segunda-feira, 21 de abril de 2014

Por que reformar a previdência? - BERNARD APPY


O Estado de S.Paulo - 21/04

Usualmente o debate sobre a necessidade de reforma da previdência tem como referência o enorme custo fiscal dos benefícios previdenciários - que tendem a crescer à medida que a população envelhece. Esse é um tema extremamente importante para o Brasil, mas não é o tema deste artigo.

Neste artigo (e nos próximos dois artigos) buscarei mostrar como o atual modelo de previdência social no Brasil tem distorções que fazem com que os benefícios da previdência social pública se afastem de sua função social, que é a de garantir que pessoas que perderam a capacidade de auferir renda não fiquem desprotegidas. Essas distorções geram riscos e ampliam de forma relevante o custo para a sociedade de financiamento do sistema.

O tema deste artigo é o das pensões por morte. A pensão por morte é o valor pago aos dependentes do segurado, no caso de morte deste. Usualmente os dependentes são a própria família - cônjuge e filhos menores - do segurado.

Quando pensamos na função social da previdência, a razão da existência da pensão por morte é preservar ou, no mínimo, evitar uma piora relevante da qualidade de vida dos dependentes do segurado que faleceu.

No Brasil, a legislação que regulamenta a previdência social estabelece que o valor da pensão por morte é de cem por cento do valor da aposentadoria recebida pelo segurado que faleceu, caso ele já estivesse aposentado, ou da aposentadoria por invalidez que teria direito a receber, caso ainda estivesse trabalhando. No caso do regime geral de previdência social (INSS), o valor mensal da aposentadoria é de no mínimo um salário mínimo e no máximo o teto do salário de benefício, hoje fixado em pouco menos de R$ 4.400. Para os servidores públicos, na maior parte dos casos, o valor da aposentadoria é o próprio salário do servidor.

Pela legislação brasileira, o valor da pensão é distribuído em partes iguais entre todos os dependentes. Quando algum dos dependentes perde o direito à percepção do benefício, como por exemplo quando um filho menor do segurado completa 21 anos, a parte a ele devida é rateada entre os demais dependentes. Isto significa que o valor da pensão é mantido integralmente até que o último dependente do segurado venha a falecer ou perca o direito ao benefício.

Embora não seja evidente, este modelo de cálculo e de distribuição da pensão por morte afasta-se claramente do que deveria ser a função social da previdência. Este ponto fica claro quando tratamos de algumas situações específicas, o que é feito a seguir.

A primeira situação é o próprio cálculo do valor inicial da pensão. Quando o segurado morre, há uma redução no número de pessoas da família. Neste contexto, o valor necessário para manter a qualidade de vida da família é inferior ao que era necessário anteriormente. Como o valor da pensão é integral, isto significa que (para os segurados que são funcionários públicos ou para aqueles cuja renda é inferior ao teto do salário de benefício - que é a maioria da população brasileira) há um aumento na renda per capita da família. Obviamente, este grau de proteção vai além do que é justificável pela função social da previdência, que é a de preservar a qualidade de vida dos dependentes.

Nos sistemas de previdência da grande maioria dos países, o valor inicial da pensão por morte é fixado em um montante inferior ao da renda (ou da aposentadoria) do segurado. Em alguns países este ajuste considera apenas o número de dependentes. Em outros se considera também a renda dos dependentes.

A segunda situação que merece ser comentada é quando os filhos menores alcançam a maioridade (pela legislação aos 21 anos) e se tornam independentes. Neste caso, a parcela da pensão devida aos filhos que alcançam a maioridade reverte para os demais dependentes. Trata-se de uma situação semelhante à primeira, ou seja, a renda per capita dos dependentes que seguem recebendo a pensão aumenta, assim como sua qualidade de vida.

A título de exemplo, no caso de uma família de quatro pessoas (marido, mulher e dois filhos) em que apenas o marido trabalha, sua renda sustenta quatro pessoas. Caso ele venha a falecer, a pensão será equivalente a sua renda e sustentará três pessoas. Quando os dois filhos alcançarem a maioridade a pensão será mantida integralmente, mas passará a sustentar apenas uma pessoa.

Também neste caso, na maioria dos países há uma redução na pensão por morte quando os filhos menores alcançam a maioridade.

Por fim, a terceira situação que vale mencionar é aquela em que o dependente tem perfeitas condições de trabalhar e gerar renda. Este é o caso, por exemplo, de uma esposa jovem e sem filhos de um segurado que venha a falecer.

Na maioria dos países do mundo, em uma situação como esta, a pensão por morte é paga para a esposa apenas por um período (que pode ir de alguns meses a alguns anos). Após esse período se entende que a pessoa que recebe a pensão tem condições de trabalhar e auferir renda para seu sustento.

No Brasil, num caso como este, a esposa do segurado recebe uma pensão integral vitalícia, ainda que venha a trabalhar ou a se casar novamente.

Em nosso país, portanto, os benefícios de pensão por morte são maiores do que aqueles que seriam justificáveis pela função social da previdência. O custo desses benefícios é suportado por toda a sociedade, na forma de uma carga tributária maior, de menores despesas em outras áreas (como educação ou saúde), ou de uma maior dívida pública.

Por esta razão, justifica-se rever o atual modelo de cálculo das pensões por morte no Brasil. Obviamente, é politicamente muito difícil rever o valor dos benefícios já concedidos, mas no mínimo seria necessário rever as regras para a concessão de novos benefícios.

Voltarei ao tema da previdência em meus próximos artigos.

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