quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Orfandade política



Ana Luiza Archer e Altamir Tojal
É cada vez maior a parcela da população inconformada com a corrupção e com as ameaças à democracia. Mas é gente que vive na orfandade política: não se sente representada por líderes, partidos e mesmo organizações tradicionais da sociedade.
O Brasil colecionou importantes vitórias para a democracia no ano passado. Houve o reconhecimento dos poderes do Conselho Nacional de Justiça para fiscalizar o Judiciário, a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, a vigência da Lei do Acesso à Informação e o julgamento do Mensalão. Houve também frustrações como a pizza do Cachoeira, a desmontagem da Comissão de Ética da Presidência da República e a crescente submissão do Congresso Nacional ao Executivo.
As vitórias de 2012 tiveram o empurrão dos brasileiros que fizeram a diferença atuando nas redes sociais e nas ruas, denunciando a relação direta da corrupção com a injustiça social, a degradação dos serviços públicos e a ameaça à democracia. Mas o bom resultado para a cidadania acuou personagens poderosos. A aliança de oligarquias conservadoras, políticos corruptos, empresários desonestos e mentes totalitárias não tem interesse na justiça e na democracia. É uma máquina gigantesca apoiada pela propaganda, pelo silêncio e cumplicidade de beneficiários de verbas, patrocínios e bolsas.
Com exceção de setores da imprensa, da justiça e do ministério público, tudo parece dominado por esse sistema de poder. Ao longo do tempo, a visão crítica na sociedade foi enfraquecida e aumentou a desconfiança pela política. A corrupção tem esse efeito devastador: quanto mais cresce, mais desencanta o eleitor e enfraquece a cidadania, ajudando a reprodução do poder pelos que já o exercem.
RETROCESSO
Este ano começa com José Genoino, condenado pelo Supremo, assumindo vaga de deputado e xingando jornalistas de “torturadores modernos”. Ora, se o ex-presidente do PT está sendo torturado é por sua própria consciência, se é que lhe resta alguma. Chega também a notícia de que Renan Calheiros volta à presidência do Senado. Escárnio. Há a ameaça de condenados do Mensalão e acusados do Rosegate de desmoralizar o STF e impor o controle da mídia, que em bom português quer dizer censura à imprensa. E está na agenda do Congresso Nacional a PEC 37, ou Lei da Impunidade, que retira do Ministério Público o poder de investigar.
É preciso consolidar as vitórias de 2012 e evitar retrocessos. Hoje predomina no país um forte sentimento de repulsa à corrupção e à impunidade, mas ainda é grande o ceticismo quanto a mudanças nessa realidade. Mesmo o cumprimento das sentenças do Mensalão parece quimera.
No ano de 2013 dos nossos sonhos, Genoíno e os outros deputados mensaleiros terão vergonha na cara e renunciarão aos mandatos. O Senado não aceitará a volta de Calheiros. As penas do Mensalão serão cumpridas. A presidente Dilma fará faxina de auxiliares corruptos antes dos escândalos serem publicados na imprensa. E indicará um novo ministro para o Supremo tão independente como Joaquim Barbosa. O PT fará autocrítica e abandonará projetos totalitários, como o controle da mídia. E o Congresso derrubará a Lei da Impunidade.
Queremos acreditar que parlamentares, governadores e prefeitos não se submeterão à União em troca de cargos, verbas e emendas. Queremos confiar na atuação independente de sindicatos, entidades estudantis e movimentos sociais hoje anestesiados por subsídios do governo.
Mas o mundo real do poder não se comove com sonhos e desejos. É cada vez maior a parcela da população inconformada com a corrupção e com as ameaças à democracia. Mas é gente que vive na orfandade política: não se sente representada por líderes, partidos e mesmo organizações tradicionais da sociedade. O jogo ficou mais pesado. Campanhas na Internet e ações nas ruas ajudam mas não bastam. Vemos, neste começo de 2013, apostas da oposição no enfraquecimento da economia e na divisão do campo político no poder, com vistas à eleição de 2014. Mas não vemos políticos e entidades importantes mobilizando a população para a defesa da democracia. Sem isso, corremos o risco de ter saudade de 2012.
Ana Luiza Archer, engenheira, e Altamir Tojal, jornalista, são coordenadores
do Movimento 31 de Julho Contra a Corrupção e a Impunidade.

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