quarta-feira, 9 de maio de 2012

Falta racionalidade na questão dos juros (Editorial)


Enviado por Ricardo Noblat - 
9.5.2012
 | 16h08m
POLÍTICA


O Globo
Uma questão de fundo técnico, a formação das taxas de juros no mercado, resvala para um embate político entre governo e bancos, inclusive com arroubos mais adequados a palanques eleitorais.
Não se tinha notícia, antes do último Primeiro de Maio, de o tema frequentar discurso presidencial no Dia do Trabalhador. Pois aconteceu, com a presidente Dilma, em cadeia nacional, acusando a “lógica perversa” do sistema financeiro nacional, por não acompanhar em seus guichês a proporção da queda da taxa de juros básica (Selic).
O problema existe e se deve aos elevados spreads praticados pelos bancos no Brasil — a diferença entre quanto a instituição financeira remunera o investidor ao captar dinheiro e os juros cobrados, na outra ponta, ao tomador de empréstimo.
A distorção gera desalinhamentos escandalosos: enquanto a inflação anual é menos de 6% e a Selic se encontra em 9%, há modalidades de crédito que subtraem do orçamento do credor mais de 10% ao mês — se ele estiver financiando compras pelo cartão de crédito, por exemplo.
Convertida a questão dos juros em algo como uma cruzada — o que não é mau, a depender das armas utilizadas —, o governo acionou os dois grandes bancos estatais com atuação no varejo, BB e Caixa, para cortar spreads e jogar taxas para baixo. Bom estímulo à competição, embora a tal portabilidade entre bancos seja pouco usada pela clientela.
Está no campo de ação da presidente mandar os bancos oficiais reduzir custos de crédito. Mas, se isso gerar prejuízos às instituições oficiais, a conta deverá ser paga, em algum momento, pelo contribuinte, por meio de aportes de capital do Tesouro ao BB e à CEF. Isso já ocorre na injeção de recursos no BNDES pela perigosa via da ampliação do endividamento público.
Os bancos alegam, com razão, haver obstáculos concretos para a aceleração da queda das taxas efetivas. É preciso compensar a inadimplência, por exemplo. A presidente diz, também com razão, que o Brasil precisa ter juros nos níveis internacionais.
Mas, ao contrário do mundo exterior, só no Brasil existe a exigência de os bancos manterem volumosos depósitos no BC e uma carga tributária pesada sobre transações financeiras.
Há, ainda, no sistema financeiro uma grande parcela de crédito subsidiado — BNDES, agrícola etc. —, que não só reduz a eficácia da política monetária (juros) como trava a oferta, em mais um fator de manutenção de taxas elevadas no mercado.
O assunto é complexo e não poderá ser resolvido “no grito”. Não são boas as relações entre o governo e os bancos, representados pela Febraban. Mas a troca de frases cáusticas de lado a lado nada produz de objetivo.
Ganhariam todos se medidas concretas fossem tomadas para eliminar os obstáculos à queda dos spreads e houvesse ações para estimular a concorrência no setor bancário, atividade muito concentrada (80% do mercado estão com dez grupos).
O Planalto pode aumentar ainda mais a popularidade numa “guerra” contra os bancos auxiliado por marqueteiros. Mas será inócuo. Apenas repetirá o equívoco observado em certos países latino-americanos em que assuntos intrincados são tratados em meio a jargões inflamados em praça pública.

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