sexta-feira, 10 de agosto de 2012

O ministro da Justiça resolveu acabar com a vadiagem para preservar a tribo dos vadios


Augusto Nunes

Assim que o Senado endossar a decisão da Câmara dos Deputados, que aprovou nesta quarta-feira o projeto de lei concebido pelo deputado José Eduardo Cardozo, o agora ministro da Justiça poderá gabar-se de ter acabado com a vadiagem para garantir a preservação dos vadios. Não é pouca coisa, mas a fórmula nada tem de complexa. O projeto limita-se a suprimir da Lei das Contravenções Penais o artigo que desde 1941 permite castigar com até três meses de cadeia os integrantes da tribo dos macunaímas.

Graças a Cardozo, portanto, “entregar-se habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover a própria subsistência mediante ocupação ilícita” deixará de ser contravenção para virar direito exercido sem sobressaltos por quem sofre de aversão ao trabalho. No país dos feriadões, convém ressalvar, é mais fácil encontrar um entrevistado pelo Sensus do que alguém engaiolado por vagabundagem. Mas não custa prevenir-se contra juízes exageradamente rigorosos, reiterou o ministro da Justiça que sempre preferiu  legalizar ilegalidades em vez de combatê-las.
Em 2007, por exemplo, foi ele quem induziu o Conselho de Ética da Câmara a adotar a “doutrina Cardozo”, segundo a qual nenhum parlamentar pode ser julgado por delinquências cometidas antes da posse. A invenção do crime com prazo de validade impediu que mensaleiros eleitos em 2006 fossem punidos pelas patifarias descobertas em 2005. Mais recentemente, a filha de Joaquim Roriz livrou-se da cassação ao alegar, baseada na tese parida pelo ministro, que a deputada federal Jaqueline Roriz não poderia ser castigada pelas cenas de ladroagem explícita protagonizadas pela deputada estadual Jaqueline Roriz.
Em 2009, o futuro ministro voltou a socorrer os quadrilheiros do mensalão com o projeto que liberou os donos de agências de publicidade contratadas pelo governo para usar como quisessem o chamado bônus de volume. Apoiada nessa esperteza, a ministra Ana Arraes convenceu o Tribunal de Contas da União a chancelar o parecer que transforma em negócios de rotina as negociatas forjadas por Marcos Valério em parceria com Henrique Pizzolato, diretor do Banco do Brasil. A decisão, providencialmente suspensa por um colega da mãe de Eduardo Campos, confirmou que as ideias de Cardozo nunca nascem por acaso.
“É preciso reparar uma das grandes injustiças que ainda se perpetram no nosso ordenamento jurídico”, caprichou Cardozo nas justificativas do  projeto que extingue a vadiagem para preservar os vadios. “Não é possível conviver mais um único dia com determinações legais dessa natureza, contemporâneas do ordenamento jurídico medieval”. O palavrório não deixa claro quem vai sair ganhando com a legalização de mais uma ilegalidade. E o ministro jura que não se inspirou em gente conhecida ao conceber o projeto que legaliza a vadiagem.
É possível que sim. De todo modo, alguns beneficiários já foram claramente identificados. Cardozo certamente sabe que deputados e senadores, por exemplo, vão ganhar mais um argumento para enfrentar os inconformados com a semana de três dias. Sabe que o ministro do Trabalho se dispensará de explicar por que trabalha só de vez em quando. E sabe, sobretudo, que a Lei das Contravenções Penais não poderá mais ser invocada por adversários do chefe sem emprego fixo desde 1978

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