A Arena Joinville foi palco, no último domingo, de mais um episódio de violência envolvendo torcedores – neste caso, do Atlético Paranaense e do Vasco da Gama. Em entrevista, Udo Dohler afirmou que impedirá o empréstimo da Arena para novos jogos do time curitibano, que só neste ano perdeu duas vezes o mando de campo por conta de ocorrências envolvendo a violência dos torcedores. Agiu certo o prefeito. O problema, no entanto, é maior e mais complexo, acredito. E é preciso observá-lo sob outras perspectivas.
Soube ontem que o Ministério Público catarinense entrou no início de dezembro com pedido de interdição do estádio, alegando que a estrutura do lugar é precária para receber eventos esportivos. Não me surpreende: esta não é a única “grande obra” joinvilense entregue às pressas e precariamente concluída, e a decisão do MP apenas torna público o que é já do conhecimento comum da maioria da população local. Há ainda a imagem do país no exterior, bastante comprometida com o ocorrido, e a menos de um ano da Copa do Mundo. Depois de domingo, a Fifa afirmou que durante o mundial tais cenas não se repetirão, pois o “padrão Fifa de segurança” é diferente do Brasileirão. Pode ser verdade, mas o estrago está feito e dificilmente a imagem do país e de seus torcedores será integralmente reabilitada.
Mas isto não me parece, ainda, o pior. Desde os anos de 1980, quando a violência entre torcidas aumentou significativamente, 234 mortes entre torcedores já foram registradas, segundo o El País. Só neste ano, 30 pessoas morreram em conflitos nos estádios de futebol. Na briga de domingo felizmente não houve mortos, mas dos quatro torcedores feridos um segue internado em Joinville. Outros seis foram e continuam detidos. Há algo realmente preocupante na relação entre torcedores e seus times quando ela justifica o recurso à violência extrema. As explicações usuais normalmente apelam às razões econômicas ou se esforçam em “psicologizar” e naturalizar a questão. Nenhuma delas, a meu ver, oferece respostas satisfatórias.
A BANALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA – Há algo de performático na violência que parece fazer sentido aqueles que a praticam, como se a agressão ao outro reforçasse os laços de pertencimento à pequena comunidade das torcidas organizadas. Neste aspecto, ela é parte constitutiva da identidade do grupo – ou de parte dele – e independe da condição social eeconômica (um dos agressores identificados é ex-vereador em Curitiba e ocupava cargo de primeiro escalão no governo estadual); nem tampouco se mede por critérios que se pretendam “naturais” ou “psicológicos” (a maioria dos torcedores não é violenta fora do grupo e em outros contextos que não os que envolvem o futebol).
De maneira muito peculiar e caótica, a violência é também uma forma de confrontar as autoridades instituídas – administradores públicos, justiça, polícia, “cartolas”. Talvez o melhor exemplo disso seja o descolamento entre os discursos dos dirigentes das torcidas organizadas e as práticas de muitos torcedores. Enquanto os primeiros negam e condenam a violência, inclusive colaborando com a investigação policial, os segundos seguem praticando-a, indiferentes ao que dizem e fazem seus supostos representantes.
Além disso, os acontecimentos nos estádios acompanham um processo de banalização cotidiana da violência, que não é apenas física: há violência no desaparecimento de Amarildo; no autoritarismo policial; nos “governos paralelos” instituídos pelo crime organizado dentro e fora das cadeias, principalmente nas periferias das grandes cidades; etc... Mas há igualmente violência quando um humorista agride uma internauta e conclama seus seguidores a fazer o mesmo, indiferente seja à assimetria entre sua posição e influência midiáticas e a de sua interlocutora, seja ao conteúdo da crítica que lhe foi dirigida e sua resposta, que está muitos níveis abaixo do que pode ser classificado como grosseria.
São óbvias as razões que levam a maioria de nós a acusar a gravidade do que ocorreu domingo, na Arena Joinville, em relação a episódios considerados mais “comezinhos”. Mas eles estão ligados, entre outras coisas, pela crescente e perigosa insensibilidade que estamos a desenvolver para com muitas formas de violência que não a criminosa – e mesmo em relação a essa tendemos a achar que a solução está simplesmente no aumento da força policial e na ampliação do número de vagas nas penitenciárias. Não estou homogeneizando a violência. Mas afirmando que nossa atenção demasiada e isolada a algumas de suas manifestações, que caminha na direção inversa à crescente indiferença para com outras, não produz soluções. Antes, agrava o problema e nos torna a todos responsáveis.
Mas isto não me parece, ainda, o pior. Desde os anos de 1980, quando a violência entre torcidas aumentou significativamente, 234 mortes entre torcedores já foram registradas, segundo o El País. Só neste ano, 30 pessoas morreram em conflitos nos estádios de futebol. Na briga de domingo felizmente não houve mortos, mas dos quatro torcedores feridos um segue internado em Joinville. Outros seis foram e continuam detidos. Há algo realmente preocupante na relação entre torcedores e seus times quando ela justifica o recurso à violência extrema. As explicações usuais normalmente apelam às razões econômicas ou se esforçam em “psicologizar” e naturalizar a questão. Nenhuma delas, a meu ver, oferece respostas satisfatórias.
A BANALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA – Há algo de performático na violência que parece fazer sentido aqueles que a praticam, como se a agressão ao outro reforçasse os laços de pertencimento à pequena comunidade das torcidas organizadas. Neste aspecto, ela é parte constitutiva da identidade do grupo – ou de parte dele – e independe da condição social eeconômica (um dos agressores identificados é ex-vereador em Curitiba e ocupava cargo de primeiro escalão no governo estadual); nem tampouco se mede por critérios que se pretendam “naturais” ou “psicológicos” (a maioria dos torcedores não é violenta fora do grupo e em outros contextos que não os que envolvem o futebol).
De maneira muito peculiar e caótica, a violência é também uma forma de confrontar as autoridades instituídas – administradores públicos, justiça, polícia, “cartolas”. Talvez o melhor exemplo disso seja o descolamento entre os discursos dos dirigentes das torcidas organizadas e as práticas de muitos torcedores. Enquanto os primeiros negam e condenam a violência, inclusive colaborando com a investigação policial, os segundos seguem praticando-a, indiferentes ao que dizem e fazem seus supostos representantes.
Além disso, os acontecimentos nos estádios acompanham um processo de banalização cotidiana da violência, que não é apenas física: há violência no desaparecimento de Amarildo; no autoritarismo policial; nos “governos paralelos” instituídos pelo crime organizado dentro e fora das cadeias, principalmente nas periferias das grandes cidades; etc... Mas há igualmente violência quando um humorista agride uma internauta e conclama seus seguidores a fazer o mesmo, indiferente seja à assimetria entre sua posição e influência midiáticas e a de sua interlocutora, seja ao conteúdo da crítica que lhe foi dirigida e sua resposta, que está muitos níveis abaixo do que pode ser classificado como grosseria.
São óbvias as razões que levam a maioria de nós a acusar a gravidade do que ocorreu domingo, na Arena Joinville, em relação a episódios considerados mais “comezinhos”. Mas eles estão ligados, entre outras coisas, pela crescente e perigosa insensibilidade que estamos a desenvolver para com muitas formas de violência que não a criminosa – e mesmo em relação a essa tendemos a achar que a solução está simplesmente no aumento da força policial e na ampliação do número de vagas nas penitenciárias. Não estou homogeneizando a violência. Mas afirmando que nossa atenção demasiada e isolada a algumas de suas manifestações, que caminha na direção inversa à crescente indiferença para com outras, não produz soluções. Antes, agrava o problema e nos torna a todos responsáveis.
São óbvias as razões que levam a maioria de nós a acusar a gravidade do que ocorreu domingo, na Arena Joinville, em relação a episódios considerados mais “comezinhos”. Mas eles estão ligados, entre outras coisas, pela crescente e perigosa insensibilidade que estamos a desenvolver para com muitas formas de violência que não a criminosa – e mesmo em relação a essa tendemos a achar que a solução está simplesmente no aumento da força policial e na ampliação do número de vagas nas penitenciárias. Não estou homogeneizando a violência. Mas afirmando que nossa atenção demasiada e isolada a algumas de suas manifestações, que caminha na direção inversa à crescente indiferença para com outras, não produz soluções. Antes, agrava o problema e nos torna a todos responsáveis.
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