Enviado por Pedro Lago -
1.6.2012
| 23h30m
POEMA DA NOITE
entro numa farmácia
tenho 30 anos
entro para pedir um remédio
para calvície
não que seja calvo
mas um certo medo precoce
da idade
uma vaidade que a invenção
do espelho
nos impôs
tenho 30 anos
entro para pedir um remédio
para calvície
não que seja calvo
mas um certo medo precoce
da idade
uma vaidade que a invenção
do espelho
nos impôs
não é culpa do espelho
antes todo mundo queria ser velho
logo
hoje todo mundo quer ser jovem
sempre
antes todo mundo queria ser velho
logo
hoje todo mundo quer ser jovem
sempre
o fato é que peço o remédio
para calvície
o atendente é mais novo que eu
e careca
durante alguns segundo me olha
descrente
pega o remédio
pergunta se eu tenho o cartão de desconto
segue o protocolo
e me entrega o remédio
descrente
para calvície
o atendente é mais novo que eu
e careca
durante alguns segundo me olha
descrente
pega o remédio
pergunta se eu tenho o cartão de desconto
segue o protocolo
e me entrega o remédio
descrente
vou andando pela rua
de uma terra inventada
de uma terra sonhada
e olho o mundo que passa
de carro
bicicletas
skate
patins
para que tanta roda meu Deus?
o mundo passa
descrente
o meu remédio para calvície
sacoleja líquido na bolsa plástica
pedi para o atendente
não me entregar a bolsa
plástica
mas ele seguiu o protocolo
descrente
de uma terra inventada
de uma terra sonhada
e olho o mundo que passa
de carro
bicicletas
skate
patins
para que tanta roda meu Deus?
o mundo passa
descrente
o meu remédio para calvície
sacoleja líquido na bolsa plástica
pedi para o atendente
não me entregar a bolsa
plástica
mas ele seguiu o protocolo
descrente
olho a bolsa plástica
e penso no continente de plástico
que bóia hoje no meio do pacífico
deserto de polímeros
lembro dos pássaros
encontrados mortos
com bolsas plásticas
no estômago
sempre me sinto um assassino
de pássaros
quando carrego uma bolsa
plástica
matador de passarinho
sigo andando
e lembrando
que não é de hoje
que me sinto assim
assassino
no primário uma professora
me olhou fundo nos olhos
com olhos lacrimosos
por uma vírgula
comida
ela contou que na segunda guerra mundial
um batalhão avançado perguntou
se deviam matar prisioneiros de guerra
NÃO TENHAM PIEDADE!
foi a resposta
mataram todos
e penso no continente de plástico
que bóia hoje no meio do pacífico
deserto de polímeros
lembro dos pássaros
encontrados mortos
com bolsas plásticas
no estômago
sempre me sinto um assassino
de pássaros
quando carrego uma bolsa
plástica
matador de passarinho
sigo andando
e lembrando
que não é de hoje
que me sinto assim
assassino
no primário uma professora
me olhou fundo nos olhos
com olhos lacrimosos
por uma vírgula
comida
ela contou que na segunda guerra mundial
um batalhão avançado perguntou
se deviam matar prisioneiros de guerra
NÃO TENHAM PIEDADE!
foi a resposta
mataram todos
mas faltou a vírgula
não, (vírgula)
tenham piedade.
Não era para matar ninguém
Sempre que erro uma vírgula
me sinto um assassino
um criminoso
de guerra
as vírgulas
balas perdidas
assassinando as frases
não, (vírgula)
tenham piedade.
Não era para matar ninguém
Sempre que erro uma vírgula
me sinto um assassino
um criminoso
de guerra
as vírgulas
balas perdidas
assassinando as frases
e um carro freia forte
assovia borracha no asfalto
buzina
me xinga
eu no meio da rua
distraído pelo plástico
pela vírgula
assovia borracha no asfalto
buzina
me xinga
eu no meio da rua
distraído pelo plástico
pela vírgula
meu primo sempre diz
que eu não tenho medo
dos carros
para mim parecem mesmo
burrinhos pacatos
ruminando pixe
mas não são
alguns não freiam
outros comem pixe
ou melhor
petróleo
e os pássaros
com plástico no estômago
cobertos de petróleo
num acidente
ecológico
e os peixes tentando respirar
na superfície pastosa
deserto de pixes
andar de carro
é ser um assassino
de peixes
que eu não tenho medo
dos carros
para mim parecem mesmo
burrinhos pacatos
ruminando pixe
mas não são
alguns não freiam
outros comem pixe
ou melhor
petróleo
e os pássaros
com plástico no estômago
cobertos de petróleo
num acidente
ecológico
e os peixes tentando respirar
na superfície pastosa
deserto de pixes
andar de carro
é ser um assassino
de peixes
tenho 30 anos
me chamo Domingos
sou um dia inútil da semana
caminhando pela utilidade
dos dias
as inutilezas que salvarão o mundo
a preguiça de um domingo
que salvará o mundo
me chamo Domingos
sou um dia inútil da semana
caminhando pela utilidade
dos dias
as inutilezas que salvarão o mundo
a preguiça de um domingo
que salvará o mundo
sou Domingos
me chamam Dodô
sou uma ave extinta
de uma terra inventada
uma terra sonhada
num domingo de sol
quando Deus cochilou
inventaram o Brasil.
me chamam Dodô
sou uma ave extinta
de uma terra inventada
uma terra sonhada
num domingo de sol
quando Deus cochilou
inventaram o Brasil.
Domingos Guimaraens nasceu no Rio de Janeiro em 1979 - É poeta e artista plástico. Pertence ao coletivo poético Os Sete Novos, ao lado de Augusto de Guimaraens Cavalcanti e Mariano Marovatto e, juntos, publicaram o livro Amoramérica. Domingos ajudou na organização do CEP 20000 (Centro de Experimentação Poética) por alguns anos. Como artista plástico, pertence ao grupo Opavivará.
Nenhum comentário:
Postar um comentário