sábado, 26 de dezembro de 2015
“Primeiro a sentença, depois o veredicto!”, gritou a Rainha (“Alice no Pais das Maravilhas”)
Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Carlos I. S Azambuja
O comunismo e o fascismo são filhos da I Guerra Mundial, inimigos gêmeos, embora seja verdade que Lenin estivesse preparando suas concepções políticas desde o início do século. Todavia, também muitos dos elementos que deram forma, uma vez articulados, à ideologia fascista, preexistem à guerra. O Partido Bolchevique tomou o poder em 1917, graças à guerra, e Mussolini e Hitler constituíram seus partidos nos anos imediatamente seguintes a 1918, como resposta à crise nacional produzida pelo resultado da guerra.
O ódio recíproco de um pelo outro foi fundamental para o desenvolvimento dos dois movimentos. O fascismo alimentando-se do medo do comunismo e vice-versa. Isso, todavia, não impediu a União Soviética de ter tido boas relações com a Itália de Mussolini até meados dos anos 30 e de dar apoio à direita alemã em 1920 contra os vencedores da 1ª Guerra Mundial. Posteriormente, a Alemanha de Hitler e a União Soviética, entre 1939 e 1941, durante a 2ª Guerra Mundial, foram aliados, como veremos a seguir. Por outro lado, a estratégia de “classe contra classe”, ditada pelo Komintern ao Partido Comunista Alemão, constituiu-se em fator de força para a ascensão de Hitler ao Poder, em 1933, pois dividiu a esquerda alemã.
O mais interessante é a comparação interna das duas ideologias. Embora o fascismo não tivesse o mesmo pedigree filosófico do marxismo, os dois nasceram, como partidos de massa, na mesma época, logo depois da 1ª Guerra Mundial. A vitória da Revolução Bolchevique, na Rússia, foi uma resposta em nome do proletariado, e a chegada de Hitler ao poder, em 1933, na Alemanha, constituiu outra resposta, em nome da Nação.
Bolchevismo e fascismo, no entanto, tiveram a mesma matriz e o mesmo projeto de acabar com a dominação da burguesia. As duas ideologias se caracterizaram por um extraordinário voluntarismo, porque julgavam que a tomada do poder permitiria revolucionar as condições do contrato social, submetendo a economia ao controle do partido e suprimindo a liberdade das pessoas.
O Komintern, que, repetimos, nada mais era do que a vontade de Stalin transmitida a todos os partidos comunistas do mundo, facilitou, de certo modo, o desenvolvimento da extrema-direita, face às táticas que aprovou e difundiu, para poder denunciar o fascismo. Por absoluta carência de idéias sobre o que seria a sociedade comunista, essa esquerda bolchevista refugiou-se nas facilidades proporcionadas pelo antifascismo, uma palavra-de-ordem que unia comunistas e não-comunistas.
Um adolescente de hoje, no Ocidente, não seria capaz de conceber as paixões nacionais que levaram os povos europeus a se matarem uns aos outros durante quatro anos. A I Guerra Mundial foi uma luta travada entre Estados soberanos em nome de paixões nacionais, embora esse seu caráter não pudesse ser vislumbrado na época, e seus prolongamentos menos ainda. Esta foi a fundamental diferença com a II Guerra Mundial, quase que inscrita antecipadamente nas circunstâncias e nos regimes da década de 30 e, por isso, tristemente dotada desse eco tão duradouro, que a prolongou até a queda do Muro de Berlim. Ou seja, até nós.
O bolchevismo viu-se fortalecido na Europa por sua radical oposição à guerra, desde seu início, em 1914, e teve a vantagem de conferir um sentido a esses anos terríveis graças ao prognóstico precoce que fez sobre eles. Isso concorreu de forma eficaz para levá-lo à vitória revolucionária de Outubro. Ao caráter feroz da guerra, ele ofereceu remédios não menos ferozes. O que a hecatombe teve de inaudita encontrou, através de Lenin, responsáveis e bodes expiatórios: o imperialismo, os monopólios capitalistas, a burguesia internacional. Com isso, os bolcheviques definiram, em proveito próprio, que seriam esses os inimigos a serem derrotados: uma classe internacional, que deveria ser vencida pelo proletariado mundial.
Em 1917, o que contava era a proclamação bolchevique da revolução mundial. De um “putsch” bem sucedido, dirigido por um chefe comunista audacioso, no país mais atrasado da Europa, a conjuntura fez dele um acontecimento modelo, destinado a orientar a História Universal, exatamente, como em seu tempo, fez a Revolução Francesa. Através do cansaço geral da guerra e da cólera dos povos vencidos, a ilusão que Lenin forjou com sua ação logo viria a ser compartilhada por milhões de pessoas.
Enquanto os bolcheviques tomaram o poder aproveitando-se da anarquia, os nazistas, em 1933, o tomaram brandindo o temor à anarquia. Ambos submeteram a si o Estado e, através dele e, principalmente, do partido, passaram a controlar toda a sociedade Ambos criaram um “inimigo do povo”: o burguês, para Stalin, e o judeu, para Hitler, pois era necessário que a eventualidade de uma conspiração contra o Estado permanecesse onipresente, a fim de que o povo ficasse mobilizado e o regime, eternizado.
A ironia é que os dois regimes totalitários, idênticos quanto à sua pretensão de Poder absoluto, apresentavam-se cada um como sendo opositor ao perigo representado pelo outro
Em toda a Europa, os militantes revolucionários remobilizados pela situação política, achavam que Lenin lhes oferecia um modelo. Assim, rapidamente foi efetuada a bolchevização de uma parte considerável da esquerda européia, bolchevização essa que, embora tenha fracassado em levar seus partidários ao Poder, deixou partidos e idéias feitas sob um modelo único em toda a Europa e logo depois em todo o mundo.
Em seguida, foi esquecido o que a Revolução Bolchevique tinha de russo pelo que ela tinha de universal. Sobre o Palácio de Inverno, dos czares, a estrela vermelha com a foice e o martelo passou a encarnar a revolução mundial, e as peripécias da História iriam reduzindo ou dilatando, a cada geração, o prestígio desse mito, sem nunca extinguí-lo, até que Gorbachev, o último dos bolcheviques, se encarregasse, inadvertidamente, de fazê-lo com a ajuda de duas palavrinhas: “perestroika” e “glasnost”.
O fascismo, por sua vez, surgiu como uma reação do particular contra o universal; do povo contra a classe; do nacional contra o internacional. Embora em suas origens ele seja inseparável do comunismo, combateu seus objetivos ao mesmo tempo em que imitou seus métodos.
O exemplo clássico é o da Itália. Fundador do fascismo em março de 1919 - mesma época em que Lenin fundava a III Internacional -, Mussolini pertencera à ala revolucionária do movimento socialista em seu país. O fascismo, com seus grupos de combate paramilitares, somente nos anos 20 e 21 ganharia extensão nacional, na batalha contra as organizações revolucionárias de trabalhadores agrícolas do norte da Itália. Uma verdadeira guerra civil que mostrou, pela primeira vez, a fraqueza do Estado liberal frente às duas forças em luta.
No caso de Hitler, o Partido Nacional-Socialista Alemão dos Trabalhadores existia antes dele, mas somente ganhou consistência a partir de 1919, quando da filiação de Hitler, que o animou com sua eloqüência. Embora não tivesse um passado socialista, Hitler era um admirador de Mussolini, e atribuiu à doutrina um adjetivo que iria facilitar sua ascensão: nacional-socialista.
A inovação de Hitler com relação a Mussolini foi a erradicação dos judeus, símbolos, ao mesmo tempo, do bolchevismo e do capitalismo, considerados uma potência cosmopolita demoníaca. A eles, Hitler alimentou um ódio ecumênico que reunia duas abominações distintas: o ódio ao dinheiro e o ódio ao comunismo. Oferecer à abominação, conjuntamente, o burguês e o bolchevique, através do judeu, pode ser considerada a grande “invenção” de Hitler.
Sem dúvida, o Tratado de Versalhes, ao final da I Guerra, não deixou de ter uma parte de responsabilidade sobre isso. Mas é preciso ter em conta, também, que tão logo foi dado o último tiro de canhão, defender a Nação contra a revolução comunista tornou-se mais urgente do que ensiná-la a viver em uma nova ordem internacional na qual a Alemanha já entrava enfraquecida. A prioridade do bolchevismo criou, portanto, seu antípoda: a prioridade do anti-bolchevismo.
Sem complexos de tomar emprestado o que era preciso das idéias da revolução, o fascismo passou a exaltar desmedidamente a ameaça bolchevique, e vice-versa.
Bolchevismo e fascismo entraram, portanto, quase juntos, no teatro da História. Embora ideologias relativamente recentes, hoje nos parecem - conforme o caso - absurdas, deploráveis e criminosas. No entanto, uma contra a outra fizeram a História deste século, mobilizando esperanças e paixões em milhões de pessoas.
O que torna inevitável uma comparação entre fascismo e bolchevismo não é apenas o fato de terem surgido quase simultaneamente. É também sua dependência mútua: o fascismo surgiu como uma reação ao comunismo, e o comunismo parece ter prolongado o seu tempo de vida graças ao anti-fascismo. Os Gulags, no entanto, são anteriores a Auschwitz, onde os judeus foram eliminados em escala industrial.
Embora tenham sido inimigos declarados, não deixaram de ser, também, inimigos-cúmplices. A vontade de se combaterem os uniram, como comprovou o Pacto assinado em agosto de 1939 entre Hitler e Stalin.
O regime soviético sob Stalin, no início da década de 30, no entanto, não tem precedentes em toda a História, pois não se assemelha a nada que jamais tenha existido. Nunca um Estado teve como objetivo matar, deportar ou reduzir à servidão os seus camponeses e nunca um partido substituiu tão completamente um Estado. Nunca uma ditadura teve um poder tão grande em nome de uma mentira tão completa e, contudo, tão poderosa e tão perfeita sobre as mentes, que fazia com que os que a temiam ao mesmo tempo saudassem seus fundamentos.
A maior motivação para a cumplicidade entre o comunismo e o fascismo era a existência de um adversário comum, que as duas doutrinas inimigas exorcizavam através da idéia de que, naqueles anos, a democracia, pela qual fascistas e comunistas sempre manifestaram a mesma repulsa e que constituía o terreno ideal para a expansão de ambos, estivesse agonizante.
A sedução fundamental do marxismo era o seu caráter universalista, e o sentimento de igualdade entre todos os homens era o seu motor psicológico principal. O fascismo, por sua vez, recorreu, para destruir o individualismo burguês, apenas a frações da humanidade: à Nação e à raça. Estas, por definição, excluíam aqueles que dela não faziam parte, e até se posicionavam contra eles. Isso se refletia em uma suposta superioridade sobre os demais grupos de pessoas e de um constante antagonismo frente a eles. Àqueles que não tiveram a sorte de fazer parte da raça superior ou da Nação eleita, o fascismo propunha a opção entre a resistência sem esperança, a submissão sem honra, ou a câmara de gás.
O militante bolchevique, ao contrário, propalava ter como objetivo a emancipação do gênero humano. A revolução bolchevique pretendia-se mais universal, porque proletária. Libertaria o proletariado da única coisa que este tinha a perder: suas correntes, como escreveu Marx no Manifesto.
Todavia, o partido, dirigido por um seleto coletivo cuja opinião do primeiro dentre eles sempre foi a preponderante, sempre se intitulou o “estado-maior da classe operária”. A dissolução da Assembléia Nacional Constituinte, em janeiro de 1918, no primeiro dia do seu funcionamento, a interdição dos demais partidos, a eliminação do discenso dentro do partido único, substituíram o poder da lei pelo poder absoluto do Secretário-Geral. A palavra-de-ordem de Lenin, antes da revolução, de “todo o poder aos sovietes”, não passou de uma palavra-de-ordem, pois jamais foi posta em prática.
Nessas condições, o espantoso não é que o universalismo bolchevique tenha suscitado, desde sua origem, tantos e tão ferozes adversários. O espantoso é que, isto sim, tenha encontrado tantos e tão incondicionais partidários, principalmente entre as classes mais instruídas.
Finalmente, resta uma referência sobre a analogia entre comunismo e fascismo: Stalin exterminou milhões de compatriotas seus em nome da luta pela criação do homem-novo, e Hitler fez o mesmo a milhões de judeus, em nome da pureza da super-raça, a raça ariana. Além disso, existiam afinidades várias e definitivas: ambos não tinham temor a Deus e eram hostis à religião e às crenças; ambos substituíram a autoridade divina pela força da evolução e do determinismo histórico; e ambos desprezavam as leis em nome de uma suposta “vontade política das massas”, combatendo o presente sob a bandeira de um futuro redentor.
No entanto, existiam também diferenças, sendo a fundamental a de o fascismo ter encontrado seu berço em sociedades desenvolvidas, como o norte da Itália e a Alemanha; e o comunismo em “uma sociedade medieval, primitiva e amorfa” - conforme expressão utilizada por Antonio Gramsci, fundador do Partido Comunista Italiano -, o que parece comprovar que a educação e o desenvolvimento não conduzem, necessariamente, a comportamentos políticos racionais.
O ódio recíproco de um pelo outro foi fundamental para o desenvolvimento dos dois movimentos. O fascismo alimentando-se do medo do comunismo e vice-versa. Isso, todavia, não impediu a União Soviética de ter tido boas relações com a Itália de Mussolini até meados dos anos 30 e de dar apoio à direita alemã em 1920 contra os vencedores da 1ª Guerra Mundial. Posteriormente, a Alemanha de Hitler e a União Soviética, entre 1939 e 1941, durante a 2ª Guerra Mundial, foram aliados, como veremos a seguir. Por outro lado, a estratégia de “classe contra classe”, ditada pelo Komintern ao Partido Comunista Alemão, constituiu-se em fator de força para a ascensão de Hitler ao Poder, em 1933, pois dividiu a esquerda alemã.
O mais interessante é a comparação interna das duas ideologias. Embora o fascismo não tivesse o mesmo pedigree filosófico do marxismo, os dois nasceram, como partidos de massa, na mesma época, logo depois da 1ª Guerra Mundial. A vitória da Revolução Bolchevique, na Rússia, foi uma resposta em nome do proletariado, e a chegada de Hitler ao poder, em 1933, na Alemanha, constituiu outra resposta, em nome da Nação.
Bolchevismo e fascismo, no entanto, tiveram a mesma matriz e o mesmo projeto de acabar com a dominação da burguesia. As duas ideologias se caracterizaram por um extraordinário voluntarismo, porque julgavam que a tomada do poder permitiria revolucionar as condições do contrato social, submetendo a economia ao controle do partido e suprimindo a liberdade das pessoas.
O Komintern, que, repetimos, nada mais era do que a vontade de Stalin transmitida a todos os partidos comunistas do mundo, facilitou, de certo modo, o desenvolvimento da extrema-direita, face às táticas que aprovou e difundiu, para poder denunciar o fascismo. Por absoluta carência de idéias sobre o que seria a sociedade comunista, essa esquerda bolchevista refugiou-se nas facilidades proporcionadas pelo antifascismo, uma palavra-de-ordem que unia comunistas e não-comunistas.
Um adolescente de hoje, no Ocidente, não seria capaz de conceber as paixões nacionais que levaram os povos europeus a se matarem uns aos outros durante quatro anos. A I Guerra Mundial foi uma luta travada entre Estados soberanos em nome de paixões nacionais, embora esse seu caráter não pudesse ser vislumbrado na época, e seus prolongamentos menos ainda. Esta foi a fundamental diferença com a II Guerra Mundial, quase que inscrita antecipadamente nas circunstâncias e nos regimes da década de 30 e, por isso, tristemente dotada desse eco tão duradouro, que a prolongou até a queda do Muro de Berlim. Ou seja, até nós.
O bolchevismo viu-se fortalecido na Europa por sua radical oposição à guerra, desde seu início, em 1914, e teve a vantagem de conferir um sentido a esses anos terríveis graças ao prognóstico precoce que fez sobre eles. Isso concorreu de forma eficaz para levá-lo à vitória revolucionária de Outubro. Ao caráter feroz da guerra, ele ofereceu remédios não menos ferozes. O que a hecatombe teve de inaudita encontrou, através de Lenin, responsáveis e bodes expiatórios: o imperialismo, os monopólios capitalistas, a burguesia internacional. Com isso, os bolcheviques definiram, em proveito próprio, que seriam esses os inimigos a serem derrotados: uma classe internacional, que deveria ser vencida pelo proletariado mundial.
Em 1917, o que contava era a proclamação bolchevique da revolução mundial. De um “putsch” bem sucedido, dirigido por um chefe comunista audacioso, no país mais atrasado da Europa, a conjuntura fez dele um acontecimento modelo, destinado a orientar a História Universal, exatamente, como em seu tempo, fez a Revolução Francesa. Através do cansaço geral da guerra e da cólera dos povos vencidos, a ilusão que Lenin forjou com sua ação logo viria a ser compartilhada por milhões de pessoas.
Enquanto os bolcheviques tomaram o poder aproveitando-se da anarquia, os nazistas, em 1933, o tomaram brandindo o temor à anarquia. Ambos submeteram a si o Estado e, através dele e, principalmente, do partido, passaram a controlar toda a sociedade Ambos criaram um “inimigo do povo”: o burguês, para Stalin, e o judeu, para Hitler, pois era necessário que a eventualidade de uma conspiração contra o Estado permanecesse onipresente, a fim de que o povo ficasse mobilizado e o regime, eternizado.
A ironia é que os dois regimes totalitários, idênticos quanto à sua pretensão de Poder absoluto, apresentavam-se cada um como sendo opositor ao perigo representado pelo outro
Em toda a Europa, os militantes revolucionários remobilizados pela situação política, achavam que Lenin lhes oferecia um modelo. Assim, rapidamente foi efetuada a bolchevização de uma parte considerável da esquerda européia, bolchevização essa que, embora tenha fracassado em levar seus partidários ao Poder, deixou partidos e idéias feitas sob um modelo único em toda a Europa e logo depois em todo o mundo.
Em seguida, foi esquecido o que a Revolução Bolchevique tinha de russo pelo que ela tinha de universal. Sobre o Palácio de Inverno, dos czares, a estrela vermelha com a foice e o martelo passou a encarnar a revolução mundial, e as peripécias da História iriam reduzindo ou dilatando, a cada geração, o prestígio desse mito, sem nunca extinguí-lo, até que Gorbachev, o último dos bolcheviques, se encarregasse, inadvertidamente, de fazê-lo com a ajuda de duas palavrinhas: “perestroika” e “glasnost”.
O fascismo, por sua vez, surgiu como uma reação do particular contra o universal; do povo contra a classe; do nacional contra o internacional. Embora em suas origens ele seja inseparável do comunismo, combateu seus objetivos ao mesmo tempo em que imitou seus métodos.
O exemplo clássico é o da Itália. Fundador do fascismo em março de 1919 - mesma época em que Lenin fundava a III Internacional -, Mussolini pertencera à ala revolucionária do movimento socialista em seu país. O fascismo, com seus grupos de combate paramilitares, somente nos anos 20 e 21 ganharia extensão nacional, na batalha contra as organizações revolucionárias de trabalhadores agrícolas do norte da Itália. Uma verdadeira guerra civil que mostrou, pela primeira vez, a fraqueza do Estado liberal frente às duas forças em luta.
No caso de Hitler, o Partido Nacional-Socialista Alemão dos Trabalhadores existia antes dele, mas somente ganhou consistência a partir de 1919, quando da filiação de Hitler, que o animou com sua eloqüência. Embora não tivesse um passado socialista, Hitler era um admirador de Mussolini, e atribuiu à doutrina um adjetivo que iria facilitar sua ascensão: nacional-socialista.
A inovação de Hitler com relação a Mussolini foi a erradicação dos judeus, símbolos, ao mesmo tempo, do bolchevismo e do capitalismo, considerados uma potência cosmopolita demoníaca. A eles, Hitler alimentou um ódio ecumênico que reunia duas abominações distintas: o ódio ao dinheiro e o ódio ao comunismo. Oferecer à abominação, conjuntamente, o burguês e o bolchevique, através do judeu, pode ser considerada a grande “invenção” de Hitler.
Sem dúvida, o Tratado de Versalhes, ao final da I Guerra, não deixou de ter uma parte de responsabilidade sobre isso. Mas é preciso ter em conta, também, que tão logo foi dado o último tiro de canhão, defender a Nação contra a revolução comunista tornou-se mais urgente do que ensiná-la a viver em uma nova ordem internacional na qual a Alemanha já entrava enfraquecida. A prioridade do bolchevismo criou, portanto, seu antípoda: a prioridade do anti-bolchevismo.
Sem complexos de tomar emprestado o que era preciso das idéias da revolução, o fascismo passou a exaltar desmedidamente a ameaça bolchevique, e vice-versa.
Bolchevismo e fascismo entraram, portanto, quase juntos, no teatro da História. Embora ideologias relativamente recentes, hoje nos parecem - conforme o caso - absurdas, deploráveis e criminosas. No entanto, uma contra a outra fizeram a História deste século, mobilizando esperanças e paixões em milhões de pessoas.
O que torna inevitável uma comparação entre fascismo e bolchevismo não é apenas o fato de terem surgido quase simultaneamente. É também sua dependência mútua: o fascismo surgiu como uma reação ao comunismo, e o comunismo parece ter prolongado o seu tempo de vida graças ao anti-fascismo. Os Gulags, no entanto, são anteriores a Auschwitz, onde os judeus foram eliminados em escala industrial.
Embora tenham sido inimigos declarados, não deixaram de ser, também, inimigos-cúmplices. A vontade de se combaterem os uniram, como comprovou o Pacto assinado em agosto de 1939 entre Hitler e Stalin.
O regime soviético sob Stalin, no início da década de 30, no entanto, não tem precedentes em toda a História, pois não se assemelha a nada que jamais tenha existido. Nunca um Estado teve como objetivo matar, deportar ou reduzir à servidão os seus camponeses e nunca um partido substituiu tão completamente um Estado. Nunca uma ditadura teve um poder tão grande em nome de uma mentira tão completa e, contudo, tão poderosa e tão perfeita sobre as mentes, que fazia com que os que a temiam ao mesmo tempo saudassem seus fundamentos.
A maior motivação para a cumplicidade entre o comunismo e o fascismo era a existência de um adversário comum, que as duas doutrinas inimigas exorcizavam através da idéia de que, naqueles anos, a democracia, pela qual fascistas e comunistas sempre manifestaram a mesma repulsa e que constituía o terreno ideal para a expansão de ambos, estivesse agonizante.
A sedução fundamental do marxismo era o seu caráter universalista, e o sentimento de igualdade entre todos os homens era o seu motor psicológico principal. O fascismo, por sua vez, recorreu, para destruir o individualismo burguês, apenas a frações da humanidade: à Nação e à raça. Estas, por definição, excluíam aqueles que dela não faziam parte, e até se posicionavam contra eles. Isso se refletia em uma suposta superioridade sobre os demais grupos de pessoas e de um constante antagonismo frente a eles. Àqueles que não tiveram a sorte de fazer parte da raça superior ou da Nação eleita, o fascismo propunha a opção entre a resistência sem esperança, a submissão sem honra, ou a câmara de gás.
O militante bolchevique, ao contrário, propalava ter como objetivo a emancipação do gênero humano. A revolução bolchevique pretendia-se mais universal, porque proletária. Libertaria o proletariado da única coisa que este tinha a perder: suas correntes, como escreveu Marx no Manifesto.
Todavia, o partido, dirigido por um seleto coletivo cuja opinião do primeiro dentre eles sempre foi a preponderante, sempre se intitulou o “estado-maior da classe operária”. A dissolução da Assembléia Nacional Constituinte, em janeiro de 1918, no primeiro dia do seu funcionamento, a interdição dos demais partidos, a eliminação do discenso dentro do partido único, substituíram o poder da lei pelo poder absoluto do Secretário-Geral. A palavra-de-ordem de Lenin, antes da revolução, de “todo o poder aos sovietes”, não passou de uma palavra-de-ordem, pois jamais foi posta em prática.
Nessas condições, o espantoso não é que o universalismo bolchevique tenha suscitado, desde sua origem, tantos e tão ferozes adversários. O espantoso é que, isto sim, tenha encontrado tantos e tão incondicionais partidários, principalmente entre as classes mais instruídas.
Finalmente, resta uma referência sobre a analogia entre comunismo e fascismo: Stalin exterminou milhões de compatriotas seus em nome da luta pela criação do homem-novo, e Hitler fez o mesmo a milhões de judeus, em nome da pureza da super-raça, a raça ariana. Além disso, existiam afinidades várias e definitivas: ambos não tinham temor a Deus e eram hostis à religião e às crenças; ambos substituíram a autoridade divina pela força da evolução e do determinismo histórico; e ambos desprezavam as leis em nome de uma suposta “vontade política das massas”, combatendo o presente sob a bandeira de um futuro redentor.
No entanto, existiam também diferenças, sendo a fundamental a de o fascismo ter encontrado seu berço em sociedades desenvolvidas, como o norte da Itália e a Alemanha; e o comunismo em “uma sociedade medieval, primitiva e amorfa” - conforme expressão utilizada por Antonio Gramsci, fundador do Partido Comunista Italiano -, o que parece comprovar que a educação e o desenvolvimento não conduzem, necessariamente, a comportamentos políticos racionais.
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