um pouco menos mal humorada.
Ao pensar nas outras vezes em que ouvi ou soube de condutores falarem coisas hilárias, contarem causos ou darem broncas percebi que muitas vezes o humor por aqui tem diferentes funções.
Às vezes é usado como uma forma de desabafo, fornecendo uma saída para frustrações que se acumulam. Paradoxalmente, ajuda a sustentar a própria situação por permitir que locutor e ouvinte tratem de momentos tidos como incômodos e ponham para fora tensões.
Como da vez em que, após informar que ficaríamos presos “por um tempo indeterminado” no túnel entre estações, o condutor disse no tom mais ingênuo possível: “Caso você tenha encontrado por acaso alguém que conhece mas que não é bem um amigo, você tem agora um número indefinido de minutos que certamente serão muito desconfortáveis para tentar manter uma conversa. Boa sorte.”
O senso de humor britânico é tido como único. Peculiar por ser refinado mas também ácido, um humor que ri de tudo, inclusive do próprio locutor. Muitas vezes é baseado na ironia e raramente depende da piada pronta. É um humor criativo e discreto mesmo quando é escancarado.
Claro que muitos dos comentários dos condutores são feitos para o efeito cômico da coisa, mas servem até para aliviar o tédio tanto de quem fala como de quem ouve a mesma coisa repetidas vezes ao dia.
Uma amiga contou que ouviu um condutor lembrar os passageiros de levarem seus pertences ao descerem do trem “a não ser que se esteja levando um coelhinho de pelúcia cinza que precisa de um remendo na orelha direita. Nesse caso, bata aqui na porta, pois é o brinquedo favorito da minha filha e a hora de dormir está uma tragédia desde que o dito cujo sumiu.”
Com suas eventuais pérolas, os condutores dão um toque humano à experiência do metrô londrino. Podem ser coisas singelas ou não que, se não salvam o dia, ao menos fazem com que os minutos extras passados debaixo da terra sejam mais agradáveis e memoráveis. 

Estação Baker Street com o desenho de perfil do famoso detetive Sherlock Holmes 

Beatriz Portugal é jornalista. Depois de viver em Brasília, São Paulo e Washington, fez um mestrado em literatura na Universidade de Londres e resolveu ficar

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