sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

O ANARQUISMO NOS DIAS ATUAIS NO BRASIL E NO MUNDO - by REMILTON ROZA


Posted: 30 Jan 2016 08:12 AM PST

Hoje vamos falar sobre a forte influencia do anarquismo, presente nas manifestações que vem acontecendo pelo país. Os protestos atuais, claro, não podem ser simplificados dentro do termo, mas trazem até mesmo elementos simbólicos dos revolucionários. É só lembrar os “A” grafados em meio a círculos nos escudos improvisados dos Black Blocs, manifestantes que mascarados e protegidos tomam a frente das passeatas para lidar com a repressão policial, caso haja. O ícone máximo da tradição anarquista, e também as máscaras do personagem V, do quadrinho V de vingança, ficção que mostra uma revolução anarquista em meio a uma distopia totalitária. Algumas das imagens comuns de protestos anteriores como Che Guevara ou os símbolos comunistas, parecem dizer pouco ou quase nada sobre os protestos de hoje. Se toda disputa política acontece também em um campo simbólico, as manifestações recentes que acontecem pelo Brasil já deram sinais suficientes de que buscam novos caminhos para agir politicamente. Dois desses principais pontos, a ausência de lideranças e as tentativas de organização alheias aos partidos políticos, remetem a um posicionamento que há muito tempo está no espectro político, principalmente nas mobilizações de rua: O anarquismo!

No final do século XIX  e início do século XX, o movimento anarquista teve seu auge no Brasil, era uma das tendências políticas majoritárias entre os movimentos operários, o que causou as grandes greves operárias de 1917 em São Paulo e de 1918 e 1919 no Rio de Janeiro. Nestes mesmos anos foram criadas escolas para trabalhadores que eram comandadas segundo os ideais da doutrina. Em 1919 foi instituído o Partido Comunista Anarquista, que perdeu força alguns anos depois, em 1922, com a criação do Partido Comunista, que era integrado por ex-anarquistas. O anarquismo é considerado uma doutrina sócio-política que surgiu entre os séculos XVII e XVIII na Europa, tendo chegado ao Brasil em 1850 através dos imigrantes europeus. O anarquismo defende que a sociedade não deve ter nenhuma forma de autoridade e considera que o Estado é uma força coercitiva (repressão). As teorias do anarco-sindicalismo chegaram ao Brasil através de livros dos sindicalistas franceses, e difundiram-se através da imprensa e das decisões da grande massa operária, dominada por anarco-sindicalistas.

A Colônia Cecília, dirigida entre 1890 e 1893 por italianos imigrantes em terras doadas por D. Pedro II, no município de Palmeira, Paraná, é considerada a principal colônia anarquista que existiu no Brasil. Durante a República Velha, a ideologia anarquista defendeu a organização sindical autônoma, a extinção do Estado, da Igreja e da propriedade privada. Posicionaram-se contra a organização dos partidos políticos, divulgando suas idéias por meio de jornais, revistas, livros, panfletos, etc.. A ação direta era pregada pelo chamado “sindicalismo revolucionário”. Esta ação direta consistia em greves, boicotes e sabotagens e era considerada um meio para os trabalhadores adquirirem melhores condições de trabalho, indo contra o sistema capitalista. Em busca de destruir este sistema, os trabalhadores eram ensinados a se prepararem para uma ação final: A greve geral que destruiria este sistema. Nestas “ações diretas”, a violência era considerada aceitável, a sabotagem era considerada eficaz, e caso não fosse possível realizar a greve, o proletariado era orientado a destruir os equipamentos, os ambientes de trabalho, e pressionar os seus patrões até que suas exigências fossem atendidas.

Nos anos 1990 muitas pessoas criticaram o socialismo autoritário, mas tinham reservas acerca do anarquismo. Era considerado utópico, romântico e caótico. Porém, retomaram vários princípios do anarquismo como a democracia pela base, a organização horizontal,  o ceticismo acerca da hierarquia e dos políticos e ainda o princípio da ação direta. Na última década, o movimento libertário encontrou um terreno fértil de reflexão e de experimentação nas várias realidades de autogestão surgidas na Itália, Espanha e outros países.  E graças à sua estrutura horizontal e flexível, soube entender e absorver rapidamente os impulsos provenientes de outros movimentos sociais. Sem dúvida que o movimento anarquista abre-se a movimentos afins, mesmo se a  tendência a contornar o poder ao invés de combatê-lo frontalmente não tem unanimidade. Porém, amplos setores parecem ter abandonado os conceitos de hegemonia elaborados na teoria política do século 19, privilegiando a articulação com outros movimentos  sociais.

Desde o impeachment de Fernando Collor, em 1992, o Brasil não vivia momentos tão efervescentes como agora, ainda que motivos não tenham faltado para que o povo fosse às ruas antes. De escândalos políticos como o do mensalão, petróleo, a partir de 2005 até os dias atuais, a diversos crimes do colarinho branco praticados por pessoas dos mais diferentes setores e que devastaram cofres públicos. A população assistiu de longe ao Brasil avançar em campos como o econômico, enquanto abandonava áreas básicas como educação, saúde e segurança. Mas, afinal, o que faz com que uma nação acorde depois de tantos anos e volte a tomar as cidades para protestar contra a opressão do sistema? Há muito tempo o Brasil não vivia momentos tão agitados como agora. Nos anos 1960, tivemos marchas contra a ditadura. Nos anos 1980, o Diretas Já. Menos de 10 anos depois, os Caras Pintadas. Por que um país que já havia experimentado o gosto de ir às ruas protestar fica tanto tempo desmobilizado? O que acaba se tornando a gota d'água para que o espírito de luta reapareça?

Na verdade, nunca se sabe. Na ditadura, sabia-se perfeitamente. Hoje, não. Não há um inimigo único. É um conjunto de fatores. Os protestos não querem, por exemplo, derrubar a Dilma, o Alckmin, o Cunha, ou sujar o nome do Lula. Até pode ter grupos menores querendo isso, mas a massa mesmo protesta contra coisas mais genéricas. Há um mal estar profundo com casos de corrupção, com a ineficácia do mundo político perante o cotidiano da população, em que, por um lado se produz gastos extraordinários, por outro, se faz a população sofrer com a falta de qualidade em serviços básicos. Em outros momentos, essas ondas de protestos ocorriam em momentos de instabilidade geral, de pleno desemprego, superinflação. De que forma temos que olhar para esse foco múltiplo que abastece os protestos. Primeiramente, temos de analisar os aspectos de ordem interna. E, internamente, o movimento tem características anárquicas. Não no sentido de baderna gratuita, que fique claro, mas da filosofia política, da ideologia do movimento. O anarquismo se revolta justo contra as instituições vigentes. Veja que os ataques são, majoritariamente, contra prédios que representam o poder: Prefeituras, Congresso Nacional, Sedes de Governos Estaduais, e Etc.. Mesmo que nem todos esses jovens saibam, eles estão cumprindo um programa anarquista, agindo de acordo com os preceitos anarquistas. Se olhar o simbolismo, verá que as características da anarquia são claras.

Não adianta um grupo se reunir com o Alckmin (por exemplo) para negociar, pois esses protestos não possuem um cérebro, um líder. Esses jovens do Movimento Passe Livre representam apenas alguns das centenas de grupos que se uniram para fazer as manifestações, e sempre vai haver alguém para dizer que eles não o representam. Os grupos são multifacetados, e há anarquistas pacifistas e violentos. Sempre houve esse conflito interno! Como não existe um cérebro por trás controlando, você nunca vai ter o controle sobre a massa. Uma parte sempre vai se sentir prejudicado, não representado. O povo hoje é livre pra fazer o que quiser, mas sempre será escravo das conseqüências! 

É cedo para falar em uma "Primavera Brasileira"? Tem uma força muito grande agindo que é o mimetismo, a vontade de querer imitar aquilo que vemos. Grande parte da juventude brasileira viu o que aconteceu na Tunísia, no Cairo, e na Turquia. E isso tem um peso muito grande. Não passa um a dia sem que a mídia noticie um acontecimento nesses lugares. E olha que o Erdogan não é ditador, ele foi eleito. Mesmo assim, recebeu uma carga de protestos gigantesca. Então, faz parte desse cenário de globalização sofrermos influências de outros lugares. É bem aceitável a comparação.

A Copa de 2014 e as Olim-Piádas de 2016: Olha o que se gastou em estádios. É como se estivéssemos construindo uma nova Brasília. Termos estádio novo em Manaus, em Fortaleza, no Distrito Federal, em Salvador, além de outros que foram reformados, como o Maracanã e agora os milhões gastos na cidade olímpica do Rio de Janeiro. Isso exige muito gasto interno, de infra-estrutura, reforma urbana. E isso também exerce uma pressão inflacionária, como na época em que se construiu a capital federal. E os efeitos disso, dos gastos e, depois, do que fica, nós só vamos sentir muito mais tarde. Não há país no mundo que não seja atormentado por um índice inflacionário com gastos tão altos como esses. O que pode mudar no Brasil a partir desses protestos. Pode haver uma reação fascista mais tarde. É uma possibilidade! Tem que cuidar para não levar isso como em 1968, quando o movimento foi indo até que a resposta foi o AI-5. Imagina uma cidade como São Paulo em que as pessoas não conseguem mais chegar em casa por causa dos protestos. Uma hora aquele grupo que não vai às ruas, silencioso, começa a se mexer.

Todos os movimentos que ocorreram pelo mundo se esvaíram por si mesmo. No que deu o Occupy Wall Street, em Nova York?! Ou o Los Indignados, na Espanha?! Em nada! Na Grécia também, ainda que em outras circunstâncias. Agora, nos países árabes foi diferente. Mas lá havia uma causa muito palpável. É muito mais fácil ter um inimigo facilmente identificável. Mas, voltando, quem é o inimigo aqui no Brasil, que permita um catalisador dos movimentos?! Os Caras Pintadas tinham o Collor. Pediram que ele renunciasse, o que ele terminou fazendo. Mas agora, ninguém está na rua para derrubar um governador específico. A perspectiva é gradativamente ir sumindo o movimento. A democracia tem essa característica. Você concorda com o movimento, acolhe ele, mas ele vai se esvaziando com o tempo.

O Anarquismo dos Black Blocs

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