sexta-feira, 1 de junho de 2012

Lindo Poema - Um épico - Domingos Guimarãens


Enviado por Pedro Lago - 
1.6.2012
 | 23h30m
POEMA DA NOITE


entro numa farmácia 
tenho 30 anos 
entro para pedir um remédio 
para calvície 
não que seja calvo 
mas um certo medo precoce 
da idade 
uma vaidade que a invenção 
do espelho 
nos impôs
não é culpa do espelho 
antes todo mundo queria ser velho 
logo 
hoje todo mundo quer ser jovem 
sempre
o fato é que peço o remédio 
para calvície 
o atendente é mais novo que eu 
e careca 
durante alguns segundo me olha 
descrente 
pega o remédio 
pergunta se eu tenho o cartão de desconto 
segue o protocolo 
e me entrega o remédio 
descrente
vou andando pela rua 
de uma terra inventada 
de uma terra sonhada 
e olho o mundo que passa 
de carro 
bicicletas 
skate 
patins 
para que tanta roda meu Deus? 
o mundo passa 
descrente 
o meu remédio para calvície 
sacoleja líquido na bolsa plástica 
pedi para o atendente 
não me entregar a bolsa 
plástica 
mas ele seguiu o protocolo 
descrente
olho a bolsa plástica 
e penso no continente de plástico 
que bóia hoje no meio do pacífico 
deserto de polímeros 
lembro dos pássaros 
encontrados mortos 
com bolsas plásticas 
no estômago 
sempre me sinto um assassino 
de pássaros 
quando carrego uma bolsa 
plástica 
matador de passarinho 
sigo andando 
e lembrando 
que não é de hoje 
que me sinto assim 
assassino 
no primário uma professora 
me olhou fundo nos olhos 
com olhos lacrimosos 
por uma vírgula 
comida 
ela contou que na segunda guerra mundial 
um batalhão avançado perguntou 
se deviam matar prisioneiros de guerra 
NÃO TENHAM PIEDADE! 
foi a resposta 
mataram todos
mas faltou a vírgula 
não, (vírgula) 
tenham piedade. 
Não era para matar ninguém 
Sempre que erro uma vírgula 
me sinto um assassino 
um criminoso 
de guerra 
as vírgulas 
balas perdidas 
assassinando as frases
e um carro freia forte 
assovia borracha no asfalto 
buzina 
me xinga 
eu no meio da rua 
distraído pelo plástico 
pela vírgula
meu primo sempre diz 
que eu não tenho medo 
dos carros 
para mim parecem mesmo 
burrinhos pacatos 
ruminando pixe 
mas não são 
alguns não freiam 
outros comem pixe 
ou melhor 
petróleo 
e os pássaros 
com plástico no estômago 
cobertos de petróleo 
num acidente 
ecológico 
e os peixes tentando respirar 
na superfície pastosa 
deserto de pixes 
andar de carro 
é ser um assassino 
de peixes
tenho 30 anos 
me chamo Domingos 
sou um dia inútil da semana 
caminhando pela utilidade 
dos dias 
as inutilezas que salvarão o mundo 
a preguiça de um domingo 
que salvará o mundo
sou Domingos 
me chamam Dodô 
sou uma ave extinta 
de uma terra inventada 
uma terra sonhada 
num domingo de sol 
quando Deus cochilou 
inventaram o Brasil.

Domingos Guimaraens nasceu no Rio de Janeiro em 1979 - É poeta e artista plástico. Pertence ao coletivo poético Os Sete Novos, ao lado de Augusto de Guimaraens Cavalcanti e Mariano Marovatto e, juntos, publicaram o livro Amoramérica. Domingos ajudou na organização do CEP 20000 (Centro de Experimentação Poética) por alguns anos. Como artista plástico, pertence ao grupo Opavivará.

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