Para garantir uma obviedade — a de que uma obra pública só deve ser inaugurada depois de pronta —, municípios agora editam leis que barram o corte de fita com prédio vazio
Projeto do Jardim Botânico de Londrina: após 15 anos, ainda é uma promessa
São Paulo - O Jardim Botânico de Londrina, no Paraná, foi idealizado há 15 anos. Sua construção começou cinco anos atrás, já tendo no horizonte que a conclusão ocorreria em 2010. Era para ser um monumento ao bem-estar da população da rica cidade do norte paranaense: o projeto original previa jardins temáticos, viveiros de espécies nativas, trilhas para pedestres, anfiteatro e até uma fonte com águas dançantes.
Em março de 2010, exatamente como previsto, o Jardim Botânico foi inaugurado. Mas sem anfiteatro e sem viveiro, porque aí seria pedir demais. Apenas um banheiro estava em funcionamento no dia da abertura — e em condições precárias. Poucas semanas depois, o Jardim Botânico de Londrina foi fechado ao público por motivos óbvios: não estava pronto e, portanto, não oferecia segurança aos visitantes.
Três anos e 25 milhões de reais depois, o parque segue incompleto e fechado. Isso não impediu que tenha sido inaugurado duas vezes — e a terceira está prevista para dezembro. Londrina ainda não ganhou seu Jardim Botânico, mas garantiu mais um lugar na populosa lista de males nacionais: a das inaugurações de obras inacabadas.
Deveria ser óbvio — obra pública só pode ser inaugurada depois de pronta. Mas, no Brasil, até as obviedades parecem exigir lei própria. A julgar por um movimento recente: nos últimos meses, pelo menos uma dezena de municípios de todo o país já editou ou está discutindo a promulgação de leis que proíbem o corte de fita inaugural diante de um prédio vazio.
Londrina é uma das mais recentes a adotar a regra. A Câmara de Vereadores da cidade aprovou sua lei anti-inauguração precoce no fim de agosto. Lá, a gota d’água nem foi o Jardim Botânico, mas a Unidade de Pronto Atendimento do Sistema Único de Saúde do Jardim Sabará, bairro na zona oeste da cidade.
A obra foi entregue em junho de 2012 com parede, teto, piso — e mais nada. A construção estava pronta, mas faltava todo o resto, de equipamentos a mão de obra, que ainda não tinha sequer sido selecionada para trabalhar ali. O posto só entrou em operação um ano depois. “Tive de passar pelo constrangimento de entregar o que já tinha sido entregue”, diz Alexandre Kireeff, prefeito de Londrina desde janeiro.
Em Birigui, no interior paulista, a lei contra a inauguração de obra incompleta foi aprovada há quatro meses. Lá, uma das pendências é um restaurante popular que recebeu 1,5 milhão de reais em investimentos, foi entregue em 2012, mas segue sem funcionar. “Não faltou rojão na inauguração. O que falta é terminar”, diz José Roberto Garcia, vereador (PSD) que propôs a nova lei.
Uma inauguração de obra inacabada está sempre ligada a alguma irregularidade no andamento do projeto. Em 2012, o Tribunal de Contas da União fiscalizou 200 grandes obras federais. Desse universo, apenas nove passaram sem ressalvas.
Nada menos que 124 das 200 obras foram flagradas com irregularidades consideradas graves. Do amplo conjunto de anomalias nos projetos, sobrepreço ou superfaturamento são as mais comuns.
Para tentar evitar problemas desse gênero, o governo federal tem fatiado as grandes obras públicas em diferentes lotes — faz mais de uma licitação para um mesmo projeto. Desse modo, várias empreiteiras podem trabalhar na obra ao mesmo tempo, o que, em tese, tende a acelerar a execução. Mas a boa ideia veio acompanhada de uma péssima.
Como cada trecho é uma obra separada, os políticos inauguram os trechos individualmente — ainda que, no todo, o projeto siga incompleto. É o caso da Ferrovia Norte-Sul.
Iniciada no governo Sarney, ela terá 3 700 quilômetros entre Açailândia, no Maranhão, e Estrela d’Oeste, em São Paulo. A ferrovia foi aproveitada para oito inaugurações ao longo dos últimos 17 anos. Mas, até hoje, nenhum trem percorreu a Norte-Sul, de fato, de norte a sul.
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