segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Corporativismo do Judiciário


Tenho grande respeito pelo Poder Judiciário, que é, sem dúvida, um dos pilares da democracia. Mas quando integrantes do Judiciário, independentemente de suas motivações subjetivas, começam a trafegar pelos desvios do corporativismo, as instituições entram em perigosa turbulência. Não se apresenta tranquilo o horizonte institucional deste início de 2012. A imagem do Judiciário tem sofrido penosos arranhões.

Como lembrou recente editorial do Estado, tão grave quanto a suspensão do poder do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de investigar juízes acusados de irregularidades, tomada em caráter liminar pelo ministro Marco Aurélio Mello, foi a liminar concedida pelo ministro Ricardo Lewandowski proibindo a Corregedoria Nacional de Justiça de quebrar o sigilo fiscal e bancário de juízes. Tomadas no mesmo dia, as duas decisões obrigam o órgão responsável pelo controle externo do Judiciário a interromper as investigações sobre movimentações financeiras suspeitas em várias Cortes - inclusive na maior delas, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, onde 17 desembargadores teriam recebido irregularmente R$ 17 milhões, por conta de antigos passivos.

Recentemente, a corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, afirmou que quase metade dos magistrados paulistas esconde os seus rendimentos. Segundo ela, em São Paulo foi descoberto que 45% dos magistrados descumpriram a legislação que obriga os servidores públicos a apresentar todos os anos a sua Declaração de Renda para que eventualmente ela seja analisada por órgãos de controle, como o CNJ.

Paira no ar a sensação de que por trás das recentes decisões de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) está um movimento corporativista para enfraquecer o CNJ. Tais decisões provocam crescente corrosão na imagem do Poder Judiciário. A sociedade assiste, atônita, aos movimentos que caminham na contramão da urgente necessidade de saneamento das instituições públicas.

Recentemente, essa percepção aumentou com surpreendentes declarações de Lewandowski ao jornal Folha de S.Paulo. Em entrevista, ele informou que só pretende concluir o seu voto no processo do chamado mensalão do PT em 2013. O próprio ministro admitiu que com o adiamento poderá ocorrer a prescrição de boa parte dos crimes imputados aos responsáveis pelo maior escândalo da República. Revisor do processo, Lewandowski justificou a possibilidade de adiamento com um argumento que desabou em menos de uma semana: só leria todos os volumes depois de receber um resumo do caso elaborado pelo relator, ministro Joaquim Barbosa.

Acontece que Joaquim Barbosa não só já havia posto à disposição de todos os ministros do STF - mais exatamente, na Base de Dados do próprio Supremo -, há bastante tempo, a íntegra do processo, como foi ainda mais contundente: acusou o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, de ter cometido um "lamentável equívoco" ao cobrar a liberação do conteúdo do processo do mensalão.

"Tomo a liberdade de dizer que o mencionado ofício (da cobrança feita por Peluso) encerra um lamentável equívoco", reagiu Barbosa, em resposta ao presidente da Suprema Corte. "Cumpre-me relembrar, ainda", observou o relator, "que os autos, há mais de quatro anos, estão integralmente digitalizados e disponíveis eletronicamente na Base de Dados do Supremo Tribunal Federal, cuja senha de acesso é fornecida diretamente pelo secretário de Tecnologia da Informação, autoridade subordinada ao presidente da Corte, mediante simples requerimento". Por esse motivo, acrescentou, não pode ele ser acusado de retardar o andamento da ação judicial.

Resumo da ópera: os ministros do STF têm todas as informações da causa há mais de quatro anos. Além disso, dispõem agora da íntegra do relatório de Barbosa, de 122 páginas, divulgado em dezembro.

Como escrevi neste espaço opinativo, julgar o mensalão não é uma questão de prazos processuais. É um dever indeclinável. Se o STF carimbar o mensalão com a prescrição, hipótese gravíssima, concederá, na prática, um passaporte para a institucionalização da impunidade.

A desqualificação do mensalão é essencial para aqueles que se apropriaram do Estado brasileiro. O primeiro sinal de tentativa de desmonte do esquema foi dado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva: ao deixar o governo, ele disse que sua principal missão, a partir de janeiro de 2011, seria mostrar que o mensalão "é uma farsa". A "farsa" a que se referia Lula derrubou ministros do seu governo, destituiu dezenas de diretores de estatais e mandou para o espaço a cúpula do seu partido.

Está nas mãos da Suprema Corte assumir o papel histórico de defesa da democracia e dos valores republicanos ou - Deus não queira - virar as costas para a cidadania. A sociedade tem o direito de confiar em Joaquim Barbosa, relator do mensalão. O ministro saberá honrar a sua toga e a sua biografia. Os brasileiros esperam que os demais ministros respondam à indignação da cidadania.

Observa-se um perigoso clima de decepção e desencanto, fruto direto da impunidade. Em nome do amplo direito de defesa, importante e necessário, a efetivação da justiça acaba se transformando numa arma dos poderosos de turno e numa sistemática frustração das esperanças dos mais desprotegidos. Aplicam-se ao pobre os rigores da lei e se concedem ao rico as vantagens dos infinitos recursos que o Direito reserva a quem pode pagar uma boa defesa.
 
A corrupção é um câncer que deve ser enfrentado por todos: jornalistas, magistrados e cidadãos. Chegou a hora do Supremo Tribunal Federal.

Por Carlos Alberto di Franco, doutor em Comunicação, é professor de Ética e diretor do Master em Jornalismo. E-mail: difranco@iics.org.br

Fonte: Jornal Estado de São Paulo

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