Por Alice Rawsthron em 17/04/2012 na edição 690
Turing’s Cathedral: The Origins of the Digital Universe, de George Dyson, 432 pp., Pantheon Books; reproduzido do suplemento “Link” do Estado de S.Paulo, 16/4/2012
Um dos muitos mitos sobre a Apple reza que o nome da empresa é uma referência à maçã comida pela metade que teria sido encontrada ao lado do corpo do cientista da computação britânico Alan Turing depois de ele se suicidar, em 1954, poucas semanas antes de fazer 42 anos.
Turing, que completaria 100 anos de idade no dia 23 de junho deste ano, fora condenado por “ato obsceno” com outro homem e forçado a se submeter a um tratamento hormonal. A causa precisa de sua morte é desconhecida, mas acredita-se que ele tenha se envenenado colocando cianureto na fruta.
Por mais duradouro que seja o mito da Apple, ele provavelmente não é verdadeiro. O nome foi escolhido logo depois que Steve Jobs, cofundador da empresa, passou um fim de semana podando macieiras num pomar orgânico e porque, segundo suas próprias palavras, “era divertido, espirituoso e não intimidava demais; além disso, ficaríamos antes da Atari na lista telefônica”. O primeiro logotipo corporativo da Apple retratava Isaac Newton, cientista britânico do século 17, criando a teoria da gravidade depois de observar uma maçã cair da macieira, não a trágica morte de Turing.
Contudo, Turing, a quem o governo britânico fez um pedido formal de desculpas em 2009, teve uma influência substancial na Apple por meio de seus produtos. Quase todo computador produzido pela Apple e seus rivais foi baseado numa máquina construída na Universidade de Princeton no final dos anos 40 e começo dos 50, inspirada nas ideias descritas por Turing num estudo de 1936, “On Computable Numbers” (Sobre Números Computáveis). Nesse texto, Turing descrevia uma máquina que poderia realizar incontáveis tipos de tarefas trocando-se seu software, não o hardware.
A história de sua influência no projeto de Princeton é contada por George Dyson, norte-americano historiador da tecnologia, no livro Turing’s Cathedral: The Origins of the Digital Universe (A Catedral de Turing: As Origens do Universo Digital, em tradução livre; ainda sem previsão de publicação no Brasil).
Livro cativante, embora com trechos enigmáticos, ele descreve como uma equipe de jovens matemáticos e engenheiros capitaneados por John von Neumann, do Instituto de Estudos Avançados de Princeton, aplicou as ideias de Turing para desenvolver não o primeiro computador eletrônico, mas a máquina mais veloz de sua época e uma das primeiras com o tipo de memória de acesso aleatório (RAM) que usamos até hoje.
Dyson é particularmente bem preparado para contar esta história, pois cresceu em Princeton depois que o pai, o físico Freeman Dyson, entrou para o instituto em 1953, mesmo ano em que o “computador de programa armazenado” de von Neumann foi concluído. Ele traça um retrato vívido da vida no campus: desde o classicista esnobe que reclamava do “desânimo” ao saber que “um grupo de especialistas em eletrônica” chegara ao instituto, até o costume de servir chá em xícaras de porcelana todos os dias às 15 horas.
Turing’s Cathedral é um livro sobre inovação científica, não design. Porém, como um dos papéis mais importantes do design sempre foi traduzir tais progressos em coisas que pudessem ser úteis ou agradáveis para o resto de nós, revoluções científicas como essa são intrínsecas à história do design. E poucos feitos científicos tiveram um impacto tão dramático quanto a invenção do computador com programa armazenado, cuja influência dominou o desenho industrial por mais de meio século.
Nascido em Budapeste numa família judia abastada, von Neumann fez fama como jovem matemático promissor na Hungria antes de ser recrutado por Princeton em 1930. Urbano e gregário, ele logo se tornou uma figura influente dentro da universidade e começou um papel duradouro como consultor da IBM.
Durante a 2ª Guerra Mundial, von Neumann foi consultor sênior do exército norte-americano, que investia pesadamente para acelerar o desenvolvimento de computadores eletrônicos como parte do esforço de guerra.
Bomba H virtual
Quando o conflito terminou, von Neumann ocupava a melhor posição para convencer o governo norte-americano de que a verba destinada a construir um computador, que poderia realizar testes teóricos da bomba de hidrogênio, deveria ser concedida a ele em Princeton.
Turing, que tinha conhecido e impressionado von Neumann quando ele estudara nos Estados Unidos em meados dos anos 30, se envolveu em uma pesquisa semelhante na Grã-Bretanha. Durante a guerra, ele trabalhou no centro para decifração de códigos de Bletchley Park. Depois participou do desenvolvimento de uma máquina de programa armazenado no Laboratório Nacional de Física, em Teddington, antes de entrar na Universidade de Manchester, em 1948, e contribuir para projetos similares. Brilhante como teórico, Turing não tinha o pragmatismo e a astúcia política que se mostraram indispensáveis a von Neumann.
Um aspecto crítico do sucesso de von Neumann foi a decisão de montar uma equipe com mais matemáticos do que engenheiros, invertendo a visão convencional na esperança de criar uma cultura que incentivasse ideias originais e audaciosas. Ele teve a sorte de poder escolher colegas entre os exilados talentosos que haviam fugido para os EUA da Europa devastada pela guerra.
Dyson descreve como o casal Ulan comia em lanchonetes baratas ao chegar, pois eram “pobres demais” para pagar os restaurantes norte-americanos, mas que tinham sido “ricos demais na Polônia para aprender a cozinhar”.
Outro golpe de sorte foi acelerar o processo de desenvolvimento usando componentes existentes, como as válvulas produzidas em massa, em vez de desenvolvê-los da estaca zero como as equipes rivais. A IBM adotou uma abordagem similar em 1980 quando completou o design do bem-sucedido 5150 Personal Computer em questão de um ano, empregando peças produzidas por outras empresas.
Cosmopolita, a paixão de von Neumann era a pesquisa, não o comércio, e o desenvolvimento do computador ocorreu da mesma forma. O trabalho da equipe foi totalmente documentado e publicado na sequência, para dividir os resultados com os colegas matemáticos, cientistas e engenheiros, como os projetos de design de código aberto fazem hoje em dia. Ele e seus colegas também decidiram não patentear a máquina, para garantir que as ideias tivessem a aplicação mais ampla possível.
Boa decisão
Quando von Neumann deixou Princeton em 1954 para se juntar à Comissão de Energia Atômica, seus críticos se uniram contra o projeto do computador, que foi a pique. Naquela altura, diversas cópias e adaptações da máquina original já estavam sendo construídas, incluindo o primeiro computador eletrônico da IBM, o 701. E é por meio dessas máquinas que ainda nos beneficiamos do pensamento visionário de Turing e da engenhosidade da equipe de John von Neumann.
Secular
O centenário de Turing tem motivado homenagens. Um abaixo-assinado pede a inclusão de sua efígie na nova versão da cédula de 10 libras. Dez mil assinaturas já foram colhidas. O correio britânico lançou um selo com Turing em fevereiro. O cientista também será vivido por Leonardo Di Caprio no cinema. Sociedades científicas da Índia aos EUA planejam tributos. No Brasil, a universidade gaúcha UFRGS fará palestras, exposição e concurso de criptografia. E também será homenageado pela parada gay de Manchester, cidade onde viveu seus últimos anos.
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[Alice Rawsthron, do The New York Times]
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