Quando o projeto ainda estava na superfície, os executivos da Odebrecht foram procurados por José Amaro Pinto Ramos. Veterano lobista, José Amaro atuou, segundo vários delatores da Odebrecht, no submundo de negócios que envolveram governos tucanos e empresas francesas no ramo do metrô. Historicamente, José Amaro tem conexões na França, para onde vai com frequência. Em suas delações, os executivos da Odebrecht contam que o conheciam dessas obras tucanas. José Amaro foi citado como titular de contas na Suíça, usadas para repassar e 8 milhões a José Serra, entre 2006 e 2009. A participação dele no caso do submarino, no entanto, não fica clara pelos depoimentos dos executivos. Eles afirmam que o lobista chegou como representante da DCNS, era um elemento de fora do circuito petista. A empresa francesa fez um pedido inusitado: que a Odebrecht arcasse com os pagamentos a José Amaro, pois, como é estatal, não tinha meios de justificar tal gasto. De acordo com os executivos delatores, José Amaro cobrou e 40 milhões, pagos em conta em um banco no paraíso fiscal de Antígua. Os delatores afirmam que José Amaro repassaria parte do dinheiro, mas não sabem dizer a quem. Há a suspeita de que ele tenha distribuído a propina no exterior. José Amaro ainda não foi chamado a depor.
Obviamente, José Amaro não seria o único. Tempos depois, o Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht recebeu pedido para fazer pagamentos também ao almirante Othon Luiz da Silva Pinheiro. Além de marinheiro, Pinheiro foi presidente da Eletronuclear. Tido como uma sumidade nacional em temas nucleares, era ágil como um elétron na corrupção. Foi à Odebrecht e apresentou-se como idealizador do projeto dos submarinos ainda na década de 1970, o que faria jus a uma remuneração. Preocupado com o fato de a Odebrecht não ter experiência com projetos nucleares – afinal, fora escolhida por ser parceira do PT –, o executivo Benedicto Junior achou conveniente ter o almirante na órbita e autorizou o pagamento. Pinheiro, segundo os delatores, recebeu um total de e 2 milhões, entre 2012 e 2014, por meio de repasses em contas de operadores na Suíça e também em dinheiro vivo, entregue no conforto de sua casa. Também recebeu dinheiro de José Amaro, segundo os depoimentos. Condenado pela Justiça Federal em julho por propinas relacionadas à construção da usina atômica de Angra 3, Pinheiro cumpre pena de 43 anos de cadeia.
Mas esses foram preâmbulos periféricos. Segundo os delatores, o grosso do dinheiro sujo do Prosub foi parar no caixa do PT e bancou o ex-presidente Lula. Por sua importância e grandiosidade, o projeto era tratado por Marcelo Odebrecht com interlocutores graduados do governo e do partido. O primeiro foi o ex-ministro Antonio Palocci, o “Italiano”. A partir de 2012, Palocci foi substituído por Guido Mantega, o “Pós-Itália”, seu sucessor no Ministério da Fazenda. Como se tratava de um projeto especial, a propina derivada tinha de ter uma destinação especial. Marcelo decidiu vinculá-la à conta “Italiano”, destinada a Palocci, e depois à “Pós-Itália”, relativa a Mantega. Marcelo Odebrecht calcula que as contas “Italiano” e “Pós-Itália” consumiram R$ 300 milhões entre 2008 e 2014.
Desse valor, R$ 50 milhões vieram do Prosub. Dos registros da planilha “Italiano” consta uma linha atribuída à conta “Amigo”, que Marcelo Odebrecht explica em sua delação ser destinada a gastos da empresa com o ex-presidente Lula. Segundo seu relato, depois da eleição de 2010, houve um acerto com Palocci segundo o qual os restos da conta “Italiano”, cerca de R$ 35 milhões, seriam convertidos em crédito para a conta “Amigo”. “Teve pagamentos que eram pedidos em dinheiro por Palocci, dizendo que era para abater da conta Amigo, mas não consigo dizer qual foi o destino, porque foi tirado em espécie”, disse. O dinheiro do Prosub, portanto, segundo os delatores, ajudou a bancar gastos de Lula.
O dinheiro do Prosub ajudou a bancar, de acordo com Marcelo, pagamentos – com ordem de Palocci – ao marqueteiro João Santana, responsável pelas campanhas de Dilma à Presidência em 2010 e de Fernando Haddad à prefeitura de São Paulo em 2012, em contas no exterior, a inúmeros candidatos petistas e ao partido. Alguns saíram como doações oficiais e outros como caixa dois. Há, ainda, um pagamento de R$ 12 milhões relacionado a “prédio IL”, de Instituto Lula. A Odebrecht comprou um terreno para construir a sede da entidade, mas a obra não foi realizada, e a área foi vendida depois. A conta “Pós-Itália” também bancou gastos da campanha de Dilma em 2014.
Como queria receber em dia, a Odebrecht atrelou a propina do Prosub às contas mais caras à cúpula do PT. “Por que Prosub? Era aquele (projeto) que demandava maior agenda. Então, novamente dentro daquela lógica: se o Guido está me liberando R$ 1 bilhão, R$ 700 milhões, é obvio que na cabeça dele e do Palocci que cria uma expectativa em função disso.” Deu certo. Em 2011, 2012 e 2013, a Marinha atrasou pagamentos à Odebrecht. Avisado por Benedicto Junior, Marcelo recorreu a Palocci e a Mantega e conseguiu a liberação dos milhões devidos: R$ 239 milhões em 2011, R$ 700 milhões no ano seguinte e R$ 676 milhões no outro. “Tenho consciência de que a priorização dada ao seu orçamento tinha como uma de suas motivações nosso elevado volume de pagamentos ao PT/governo federal, acordados com Antonio Palocci e Guido Mantega na qualidade de interlocutores dos governos Lula e Dilma”, afirma Marcelo.
O projeto do submarino nuclear nasceu há quase uma década, quando o então presidente Lula defendia a ideia de que o Brasil precisava reforçar sua defesa marítima, devido à exploração do petróleo no pré-sal, a 200 quilômetros da costa. Em 2009, o então presidente francês, Nicolas Sarkozy, visitou o Brasil e assinou com Lula o acordo, que prevê transferência de tecnologia. Lula hoje é réu na Lava Jato, acusado de crimes relacionados à corrupção. Sarkozy desistiu de ser novamente candidato à Presidência na França, por ser suspeito de corrupção. O futuro político deles é incerto. O dos submarinos também. Pela programação, entre 2018 e 2022, os submarinos convencionais serão lançados. O de propulsão nuclear submerge em 2027. Mas o abalo da corrupção deverá atrasar as coisas.
O Instituto Lula afirma que “jamais recebeu qualquer terreno da Odebrecht” e que recebeu doações de dezenas de empresas e indivíduos diferentes, todas registradas. Sobre a conta “Amigo”, o instituto diz que esta é a “mais leviana das ilações”. “Se for verdadeiro o depoimento, Marcelo Odebrecht teria feito, na verdade, um aprovisionamento em sua contabilidade para eventuais e futuros transferências ou pagamentos”, o que seria, de acordo com o instituto, uma decisão da empreiteira.
O advogado de José Amaro Pinto Ramos, Eduardo Carnelós, diz que seu cliente foi remunerado por serviços prestados a uma empresa privada e que não teve interlocução com agentes públicos. Diz considerar “absurdas” as acusações de “envolvimento com a prática de lobby e corrupção” feitas a José Amaro e que o cliente nunca teve negócios com o PSDB. Por meio de nota, o senador José Serra disse que “jamais recebeu vantagens indevidas da Odebrecht e sempre pautou sua carreira política na austeridade em relação aos gastos públicos”. Afirmou ainda apoiar a abertura das investigações, para comprovar “a lisura de sua conduta”. A DCNS informou que “respeita as regras brasileiras e internacionais, as mais altas normas de controles internos e os termos do contrato do Prosub”. Nega ter orientado, instruído ou solicitado pagamentos ilícitos. A Marinha nega terem ocorrido atrasos em pagamentos relacionados ao Prosub, como diz a Odebrecht, e afirma desconhecer qualquer irregularidade envolvendo o projeto. As defesas de Dilma Rousseff, Guido Mantega, Antonio Palocci e do almirante Othon Pinheiro não responderam aos pedidos de entrevista.
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