O Eixo Cuba-Venezuela e a omissão de Obama
Recentemente o mundo foi surpreendido pela notícia de que as relações entre os Estados Unidos e Cuba entrariam num progressivo degelo até chegarem a uma normalização completa, ou quase completa. Fruto, em boa medida, de um trabalho de bastidores com o incentivo da diplomacia Vaticana, inspirada pelo Papa Francisco.
Distorção da realidade
Mal a notícia veio a público, a artilharia publicitária progressista desatou-se por esse mundo afora, em noticiários, comentários e análises.
Curiosamente, considerável parte dessas matérias tomava o fato da anunciada reaproximação como se uma injustiça de décadas tivesse cessado. A ditadura castrista era poupada, bem como suas perseguições políticas e religiosas; e se votava um rancor aos Estados Unidos e a sua política de embargo, como se fossem eles os responsáveis pela situação de miséria, decadência e opressão a que o castro-comunismo reduziu a antiga pérola das Antilhas.
Estranhava, além disso, não se mencionar, como cláusula de tal reaproximação, a desmontagem do regime ditatorial dos irmãos Castro e a instauração de um Estado de Direito na ilha-prisão, com o devido respeito às liberdades individuais, a retomada do direito de propriedade, a liberdade de professar e pregar a religião cristã.
Tudo – de passagem seja dito – muito surpreendente, se se leva em consideração a interferência decisiva da diplomacia vaticana para tal aproximação e o subsequente silêncio de Roma a propósito desses temas capitais.
Enfim, somando e subtraindo, toda a operação diplomática e midiática mais parecia o estender de mão a um regime moribundo, para salvá-lo do soçobro.
Aliança Venezuela Cuba
Como é público e notório, durante os anos em que governou a Venezuela, o caudilho Hugo Chávez estreitou, para além de todos os limites, os laços com a ditadura castrista. Hoje são os cubanos que controlam serviços essenciais do Estado venezuelano, além de terem uma posição determinante nas Forças Armadas do País e nas forças policiais e repressivas.
Ora é estarrecedor que, na reaproximação com Cuba, o governo de Obama não tenha exigido a retirada da abusiva influência e interferência cubana na Venezuela.
Neste momento a narco-ditadura comandada por Nicolás Maduro parte para uma repressão sem precedentes contra os opositores, com prisões arbitrárias até de políticos eleitos e execuções sumárias de estudantes.
E o que faz Obama?
Convido-os a ler a perspicaz análise publicada por Héctor E. Schamis, no jornal espanhol El Pais (22.fev.2015), sob o título “Estados Unidos, Cuba y Venezuela”.
Héctor Schamis, argentino de nascimento, Ph.D. em ciência política na Universidade de Columbia, é professor no Centro de Estudos Latino-americanos e no programa “Democracy & Governance” da Universidade de Georgetown.
O texto de seu artigo é revelador, embora suscite algumas ponderações que farei ao final:
- "Agora foi a vez de Antonio Ledezma – como antes fora a de Leopoldo López – outro peso-pesado, prefeito de Caracas e novo preso político. Cada preso faz parte precisamente dos despojos das muitas guerras que trava o regime, reféns para a negociação final. Isso não se refere apenas à oposição. Também não se trata dos inimigos dentro do próprio chavismo, como Maduro e Cabello. Em última instância as negociações para valer serão com os Estados Unidos e com Cuba. Quanto mais cedo, melhor.
Pode-se estar indignado com Maduro e com o regime. Mas um pouco dessa indignação, ou pelo menos bastante perplexidade, deveria estar dirigida ao governo de Barack Obama, o qual novamente chega atrasado a uma crise. Por vezes tem-se a impressão de que o Departamento de Estado toma conhecimento das notícias como nós, através dos jornais. Especialmente quando você lêem os tweets de altos funcionários circulando ao mesmo tempo que os nossos, que os de seus colegas, amigos e parentes, e dizendo basicamente o mesmo. A horizontalidade das redes sociais é fantástica, mas não é a maneira mais eficaz de fazer política externa.
Isto porque é difícil acreditar que a Venezuela não faça parte da longa lista de temas que os Estados Unidos negociam com Cuba. Custa a entender que, uma vez removido o grande obstáculo para a relação dos Estados Unidos com a América Latina – Cuba e o embargo – Obama não use esta importante injeção de capital político – leia-se, legitimidade e credibilidade – para ter uma maior, e não menor, influência na região. Num plano mais abrangente, isso poderia desbloquear essa fatídica paralisia venezuelana. Mas mesmo num plano menor, poderia ter poupado a provação a Antonio Ledezma e à sua família.
Se Obama não se deu conta disso, e se sua gente no Departamento de Estado se esqueceu de incluir a Venezuela nas negociações com Cuba, ainda estão a tempo. A boa notícia é que Cuba é um Estado a sério, como nenhum outro na América Latina. Negociar com os cubanos é previsível, porque eles têm uma quota suficiente de centralização da autoridade e controle territorial para cumprir seus compromissos. Se não os cumprem é porque não querem, ao contrário do resto da América Latina, onde não há capacidade estatal para tornar efetivo qualquer acordo.
Cuba quer remessas, turismo e Golden Card da American Express. Será que é tão difícil incluir o desmantelamento da inteligência Bolivariana – que Cuba controla – nessa negociação? Com o subsídio venezuelano chegando ao fim, Cuba precisa de energia e petróleo. Com o boom petrolífero dos Estados Unidos, é impossível negociar a libertação dos presos políticos? Cuba necessita conectividade sem a qual, aliás, não haverá American Express. Não ocorreu a ninguém em Washington que a desarticulação da força de choque, esses camisas vermelhas que só os cubanos podem controlar, poderia ser o preço dessa tecnologia? Além disso se tranquilizaria a oficialidade venezuelana, perturbado pela influência cubana e pela proliferação de forças irregulares.
E assim, com muitos outros temas. É evidente que esta será uma negociação a três. No fim das contas a oposição venezuelana acabaria competindo com a própria dissidência cubana numa mesa onde os Castro vão taxar muito alto quaisquer de suas concessões. Os democratas cubanos e venezuelanos deveriam coordenar essa negociação. A próxima cimeira do Panamá seria um lugar e um momento adequados. Vale a pena lembrar que esta última crise se precipita depois, e sublinhe-se depois, de iniciadas as negociações entre os Estados Unidos e Cuba. O soft power americano talvez nunca tenha estado tão alto na região.
Maduro sabe que está perdido, mas se antecipa e adia seu fim inevitável. Frequentemente, é desprezado pela sua falta de preparação e por sua capacidade peculiar para agredir a língua espanhola. No entanto, ele é um ator com um bom senso de estratégia. Seus movimentos quase sempre prolongam suas perspectivas de tempo, parece entender bem a lógica do gambito. Não haverá vitória do regime, sem dúvida, e uma derrota honrosa não está no DNA do chavismo. Neste momento, só os Estados Unidos e Cuba podem terminar com este jogo perverso.
E têm que se apressar."
Se, como bem aponta o articulista, Cuba é um Estado a sério e, pela centralização do poder (leia-se despotismo) pode garantir qualquer negociação, não as cumprindo se não querem, é impossível acreditar que a presente onda de repressão na Venezuela, iniciada após as negociações com os Estados Unidos, não seja controlada ao milímetro pelo regime dos Castros.
Os sequestros de opositores, a prisão arbitrária de políticos de oposição eleitos, como Antonio Ledezma, as execuções sumárias de estudantes têm a mão da inteligência e da máquina repressora venezuelano-cubana. Como confiar, pois, na honestidade da disposição destes regimes? Estas negociações são uma porta aberta para o fim destes regimes socialo-comunistas tirânicos ou podem se tornar um esteio para o seu prolongamento no tempo? Perguntas para o Departamento de Estado e a diplomacia vaticana.
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