sábado, 8 de março de 2014

Cartas de Seattle: Pegue seu livro e vá pra festa


“É um grupo de leitura”, tentou explicar o turista à esposa ao passar pelo salão de hotel apinhado de gente. De fato, quase 100 pessoas estavam com os olhos grudados em livros – físicos e digitais. Mas cada um estava lendo um livro diferente, todos em silêncio. Não havia debate algum. O que estava acontecendo era na verdade uma leitura em grupo, não um grupo de leitura. Mais especificamente, a Festa da Leitura em Silêncio.
Toda primeira quarta-feira do mês é a mesma coisa. Às 6h da tarde começa a chegar gente com um livro embaixo do braço. Ou um Kindle. Ou um iPad. Na falta, smartphonetambém serve. Eles chegam quietinhos, sentam bem perto um do outro mesmo sem se conhecerem – porque não tem muito espaço –, pedem uma bebida em voz baixa ao garçom e abrem o livro.
Às 6h40, já é difícil encontrar onde sentar, completos estranhos dividindo sofás de três lugares ou mesinhas redondas daquelas em que só cabem duas xícaras e pronto.
Às 7h, tem fila já saindo pela porta do suntuoso hotel Sorrento. Como quem já sentou não tem pressa de acabar a leitura, o jeito é começar a ler ali mesmo, em pé, na fila.
Hall de entrada, foyer e salão Fireside repletos de gente. Lendo. Em silêncio. Ao fundo, só o som de uma harpa sendo tocada ao vivo. No mês passado era um piano. Quando a bebida acaba, ou a leitura acaba, ou a vontade de ler acaba, ou chega a hora de ir pra casa, cada um paga a conta e sai. Sem dizer nada.


Eu procuro me concentrar na leitura, mas a curiosidade fala mais alto. Passo o olho discretamente pra ver quem está lendo o quê, quem está fazendo caras e bocas numa reação ao enredo interessante, quem lê marcando o livro ou fazendo anotações, quem está usando o celular para mandar mensagem em ver de ler, quem não aguenta e comenta alguma coisa cochichando no ouvido do amigo, quem claramente está começando a namorar e fica lendo agarradinho, prestando mais atenção no outro do que no livro, quem não desgruda do livro nem para saborear o vinho branco geladinho servido há pouco.
Para quem está achando tudo isso uma grande bobagem, encare o cenário como uma celebração ao hábito de ler. Tudo começou com três amigos que se reuniam para ler juntos, na casa de um deles. Em vez de ler cada na própria casa, eles preferiam estar no mesmo lugar, mesmo que os livros fosse todos diferentes.
Aí a vida foi tomando outros rumos e um deles teve uma grande ideia: passar a se encontrar no Sorrento, abrir o “evento” para quem quisesse participar e não cobrar nada por isso. O hotel concordou. E começou a tradição em Seattle.

Melissa de Andrade é jornalista com mestrado em Negócios Digitais no Reino Unido. Ama teatro, gérberas cor de laranja e seus três gatinhos. Atua como estrategista de Conteúdo e de Mídias Sociais em Seattle, de onde mantém o blog Preview e, às sextas, escreve para o Blog do Noblat.

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