sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

O STF e a subversão Constitucional



Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Hélio Duque

No triângulo isósceles dos poderes, o Legislativo ocupa o vértice superior, ficando o Executivo e o Judiciário na escala secundária. No Brasil, nos últimos anos, essa realidade constitucional foi subvertida. Quem majoritariamente vem legislando é o Executivo, através as medidas provisórias e o Judiciário pela judicialização da política. O que leva muitos ministros das cortes superiores a invadir as prerrogativas do poder legislador.

A ignorância jurídica da maioria dos deputados federais e senadores deixam o campo aberto para que a subversão constitucional se consolide. No STF (Supremo Tribunal Federal) alguns dos seus ministros acham-se deuses do Olimpo no comportamento afrontador da democrática separação dos Poderes. Muitos violam a Constituição, de quem seriam os guardiões, para com verborragia digna de Odorico Paraguaçu, afirmar como fez o ministro Luiz Fux: “direito é o que os tribunais dizem.”
                  
A exótica interpretação levou o ministro Gilmar Mendes a contestar: “O Supremo não faz do quadrado redondo”. O afrontamento dos Poderes republicanos vem sendo verdadeiro suicídio institucional, principalmente pelos três ministros cariocas Luiz Fux, Marco Aurélio e Luís Roberto Barroso. No final do ano passado, o primeiro cassou, por liminar, decisão soberana do plenário da Câmara dos Deputados, numa atitude irresponsável ao fundamento constitucional da independência dos Poderes, sob a falsa alegação de os parlamentares não poderem alterar projeto de lei de iniciativa popular. Nem ele nem nenhum ministro do Supremo tem essa faculdade de cassar a soberania constitucional de uma das casas do Congresso Nacional. Certamente, o plenário do STF, por respeito à democracia representativa, deverá sepultar a seu devaneio jurídico.
                  
O segundo, ministro Marco Aurélio, por ação monocrática de uma liminar, resolveu cassar o presidente do Congresso Nacional do exercício da sua função, violando a legalidade sem poder citar um único artigo da Constituição em que se baseava na afronta. Levado a plenário do STF, teve sua disparatada liminar derrotada. Fez mais: determinou, ignorando jurisprudência do STF, que o presidente da Câmara desse início à tramitação do processo de impeachment do Presidente da República. Determinação ignorada pelo legislativo.
                  
O terceiro, ministro Luís Roberto Barroso a um só tempo legislou sobre a descriminalização do aborto até o terceiro mês de gestação e concomitantemente considerou inconstitucional as vaquejadas, certamente para proteger o rabo da vaca que poderia ser danificado naquelas pelejas. Proteger o rabo da vaca é mais transcendental do que o feto humano. Fez mais ao afirmar: “O Supremo desempenha em certas circunstâncias um papel representativo. As cortes constitucionais de todo mundo devem desempenhar um papel de vanguarda iluminista, que é o de fazer a história em determinadas situações civilizatórias quando o processo político majoritário não tenha sido capaz de fazê-lo”. Inacreditável na sua audácia o ministro. Já a ministra Carmen Lúcia, ao assumir a presidência do STF, na presença dos presidentes do Executivo e do Legislativo, em rasgo demagógico, iniciou seu discurso dirigindo-se à “Sua Excelência, o Povo”. Infelizmente nas sentenças prolatadas naquela Corte, a grande vítima é o povo brasileiro.
                  
Na história republicana o STF sempre se marcou por estrita submissão ao Executivo. Em 1892, no governo autoritário de Floriano Peixoto, com as prisões entupidas de oposicionistas, Rui Barbosa impetrou no Supremo “habeas corpus” para soltá-los. Floriano advertia que, se aprovado, quem amanha daria habeas corpus aos ministros do Supremo. Por 10 votos  a um, Rui Barbosa foi derrotado. Em 1938, na ditadura do Estado novo, com as prisões lotadas de políticos de oposição, o deputado João Mangabeira teve “habeas corpus” empatado no voto dos ministros, o presidente do STF, ministro Barros Barreto, desempatou contra o réu.

O escândalo jurídico na época foi tanto que o Supremo Tribunal Militar interveio e concedeu “habeas corpus”. Nesse mesmo ano, a alemã Olga Benário, mulher do líder comunista Luis Carlos Prestes, foi julgada pelo Supremo e devolvida à Alemanha nazista onde morreriam na câmara de gás. A literatura antigetulista registra que o responsável pela extradição foi Getúlio Vargas, que poderia ter concedido o indulto. Um sofisma.
                  
Em tempos mais recentes, o STF foi silente, quando na década de 60, os autoritários no poder expulsaram os ministros Hermes Lima, Victor Nunes Leal e Evandro Luis e Silva. Em 1974, meu saudoso amigo e deputado federal Francisco Pinto, no governo Geisel, condenou a presença do general Augusto Pinochet no Brasil. O STF, submisso ao governo, cassou o seu mandato parlamentar e o condenou a seis meses de prisão cumprida em quartel militar de Brasília.
                  
Hoje o STF é um tribunal despido, pelo ego mastodômico da maioria dos seus integrantes, da responsabilidade de arbitrar os conflitos da vida nacional, ao contrário, é um gerador de conflitos. Foi feliz o constitucionalista Ivar Hartmann, coordenador do Projeto Supremo em Números, quando afirma: “Na escalada de tensão entre Congresso e Supremo, a busca pelo protagonismo institucional pessoal é apenas um agravante. A raiz do problema é ausência de mecanismos para responsabilizar ministros do Supremo por seus excessos – não há accountability”.


Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.

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