terça-feira, 14 de outubro de 2014

Delator da Petrobras diz que a campanha de Dilma em 2010 foi beneficiada por dinheiro desviado


O ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef afirmam que o PT foi o partido mais contemplado pela propina. As revelações estarrecedoras escancaram a falência moral do Estado nos últimos anos

Josie Jerônimo (josie@istoe.com.br)
Na quarta-feira 8, vieram à tona áudios de depoimentos feitos em regime de delação premiada na Justiça Federal em Curitiba por Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, e pelo doleiro Alberto Youssef – considerados hoje dois dos maiores arquivos vivos da República e detentores dos segredos mais explosivos da maior estatal do País. As declarações dos delatores descrevem uma gigantesca rede de corrupção formada por dirigentes da Petrobras, empreiteiras e partidos políticos integrantes da base de sustentação do governo Dilma Rousseff. As revelações são estarrecedoras. A corrupção estatal poucas vezes foi exposta de maneira tão crua e direta narrada abertamente por seus executores a serviço do Estado. Nos áudios, os depoentes apontam PT, PMDB e PP como as legendas beneficiadas pelo propinoduto e colocam sob suspeição a campanha de 2010 da presidenta Dilma Rousseff. “Dos 3% da Diretoria de Abastecimento, 1% seria repassado para o PP e os 2% restantes ficariam para o PT. Isso me foi dito com toda a clareza”, afirmou o ex-diretor da Petrobras. “Outras diretorias também eram PT. O comentário que pautava dentro da companhia era que em alguns casos os 3% ficavam para o PT”, acrescentou. Um dos operadores dos desvios na Petrobras, de acordo com os depoimentos, era João Vaccari Neto, tesoureiro do PT. Indicado para o cargo pelo ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-diretor de Serviços Renato Duque e Nestor Cerveró, ex-dirigente da Área Internacional da Petrobras da cota do PMDB, também recebiam propina. “Bom, era conversado dentro da companhia e isso era claro que sim. Sim. A resposta é sim”, afirmou Paulo Roberto Costa, questionado sobre o pagamento de suborno aos dois. As movimentações irregulares, segundo disseram, continuaram até 2012, quando Costa deixou a estatal, e pode ter contaminado a atual campanha de Dilma à reeleição.
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É fato que se a sociedade brasileira encarar como natural esse assalto à coisa pública terá de estar preparada para aceitar todo e qualquer tipo de desmando de seus governantes. Os limites estarão rompidos indissoluvelmente. Mas, sabe-se, não é da índole do brasileiro compactuar com malfeitos. Neste caso, malfeitos perpetrados no coração da maior estatal do País, motor do desenvolvimento e outrora símbolo da soberania nacional. O dinheiro desviado tinha origem no superfaturamento dos contratos da Petrobras. A taxa média do sobrepreço, além da boa margem de lucro, girava em torno de 3%. Paulo Roberto Costa explicou como funcionava a fábrica de dinheiro para as campanhas políticas e o bolso dos corruptos. Costa confessou que atuava como guardião dos numerários da corrupção. Ele intermediava contatos políticos, gerenciava o pagamento de propina das empreiteiras e cuidava dos critérios da distribuição dos lucros aos partidos envolvidos. O ex-diretor foi assertivo ao apontar o PT como o maior beneficiário dos desvios. Cada partido tinha seus próprios operadores. De acordo com os depoimentos, o ex-deputado José Janene (PR), que faleceu em 2010, e Youssef eram os responsáveis por distribuir o dinheiro da propina no PP. Eles também entregavam a parte que cabia ao ex-diretor da Petrobras por sua atuação nas irregularidades. Costa não detalhou como era feita a divisão dos recursos no PT, tarefa do tesoureiro João Vaccari. No organograma do crime, o delator aponta o ex-diretor de Serviços Renato Duque, apadrinhado de José Dirceu, como o contato do tesoureiro do PT na estatal. 
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O MAGISTRADO
Os depoimentos, colhidos pelo juiz Sérgio Moro,
impressionaram pela riqueza de detalhes e pela
sofisticação do esquema corrupto narrado
A farra da base aliada na estatal se iniciou, de fato, em 2007, quando a Petrobras direcionou o orçamento para grandes projetos, como a construção de refinarias. Mas a idealização e a montagem da rede de corrupção remetem a 2004, com a nomeação de Paulo Roberto Costa para a Diretoria de Abastecimento. Na cúpula da estatal, ele teve grande importância na ampliação do poder do cartel das empreiteiras e na geração de mais divisas para a ala de políticos da quadrilha. Por isso, contou com o lobby de fortes lideranças do cenário nacional para chegar ao posto, com o aval do Palácio do Planalto. Nesse ponto, o doleiro Youssef fez uma das revelações mais importantes de seu depoimento. “Para que Paulo Roberto Costa assumisse a cadeira de diretor da Diretoria de Abastecimento, esses agentes políticos trancaram a pauta no Congresso durante 90 dias. Na época o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficou louco, teve que ceder e realmente empossar o Paulo Roberto Costa”, contou Youssef no interrogatório.
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Ao afirmar que Lula se curvou aos interesses de um bando especializado em drenar dinheiro dos cofres da Petrobras, o doleiro pode ter fornecido um dos fios da meada para se entender como os governos petistas contemplaram as práticas ilícitas. Registros do Congresso trazem indícios de que o doleiro, realmente, tinha razão. Na primeira quinzena de abril de 2004, um mês antes de Costa ser nomeado diretor da Petrobras, o governo Lula sofreu com uma rebelião da base, capitaneada pelo PMDB. À época, o presidente mandou ao Congresso uma medida provisória que reajustava o salário mínimo para R$ 260. Para retaliar o governo, a base passou a exigir o cumprimento de uma promessa de campanha de Lula, que previa o salário mínimo a US$ 100, o equivalente a R$ 289. O PT trabalhava, ainda, para aprovar um projeto que criava 2.800 cargos de confiança no governo. O PP de José Janene passou algumas semanas sem sequer registrar presença no plenário, com o único objetivo de prejudicar o governo do Planalto. Renan Calheiros (PMDB-AL), hoje presidente do Congresso e também citado nas investigações da Lava Jato, comandou a rebelião no Senado.
Presos no início do ano durante a Operação Lava Jato da Polícia Federal, Costa e Youssef aceitaram contribuir com as investigações em troca do abrandamento de suas penas. Nos depoimentos em Curitiba, eles não tinham autorização para explicitar os nomes das autoridades com direito a foro especial, caso de parlamentares, por se tratar de Justiça de primeira instância. Esses casos são apurados somente no Supremo Tribunal Federal (STF).
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OS SEGREDOS DO DOLEIRO
Preso em Curitiba, Alberto Youssef disse que o Congresso ameaçou
paralisar a pauta e Lula capitulou às pressões para
que Paulo Roberto Costa fosse nomeado
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Mesmo sem poder citar nomes, o ex-diretor forneceu informações que, de forma indireta, tiram o sono de muitas autoridades. O delator descreveu, por exemplo, uma consultoria prestada a um político fluminense candidato a cargo majoritário, que queria fazer um plano de governo direcionado ao setor de energia para captar recursos de financiamento de campanha das empresas da área. Costa também envolveu o PMDB ao citar a Diretoria Internacional da Petrobras como feudo da sigla. Segundo o ex-diretor, o responsável por fazer o serviço sujo do recolhimento da propina junto às empreiteiras seria Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano. “Na Diretoria Internacional, o Nestor Cerveró foi indicado por um político e tinha ligação forte com o PMDB”, disse o delator. Nos bastidores do Congresso, atribui-se a indicação de Cerveró a Renan Calheiros.
“Em diretorias como gás, energia e exploração, o comentário
na companhia é que 3% ficavam com o PT”
Chamou a atenção dos investigadores o tom de deboche muitas vezes adotado nas conversas dos envolvidos nas práticas corruptas. Nesse contexto, uma das expressões mais usadas pelos interlocutores era um trecho da Oração de São Francisco de Assis, aquele que prega “é dando que se recebe”. “Nós tínhamos reuniões, com certa periodicidade, com esse grupo político e nesses encontros comentava-se, recebemos isso, recebemos aquilo”, afirmou o ex-diretor, sobre os acertos de propina. As cifras astronômicas que abasteciam o esquema são tratadas com naturalidade pelo ex-diretor, mas deixam confusos até mesmo os experientes investigadores do caso. Ao narrar episódio em que recebeu R$ 500 mil das mãos do presidente da Transpetro, Sérgio Machado, por ter ajudado a intermediar contratação de empresas de navios, os interrogadores não esconderam o espanto e questionaram Costa sobre a forma de pagamento da propina. “Uma parcela”, respondeu.
“Tem uma tabela e ela revela valores de agentes
de vários partidos relativos à eleição de 2010”
Meio milhão de reais é uma cifra desprezível no universo de dígitos dos contratos firmados entre as empreiteiras que compunham o cartel que dominou a Petrobras. Relatório da Polícia Federal estima que, de R$ 5,8 bilhões em transações firmadas, R$ 1,4 bilhão escoou pelo ralo graças a obras superfaturadas para abastecer a quadrilha. Paulo Roberto Costa apontou 11 empresas envolvidas nos desvios. Ele detalhou a ação orquestrada das companhias, mas faz questão de dizer que nem todos os contratos da estatal estão contaminados. Como exemplo, ele cita a Refinaria Abreu e Lima, de Pernambuco. De acordo com Costa, o empreendimento reúne aproximadamente 50 empresas, mas o cartel não encampa todas as contratadas. A máquina de irregularidades era tocada pelas empreiteiras Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Mendes Júnior, UTC, Engevix, Iesa, Toyo Setal, Galvão Engenharia, OAS e Queiroz Galvão. O delator listou, também, o nome de diretores responsáveis por negociar as condições especiais proporcionadas às firmas. As empreiteiras repudiaram publicamente as denúncias. O ex-diretor envolveu os altos escalões das empresas: “Os presidentes das companhias tinham conhecimento do esquema”. As empresas agiam como se fossem donas da Petrobras, segundo relato do delator. Rateavam os contratos conforme a disponibilidade de suas equipes e determinavam a taxa de lucro que queriam. Quando uma firma fora do grupo conseguia romper a barreira do cartel, as empreiteiras protestavam. “Às vezes participaram empresas que não eram do cartel, ganhavam a licitação e isso deixava as empresas do cartel muito zangadas”, afirmou.
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DRENAGEM DE BILHÕES
Erguida ao custo de US$ 20,1 bilhões - valor dez vezes superior ao
estimado preliminarmente (US$ 2,5 bilhões) -, a Refinaria Abreu e
Lima é o retrato da corrupção, incompetência e malversação
de recursos, revelou a Polícia Federal
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O cartel formado pelas empreiteiras para sangrar as contas da Petrobras, segundo Paulo Roberto Costa, agia também em alguns ministérios. A rede de pagamento de propina da estatal funcionaria para abrir portas em pastas com gordos orçamentos para obras de infraestrutura. “Empresas que tinham interesses em outros ministérios, capitaneados por partidos, participaram de obras de rodovias, saneamento básico, do Minha Casa Minha Vida. No meu tempo na Petrobras, nenhuma empresa deixou de pagar propina. Se você cria um problema de um lado, pode gerar de outro”, afirmou.
“Na refinaria Abreu e Lima a Camargo Corrêa participou
do cartel e efetuou os repasses a políticos”
Ao fim do trabalho de análise e recolhimento de provas, os empresários atrelados à fraude responderão a processo criminal. Além dos relatos do ex-diretor, os investigadores da Lava Jato conseguiram obter de uma das companhias um tipo de colaboração no formato de um acordo de leniência. A empresa está ajudando a reunir provas financeiras para demonstrar a atuação do cartel. A ajuda garantirá a essa empreiteira a possibilidade de evitar sanções, como firmar novos contratos com o poder público. Seus diretores, no entanto, terão de responder penalmente pela participação nas negociatas.
“Recebia em espécie na minha casa, no shopping ou escritório.
Recebi da Transpetro R$ 500 mil e quem pagou foi Sérgio Machado
A divulgação do interrogatório do doleiro e do ex-diretor da Petrobras incendiou o ambiente eleitoral e os citados se apressaram em repudiar as acusações. O ex-presidente Lula usou um repertório que já lhe é peculiar ao reagir às novas denúncias. Em discurso em Campo Limpo, São Paulo, bradou como se vítima fosse e como se ele e o seu partido estivessem acima do bem e do mal: “Eu já estou de saco cheio (das denúncias contra o PT). Daqui a pouco eles estarão investigando como nós nos portávamos dentro do ventre da nossa mãe”. No governo, intensificam-se as pressões para a demissão de Sérgio Machado, da Transpetro, que teria entregado R$ 500 mil para Paulo Roberto Costa. O objetivo é evitar mais desgastes para o Planalto. O PT, como Lula, também cumpre roteiro conhecido. Pretende procurar o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, para pedir que não ocorram novos vazamentos, durante o segundo turno das eleições, dos depoimentos feitos em sigilo de justiça. Zavascki desempenha papel de protagonista nas investigações. Como ministro do STF, instância responsável por julgar políticos e autoridades com foro privilegiado, coube a ele validar os depoimentos colhidos pelo juiz Sérgio Moro. Na etapa atual, ele analisa as provas colhidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal que envolvem parlamentares e ministros do Estado na rede de corrupção. Não são poucas.
“Dentro do PT a ligação do diretor de serviço
era com o tesoureiro, o senhor João Vaccari”
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Fotos: JF DIORIO/AE, Nacho Doce/Reuters, Ricardo Borges/Folhapress; Guga Matos/JC Imagem/Folhapress

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