ZERO HORA - 06/11
Aqueles que viajam de avião com alguma frequência já se acostumaram com a situação humilhante de ter que tirar cintos e sapatos antes do embarque a fim de passar pelo detector de metais sem provocar desconfianças. Pior ainda que despir-se de alguns pertences é ter que ficar de pernas e braços abertos no meio do saguão, diante de estranhos, para que algum agente rastreie nosso corpo a fim de retirar as dúvidas que ficaram.
A mesma humilhação acontece nas portas giratórias de bancos, onde temos que abrir nossas bolsas a fim de provar que não carregamos nada além de carteiras, pentes e batons, e dá-lhe o vai e volta atrás da faixa até ter a entrada autorizada. Melhorou a segurança dos bancos? É bem verdade que não há mais saques à mão armada direto com o gerente. Agora, os marginais mandam aos ares os caixas eletrônicos, simples assim.
Mesmo sabendo que existe um motivo justificado para tratar a todos como suspeitos, é desconfortável passar por essas inspeções. Quando alguém desconfia de nós, automaticamente nos sentimos como se fôssemos mesmo criaturas do mal. A condição de investigado estimula em nós uma autocrítica delirante e nos faz encontrar razões para sentirmos alívio toda vez que “escapamos”. Percebo isso quando, no aeroporto, aguardo minha bagagem de mão passar pelo pequeno túnel do raio X. Por trás da franja de couro negro, vislumbro a bandeja que finalmente vem ao meu encontro, que bênção.
Porém, de repente, a esteira dá marcha a ré e o material retorna para dentro da cabine escura, alguma imagem não ficou bem nítida. Será que descobriram uma arma enrolada no cashmere? Segundos de alta tensão, começo a suar frio, fico preparando em silêncio o que direi em minha defesa, e então lá vem a bandeja de novo, aleluia. Agora é só recolher o que é meu e encontrar logo o portão de embarque antes que percebam o perigo de eu estar zanzando livremente entre a multidão.
O ofício de escrever também estimula investigações minuciosas. Elaboramos a narrativa de forma a garantir que as palavras traduzam nossos pensamentos com clareza, que estabeleçam uma conexão verdadeira com quem nos lê, mas há sempre um leitor que desconfia de que estamos escondendo alguma ideia proibida, que há no texto um sentido oculto, que estamos traficando um recado para algum destinatário, que há uma confissão enrolada no cashmere. O escritor é sempre um suspeito nato.
E assim vamos vivendo em constante estado de defesa, como se fôssemos culpados simplesmente por aparentar inocência. Fato é: ninguém acredita mais em aparência e tampouco que ainda haja inocentes. Assim sendo, todos nós somos autopsiados em vida por gente atrás de provas de que não viemos ao mundo a passeio.
Aqueles que viajam de avião com alguma frequência já se acostumaram com a situação humilhante de ter que tirar cintos e sapatos antes do embarque a fim de passar pelo detector de metais sem provocar desconfianças. Pior ainda que despir-se de alguns pertences é ter que ficar de pernas e braços abertos no meio do saguão, diante de estranhos, para que algum agente rastreie nosso corpo a fim de retirar as dúvidas que ficaram.
A mesma humilhação acontece nas portas giratórias de bancos, onde temos que abrir nossas bolsas a fim de provar que não carregamos nada além de carteiras, pentes e batons, e dá-lhe o vai e volta atrás da faixa até ter a entrada autorizada. Melhorou a segurança dos bancos? É bem verdade que não há mais saques à mão armada direto com o gerente. Agora, os marginais mandam aos ares os caixas eletrônicos, simples assim.
Mesmo sabendo que existe um motivo justificado para tratar a todos como suspeitos, é desconfortável passar por essas inspeções. Quando alguém desconfia de nós, automaticamente nos sentimos como se fôssemos mesmo criaturas do mal. A condição de investigado estimula em nós uma autocrítica delirante e nos faz encontrar razões para sentirmos alívio toda vez que “escapamos”. Percebo isso quando, no aeroporto, aguardo minha bagagem de mão passar pelo pequeno túnel do raio X. Por trás da franja de couro negro, vislumbro a bandeja que finalmente vem ao meu encontro, que bênção.
Porém, de repente, a esteira dá marcha a ré e o material retorna para dentro da cabine escura, alguma imagem não ficou bem nítida. Será que descobriram uma arma enrolada no cashmere? Segundos de alta tensão, começo a suar frio, fico preparando em silêncio o que direi em minha defesa, e então lá vem a bandeja de novo, aleluia. Agora é só recolher o que é meu e encontrar logo o portão de embarque antes que percebam o perigo de eu estar zanzando livremente entre a multidão.
O ofício de escrever também estimula investigações minuciosas. Elaboramos a narrativa de forma a garantir que as palavras traduzam nossos pensamentos com clareza, que estabeleçam uma conexão verdadeira com quem nos lê, mas há sempre um leitor que desconfia de que estamos escondendo alguma ideia proibida, que há no texto um sentido oculto, que estamos traficando um recado para algum destinatário, que há uma confissão enrolada no cashmere. O escritor é sempre um suspeito nato.
E assim vamos vivendo em constante estado de defesa, como se fôssemos culpados simplesmente por aparentar inocência. Fato é: ninguém acredita mais em aparência e tampouco que ainda haja inocentes. Assim sendo, todos nós somos autopsiados em vida por gente atrás de provas de que não viemos ao mundo a passeio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário