quarta-feira, 22 de agosto de 2012

E se alguém gritar: 'Absolvam José Dirceu?'



Carlos Chagas
Os organizadores estimam 7 mil pessoas, hoje, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, protestando contra a política de reforma agrária da presidente Dilma. Pode ser um pouco menos, mas o MST e a Contag costumam ser eficientes em suas manifestações. Ainda que sem relação de causa e efeito, engrossarão o coro dos grevistas que há dias promovem passeatas contra o governo pela Esplanada dos Ministérios. Nenhuma relação parecem ter com o julgamento do mensalão, ali do lado, mas…
Mas o clima ficará explosivo se algum sem-terra gritar “absolvam José Dirceu!” no meio da multidão. Essas coisas costumam pegar como o sarampo pegava em décadas anteriores.
É da democracia o povo sair para as ruas, mesmo dividido em categorias. Só que não deixa de ser estranho assistir tanta movimentação inusitada como neste mês de agosto, ironicamente quando a presidente da República atinge patamares de popularidade rarissimamente registrados antes.
Um sociólogo e um cientista político se arriscariam a explicar aquilo que para a maioria dos cidadãos parece inexplicável. Qual a razão desses protestos quando a opinião pública nacional afirma confiança e julga a administração federal ótima ou boa? Como repetimos de vez em quando, tem azeitona nessa empada.
Não dá para supor que tudo acontece por estarmos sendo governados por uma mulher. O machismo caiu de moda faz tempo. Também fica difícil aceitar o raciocínio de estarem as massas e a classe média sendo mais penalizadas do que de costume. Imaginar influência das manchas solares ou das fases da lua parece ridículo nos tempos atuais.
Por que diabo, então, esse surto de exigências salariais e sociais ? Não erra quem supuser uma orquestração. Paranóias à parte, conspira-se contra o governo de Dilma Rousseff. Em termos políticos, jamais as oposições. Quem sabe os aliados, aqueles que imaginaram tomar o governo de assalto e estabelecer um condomínio no poder? Com o PT à frente e o PMDB também reclamando por mais ministérios e diretorias de empresas estatais, aí estão penduricalhos como o PR, o PP, o PSB, o PTB, o PDT e outros.
Boa parte de seus líderes reagem por terem sido alijados no primeiro ano do atual governo. Mobilizam, assim, centrais sindicais e sucedâneos para deixar o palácio do Planalto na defensiva. Quem sabe conseguirão realizar o objetivo oculto? Ameaçam com 2014, ou seja, de não apoiar a reeleição da presidente. Lançam até, sem a concordância do próprio, o movimento “volta, Lula”.
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FESTIVAL DE BOBAGENS
Começou ontem e vai até 4 de outubro mais um festival de bobagens. Com as exceções de sempre, candidatos a prefeito e a vereador agredirão nossa paciência duas vezes por dia no rádio e outras tantas na televisão, pela propaganda eleitoral obrigatória. Houve tempo em que esse tipo de programação abriu as portas para a queda da ditadura. Dezesseis candidatos a senador pelo MDB elegeram-se nos então vinte estados existentes, na única eleição majoritária que restou no plano federal. Pregavam a volta à democracia. A surpresa obrigou os detentores do poder a baixar mais medidas de exceção, como a lei Falcão, que permitia apenas a exposição de fotografias dos candidatos, e o senador biônico, não votado mas indicado pelo partido do governo.
O mundo andou para a frente, restabeleceu-se a normalidade democrática e a propaganda eleitoral. Só que não havia mais ditadura para criticar. Os candidatos entraram nos vídeos e ocuparam os microfones prometendo o que jamais poderiam realizar: até milagres. Outra vez, com as exceções de sempre. O resultado foi, em especial nas eleições de prefeito e vereador, um suceder de fantasias apresentadas por nulidades. Sem esquecer os vigaristas. É mais ou menos o que começou ontem, com as devidas desculpas…

HUMOR - CHARGE



Afinal, qual é o problema de Cezar Peluso antecipar seus votos?



Carlos Newton
Os advogados de defesa dos mensaleiros, liderados pelo ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, fazem um escarcéu com o fato de o ministro Cezar Peluso ter de aposentar dia 3 de setembro e participar do julgamento do mensalão pela última vez dia 31 de agosto, que cai numa sexta-feira. A se acreditar nos ilustres causídicos, haveria até inconstitucionalidade se o ministro deixasse de votar as últimas fatias do caso do mensalão.
 Peluso sai dia 31
Afinal, por que o ministro Cezar Peluso não poderá antecipar suas últimos votos. Em que dispositivo do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal está determinada esta proibição?
É tudo uma grande conversa fiada, que faz parte do jus sperniandi de advogados insatisfeitos e sem argumentação válida para apresentar. Justamente por isso, o presidente do Supremo Tribunal Federal,  Ayres Britto, já afirmou que “fica a critério” do ministro Cezar Peluso decidir se vai pedir para antecipar o seu voto sobre o mensalão.
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ORDEM DE VOTAÇÃO
Como se sabe, pela ordem de votação, Peluso é sempre o sétimo a apresentar seu voto. Como o ministro precisa se aposentar até o dia 3 de setembro, quando ele completa 70 anos, ele deve participar de no máximo mais cinco sessões.
Como o Supremo decidiu fazer uma votação fatiada, analisando a denúncia em blocos e não de uma única vez, é lógico que se tornou impossível a participação de Peluso na análise dos crimes imputados aos principais políticos, entre eles o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu.
“Eu ainda não conversei com o ministro Peluso. Fica a critério dele [a antecipação]“, disse Ayres Britto à Folha.
Segundo advogados dos réus do mensalão, a antecipação do inteiro teor pode ferir o Regimento do Supremo, porque o artigo 135 do Regimento estabelece que “concluído o debate oral, o presidente tomará os votos do relator, do revisor, se houver, e dos outros ministros, na ordem inversa de antiguidade”.
Mas acontece que o parágrafo primeiro do mesmo artigo estabelece o seguinte: “Os Ministros poderão antecipar o voto se o Presidente autorizar”.
Então, como dizia o cantor ator Francisco Milani, que adorava política, era comunista e chegou a ser vereador no Rio de Janeiro, “não me venham com chorumelas…”

Justiça que renega seus próprios princípios



Roberto Monteiro Pinho
Por mais que se critique o Judiciário, e seus atores admitam que estejam em dificuldades para encontrar a solução para o caos que se instalou nos tribunais do país, é necessário que o governo encontre uma solução, sem que juízes e servidores exerçam junto aos legisladores o caráter intervencionista, conforme vem ocorrendo há duas décadas.
È fácil chegar a essa conclusão, levando em conta as inúmeras propostas lançadas pelo Judiciário no Legislativo, onde novas leis e emendas de leis não surtiram o menor efeito para desempactar a demanda e também solucionar o entrave jurisdicional.
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JUIZADOS ESPECIAIS
Enquanto os judiciários federal e estadual tiveram a implantação dos Juizados Especiais, o trabalhista ganhou o Rito Processual Sumaríssimo que trouxe alterações no texto da Consolidação das Leis do Trabalho. Mas por que isso ocorreu dessa forma? Por que a especializada também não teve implantado o seu Juizado Especial Trabalhista?
Há muito se instalou no judiciário trabalhista a cultura da reserva de mercado, seus integrantes estão fechados num ponto comum, “quem está fora não entra e quem está dentro não sai”, essa é a regra e a senha é o status dos atores que integram este judiciário.
Na verdade, de forma linear este projeto de justiça navega em águas turvas, registra um número elevado de ações (22 milhões), concentra o maior número de incidentes processuais (cerca de 40% das ações demandadas), e todas as medidas, apontadas como as solucionadoras dos problemas, quanto a morosidade e eficiência na solução do processo, naufragaram.
Hoje os advogados reclamam, a sociedade reprova, lembrando que em recente pesquisa de satisfação, esta especializada ficou com apenas 8% de credibilidade, situando-se entre os mecanismos menos eficientes do país.
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PENHORA ILEGAL
Então vejamos um fato pontual que merece reflexão, a penhora de conta corrente salário, aposentadoria e de proventos. Compartilho da corrente majoritária de que ante a proteção constitucional e o caráter alimentar dos vencimentos, salários e subsídios, a legislação não admite sua penhora, arresto ou sequestro (arts. 649, IV, 821 e 823, CPC). Nas relações de emprego, tem-se o princípio da intangibilidade salarial. Também é absolutamente impenhorável a quantia depositada em caderneta de poupança até o limite de 40 salários-mínimos (art. 649, X).
Este é o retrato de um Judiciário que brinca de esconde-esconde com coisa séria.

Começou o horário eleitoral, que de gratuito não tem nada



Carlos Newton
Começou nas emissoras de rádio e televisão a exibição da propaganda eleitoral dita “gratuita”. A exibição é obrigatória e vai até o dia 4 de outubro, com mais um dia de tolerância para a divulgação dos candidatos e partidos pela internet e nos veículos de imprensa, ou seja, até o dia 5 de outubro, e com propaganda liberada em alto-falantes e amplificadores até 6 do mesmo mês, que Deus os perdoe por nos perturbarem tanto. Em cidades do interior há tantos carros de som pelas ruas que um atrapalha o outro e ninguém consegue ouvir o que estão transmitindo.
As eleições municipais ocorrem nos dias 7 e 28 de outubro – primeiro e segundo turnos – e se destinam à escolha dos prefeitos, vice-prefeitos e vereadores. Em outubro, haverá eleições em mais de 5,5 mil municípios de todo o país.
De gratuito o horário eleitoral não tem nada. Já foi publicado no Diário Oficial da União o Decreto 7.791 que determina que as emissoras de rádio e televisão que exibirem a propaganda eleitoral gratuita terão dedução do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ).
Pelo decreto, haverá um coeficiente percentual para definir o valor a ser deduzido do IRPJ. As bases de cálculo para a dedução serão os recolhimentos mensais previstos na legislação fiscal e do lucro presumido. A apuração do valor de compensação será mensal, segundo o texto, com acréscimo por ser horário nobre e tudo o mais.
Ou seja, quem paga essa conta é você, respeitável cidadão.

Chávez lidera pesquisa de intenção de voto na Venezuela



Marco Antonio L. (do site Vermelho)
Mais uma pesquisa mostra larga vantagem de Chávez. Se as eleições fossem hoje, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, obteria 58,9 por cento dos votos, de acordo com uma sondagem do Centro de Medição e Interpretação de Dados Estatísticos 50.1.
 Chavéz se eterniza no poder
O estudo, divulgado domingo pelo jornalista José Vicente Rangel em seu programa do canal privado de TV Televen, relata que o candidato opositor Henrique Capriles, da chamada Mesa da Unidade Democrática, alcançaria 31,3 por cento dos votos.
Segundo a pesquisa, em um cenário polarizado, o chefe de Estado teria 63,8 por cento das intenções de voto e seu principal concorrente, 36,2 por cento, com uma diferença de 27,6 pontos a favor do presidente candidato à reeleição.
A pesquisa, realizada entre 6 e 14 de agosto com uma amostragem de 1,3 mil pessoas em todo o país, indica que também em cenário polarizado Chávez ganharia as eleições, com 9,3 milhões de votos.
Por sua parte, Capriles obteria cerca de cinco milhões de votos. A pesquisa tem uma margem de erro de cinco pontos percentuais.
As intenções de votos foram projetadas sobre um total de 14 milhões e 500 mil eleitores. Os resultados desta pesquisa coincidem com os apresentados pela grande maioria dos institutos, que situam em mais de 15 pontos percentuais a vantagem de Chávez.

HUMOR - Livre pensar é só pensar (Millôr Fernandes)



Joaquim Barbosa diz que presença dele no Supremo incomoda e faz críticas à imprensa


Débora Zampier (Agência Brasil)

O ministro Joaquim Barbosa, relator do processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal, disse  que a presença dele no Tribunal incomoda alguns veículos da imprensa. Sem citar nomes, o ministro também criticou a cobertura jornalística do julgamento.
“Gostaria de corrigir umas bobagens que foram ditas na imprensa. Há muita intolerância no Brasil. E para alguns periódicos neste país, incomoda muito a minha presença neste Tribunal”, disse Barbosa, em entrevista coletiva após sessão plenária de segunda-feira.
O ministro acredita que a imprensa polarizou de forma equivocada o debate sobre o formato de julgamento do mensalão, o que classificou como “falta de assunto” e “grande bobagem”. O plenário acabou acatando a proposta de Barbosa, que fatiou o julgamento por capítulos, em detrimento da proposta do revisor Ricardo Lewandowski, que defendia a leitura do voto de cada ministro por inteiro.
De acordo com Barbosa, não havia mistério sobre a disposição de seu voto, pois ele tornou seus critérios públicos em junho, em reunião administrativa para discutir o cronograma de julgamento da ação penal. Ele ainda disse que ocupou um posto “marginal” na discussão ocorrida na última quinta-feira passada sobre a metodologia do julgamento, e que o debate mais robusto foi travado entre os ministros Carlos Ayres Britto, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux e Gilmar Mendes.
Barbosa ainda disse que pode mudar seu ponto de vista após exposição dos colegas e que cabe apenas ao presidente decidir se o ministro Cezar Peluso deve antecipar seu voto. “Não é da minha alçada, é da alçada do presidente. Minha preocupação aqui é proferir um voto, se eu estiver na presidência eu decidirei”.
Peluso se aposenta compulsoriamente no próximo dia 3 de setembro, e a última sessão dele na Corte será no dia 31 de agosto. O ministro só conseguirá votar por completo caso se antecipe ao relator e ao revisor em determinados temas (fatias) do julgamento. O regimento do Supremo abre brecha para o adiantamento do voto, mas a manobra é tratada como exceção.

Ex-diretor do Banco do Brasil será o primeiro condenado no mensalão


Carlos Newton

Cometeu grave equívoco quem pensou que o ministro-revisor Ricardo Lewandoski iria absolver os réus do mensalão devido à sua amizade pessoal com o ex-presidente Lula. Logo na primeira oportunidade, Lewandowski votou nesta quarta-feira pela condenação do ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato por corrupção passiva e peculato.
 Pizzolato será a primeira vítima?
O relator, ministro Joaquim Barbosa, já havia votado pela condenação do ex-diretor do banco por peculato (desvio de recursos públicos), corrupção passiva e lavagem de dinheiro. E o revisor fez o mesmo, entendendo que Pizzolato recebeu vantagens para favorecer a empresa de publicidade de Marcos Valério, considerado na denúncia como operador do esquema.
O ex-diretor do Banco do Brasil recebeu, em um envelope, R$ 326 mil de Valério sacado em uma agência do Banco Rural. Para justificar o crime de corrupção passiva, o revisor considerou “inconsistente” a defesa do ex-diretor do BB sobre o fato de ter recebido R$326 mil num envelope dias antes de ter assinado uma nota técnica que determinou repasses à agência de Valério.
“A verdade é que a sua versão não condiz com as provas constantes nos atos”, disse Lewandowski. “Eu concluo que a materialidade do delito está configurada”, completou.
Segundo o ministro, o réu não conseguiu sustentar sua versão de que fez um favor ao receber o envelope e que repassou os recursos para alguém do PT. Em depoimento à Justiça, Pizzolato afirmou que não tinha conhecimento de que havia dinheiro no pacote.
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A “ENCOMENDA”
“A encomenda estava preparada e tinha destino certo. [...] Recebido o dinheiro em seu apartamento, caberia ao réu comprovar que teria entregue a outrem, mas não comprovou”, disse.
Só faltou Pissolato perguntar, espantado: “Mas quem foi que colocou esse dinheiro na minha mão?”
Segundo Lewandowski, “a vantagem ilícita oferecida tinha como objetivo que o acusado autorizasse antecipações de pagamento à agência DNA durante o contrato firmado com o Banco do Brasil no valor de R$ 73,85 milhões. Essas antecipações foram consideradas irregulares”.
Lewandowski também votou pela condenação do ex-diretor por crime de peculato (desvio de recursos públicos). Argumentou que houve a emissão de notas frias para justificar serviços que não foram prestados pela DNA propaganda.

Trabalhadores estrangeiros no Brasil podem pedir visto permanente



Nádia Franco (Agência Brasil)
Estrangeiros que trabalham no Brasil e têm contrato de dois anos ou mais já podem requerer no Ministério da Justiça a troca do visto temporário pelo permanente. Antes, a mudança do visto só era possível após quatro anos de trabalho em território brasileiro. O visto continuará vinculado à empresa empregadora por mais dois anos.
Pela norma anterior, tinha direito ao visto temporário o trabalhador estrangeiro contratado por dois anos. A permissão era renovada por mais dois anos se o contrato de trabalho também fosse renovado. Apenas aqueles cujo contrato fosse renovado depois desses quatro anos por tempo interminado podiam requisitar o visto permanente.
Com a nova regra, o trabalhador que renovar o contrato de dois anos pode requerer imediatamente o visto permanente e permanecer no país sem quaisquer restrições.
A alteração é uma adequação à Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que estabelece como trabalho temporário o que é exercido no período de dois anos. Assim, o Departamento de Imigração da Secretaria de Justiça concluiu que o trabalhador estrangeiro têm os mesmos direitos trabalhistas de um brasileiro.
Para fazer o pedido do visto permanente, o estrangeiro deverá entrar com requerimento 30 dias antes do vencimento do visto temporário. A lista com os documentos necessários pode ser acessada no portal do Ministério da Justiça.
A Coordenação Geral de Imigração do Ministério do Trabalho e Emprego estima que, nos seis primeiros meses deste ano, 32.913 profissionais, entre temporários e permanentes, obtiveram permissão para trabalhar no Brasil.

PSICANÁLISE DA VIDA COTIDIANA Um sentido atual em Manuel Bandeira



CARLOS VIEIRA
O ano é 1948, dia 26 de janeiro. Manuel Bandeira escreve uma carta a João Cabral de Melo Neto, o poeta da “Pedra do Sono”, coletânea de poemas escritos entre 1939 e 1941. O Rio de Janeiro estava “tremendamente” quente e o poeta maior veraneava na cidade de Petrópolis. A carta faz parte de uma coletânea de 42 documentos epistolares trocados pelos dois poetas pernambucanos. João Cabral em Barcelona, editando livros em sua tipografia, inclusive os de Bandeira; Manuel em Petrópolis, cidade que sempre o albergava, alívio climático ao poeta tísico. 
Nessa missiva, documento que pertence ao acervo de Manuel Bandeira do Arquivo Museu de Literatura Brasileira da Fundação Rui Barbosa, Manuel noticia a nova edição de suas Poesias Completas, mas escreve a João, que não é mais completa, pois já fizera mais três poeminhas: “O Bicho”; “O Rio” e “Visita Noturna”. 
Na resposta de João Cabral em 17 de fevereiro de 1948, ele escreve: “achei-os excelentes, principalmente ‘O Bicho’. Não sei quantos poetas no mundo são capazes de tirar poesia de um ‘fato’, como você faz. Fato que você comunica sem qualquer jogo formal, sem qualquer palavra especial, antes, pelo contrário: como que querendo anular qualquer efeito autônomo dos meios de expressão... Mas diante de poemas como ‘O Bicho’, fico satisfeito por verificar que nenhum excesso intelectualista me é capaz de tirar a sensibilidade para poemas dessa família.” 
O poema de Bandeira, “O Bicho” me sensibilizou pela sua atualidade. Estava eu voando em direção à cidade de Aracaju, numa quinta à tarde. Pela janela do avião, apreciava um céu completamente azul, um céu de agosto, pelo menos enquanto deslizava em território do planalto central do nosso Brasil. Comecei a ler, não pude mais me ater à paisagem celestial. Algo me agoniava e associava com a realidade social desse país, cognominado de país emergente, aspirante a primeiro mundo (?). Logo fui sentindo que os versos de Bandeira faziam doer minhas veias. Vamos senti-lo, caro leitor:
“Vi ontem um bicho 
Na imundície do pátio 
Catando comida entre detritos. 

Quando achava alguma coisa, 
Não examinava nem cheirava; 
Engolia com voracidade. 

O bicho não era um cão, 
Não era um gato, 
Não era um rato. 
O bicho, meu Deus, era um homem”
“Não sei quantos poetas no mundo são capazes de tirar poesia de um ‘fato’”, escrevera João Cabral. Que fato? A fome, a miséria, a consequência evidente da injustiça social? Um homem voraz, voracidade que mais fala de uma angústia, de um desespero, de quem na marginalidade, sente a iminência da morte. Não importa se sua alimentação nos “lixos” das cidades seja de detritos, de restos, de alimentos expurgados da mesa da burguesia. Nem importa o risco da contaminação, do perigo das salmoneloses, ou do vômito posterior a uma refeição deteriorada. Importa sim, que nosso povo ainda está faminto. 
O fato que o poeta apreendia nos idos de 1948 aparece de uma maneira estúpida e alarmante em 2012, filmado, denunciado, encenado, numa não simples novela, Avenida Brasil. Filhos dos “lixos”, os homens e crianças que Bandeira cantou em versos! Filhos execrados, marginalizados, que não somente se alimentam de restos de detritos, mas que criam a cultura do ódio, da inveja, do ressentimento e da vingança. As “Carminhas e os “Jorginhos” da vida não habitam a trama de uma novela de televisão, existem juntos aos cães, gatos e ratos nos lixos da periferia das grandes e pequenas cidades do Brasil. Que Brasil! Bandeira transforma o “fato” em poesia. A poesia crua e nua da realidade social , produto da consequência de outra “voracidade”, a voracidade das classes dominantes, da quadrilhas no governo e fora dele, que se alimentam dos recursos destinados acabar com a endemia da fome. O cão, o rato e o gato são nossos grupos humanos que detêm a riqueza e incrementam a diferença social. 
Ah! Bandeira, Bandeira, a tuberculose que corroia seus lindos e poéticos pulmões, hoje se transformou na doença do “bicho-homem”, pós-modernos, capitalistas selvagens, social-democratas, que vociferam o dinheiro dos nossos impostos e criam “lixos” sociais, ecológicos e perversos. Está na novela, Avenida Brasil, a perversidade psicopática da classe emergente e da classe dominante.
Carlos.A.Vieira, médico, psicanalista, Membro Efetivo da Sociedade de Psicanálise de Brasilia e de Recife. Membro da FEBRAPSI e da I.P.A - London.

As contas na conta de luz, por Miriam Leitão



 A presidente Dilma promete atacar novas frentes do custo de fazer negócios, trabalhar e viver no Brasil. Uma delas será o preço da energia. O governo reduzirá esse peso tirando penduricalhos que foram sendo colocados na conta de luz e revendo antecipadamente contratos de concessão. No último dia do governo Lula, ele renovou por 25 anos um custo que poderia ter sido extinto.
A RGR (Reserva Global de Reversão) é um desses encargos que foram pendurados na conta de luz e que a tornam uma verdadeira árvore de Natal. Arrecadou R$ 1,7 bi em 2011, segundo a Abrace (Associação de Grandes Consumidores Industriais de Energia). Há pelo menos nove siglas federais embutidas nas contas para que o consumidor pague mesmo sem ter nada com isso. A RGR subsidia universalização de energia e é apenas uma das muitas siglas. A CCC (Conta de Consumo de Combustíveis) arrecadou R$ 5,85 bilhões para subsidiar a geração térmica na região Norte. A CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) financia tarifas para baixa renda e estimula fontes renováveis. Arrecadou R$ 3,31 bilhões somente no ano passado.
A RGR foi criada em 1957, com prazo para acabar, mas sua luz não apaga nunca. Foi renovada no último dia do governo Lula, que a prorrogou por mais 25 anos. Não é nada, não é nada, segundo cálculo do Instituto Acende Brasil, esse encargo por mais um quarto de século representará a bagatela de R$ 40 bilhões do seu, meu e nosso dinheiro. Em tempo: o fundo criado por esse mecanismo tem em caixa R$ 16 bilhões. Recentemente, o GLOBO publicou uma espantosa reportagem sobre os brasileiros sem luz. No estado do Rio mesmo são 5.987 famílias, quase 18 mil pessoas, sem energia.

As contas feitas pela Abrace são de que 50% da conta de luz da CPFL paulista não vai para pagar geração, transmissão ou distribuição de energia. Vai diretamente para os diversos cofres públicos em forma de impostos estaduais, federais e subsídios cruzados.
Esses subsídios em formato de siglas, pendurados em contas ao consumidor, têm mais um defeito: são impostos, mas fingem não ser. Não há transparência. Não se sabe nem que está se pagando. Difícil achar que o consumidor gosta de subsidiar a energia fóssil na Amazônia, mas há muito tempo as contas de luz pagam isso via sigla CCC. Certamente se o governo fizer um esforço poderá fornecer energia mais sustentável na região.
O importante neste momento de limpeza da conta é informar ao distinto consumidor o que é mesmo que ele paga, de que forma paga, o que significa cada pedaço dessa caixa preta que é a conta de luz.
Outra frente da redução do custo é a renovação das concessões. Até 2017 vence um volume considerável de contratos nas três etapas da produção de energia. Cerca de 12,9 GW médios de concessão de geração de energia elétrica vão vencer, isso é 20% da geração do país. Na transmissão, vencem 73 mil quilômetros de linhas de alta-tensão, 80% da rede básica. Na distribuição, 30% do mercado regulado terão contratos vencidos nos próximos anos.
O governo argumenta que o custo de implantação dessas estruturas já foi amortizado — principalmente na geração — e por isso pode-se cobrar menos. A Fiesp alertou recentemente que a lei manda relicitar e que na concorrência o custo pode cair mais do que em negociações com as empresas.
Seja como for, é preciso transparência. O governo, se for negociar a renovação da concessão, que deixe o processo ser o mais transparente possível. E ao fazer a faxina na conta de luz que o consumidor saiba o que está pagando, por quanto tempo, e tenha como ter informações sobre o uso do subsídio. Democracia é assim: governos prestam contas.

A sessão extraordinária de Toffoli, por Elio Gaspari


Elio Gaspari, O Globo

Sábado, 12 de agosto, duas e meia da madrugada: o repórter Ricardo Noblat deixa a casa onde se comemora o aniversário de Fernando Neves, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral, passa pela sala, cumprimenta-o, despede-se também do ministro José Antonio Dias Toffoli e vai em busca de seu carro. Acidentalmente, ouve o que parecia ser uma discussão, talvez uma briga.
Descontando-se os palavrões (pelo menos seis) e as vulgaridades (pelo menos uma), ouve o seguinte:
— O Zé Dirceu escreve no blog dele. Pois outro dia esse canalha o criticou. Não gostei de tê-lo encontrado aqui. Não gostei.
Pelas regras da noite, podia ter dito o que quisesse, na presença da vítima. Se Toffoli não gostou de ter encontrado Noblat na festa, deveria ter saído da casa horas antes, quando ele cumprimentou-o pela primeira vez. Até aí, mostrou que é um mau convidado mas, pelo adiantado da hora, pode-se relevar que tenha produzido um bate-boca sob a forma de monólogo. O ministro não comenta o episódio.
Pelas regras da magistratura, Toffoli não poderia ter revelado a amplitude da simpatia que concede a um réu de processo que está em curso no tribunal onde tem assento. Se o “canalha” não poderia ter criticado José Dirceu porque ele escreve no blog, um ex-advogado do PT pode condenar o ex-chefe?
O doutor Toffoli fez sua carreira na advocacia petista e nas campanhas de Nosso Guia, que nomeou-o advogado-geral da União e ministro do Supremo Tribunal Federal aos 42 anos.
Entre 2003 e 2005, Toffoli ocupou a subchefia de Assuntos Jurídicos da Casa Civil comandada por José Dirceu.
Em voos solo, tentara por duas vezes chegar à magistratura de primeira instância, mas foi reprovado nos concursos públicos.
A presença de Toffoli no julgamento do mensalão é absolutamente legal. Não se pode dizer, como o comissário Luís Marinho, que “ele não tem o direito de não participar”. Direito tem, e é dele a decisão.
Também é seu direito de tomar as dores de José Dirceu às duas e meia da manhã numa festa onde confraternizava com advogados da bancada de defesa dos réus do processo do mensalão.
Da mesma forma, estava no seu direito quando foi à boca-livre do casamento de um advogado amigo na ilha de Capri.
As sessões do STF mostraram momentos de tensão. Há ministros que se estranham, mas, no centro das divergências, sempre há argumentos que contribuem para o bom andamento do processo. São cenas que podem ser mostradas na televisão.
O comportamento de Toffoli na festa de Fernando Neves não contribui para coisa alguma, senão para a crônica dos maus modos. Ele estava fora do tribunal, num evento privado, mas emitiu opiniões relacionadas com um réu do julgamento que está em curso.
O ministro contribuiu para uma edição da autobiografia do jurista Hans Kelsen (1881-1973). Logo dele, que teve uma vida social reclusa. Ao lançar o livro, disse: “Estamos muito acostumados no mundo jurídico a falar sobre a obra da pessoa, discutir sua teoria, suas teses e posicionamentos, mas nos omitimos em estudar a vida e as circunstâncias, ou seja, o que levou ela a desenvolver determinada teoria.” Kelsen falava pouco e certamente dormia cedo.

Dilma e seu kit de felicidades, por Bruno Lima Rocha


Eike Batista teve um gesto de sinceridade e declarou que o pacote de infra-estrutura e logística lançado por Dilma Rousseff seria um “kit felicidade”. Este fora anunciado na quarta-feira (15/08) como sendo de estímulo à construção de rodovias e ferrovias, totalizando a concessão de 7,5 mil quilômetros de rodovias e 10 mil quilômetros de ferrovias no Programa de Investimentos em Logística.
O volume de investimentos declarados pelo governo virá a somar R$ 133 bilhões nos próximos 25 anos, sendo que R$ 79,5 bilhões se aplicam nos primeiros cinco anos. Como se sabe, as rodovias receberão R$ 42 bilhões e, as ferrovias, R$ 91 bilhões. E só para variar, o custeio de tudo isso sai do BNDES.
A verdade é que nenhum analista ou militante tem mais o direito de se dizer “espantado”. Progressivamente, o partido que nascera classista torna-se conciliador, trocando o antagonismo das maiorias para com quem controla meios de produção, pela opção produtiva do capitalismo.
Nesta seara, primeiro abriram possibilidade discursiva na Carta ao Povo Brasileiro e através da composição de forças com o capital brasileiro, representado pelo ex-vice de Lula, o empresário mineiro José de Alencar.
Os tempos recentes apontam outra faceta. Agora os elogios são para as transnacionais que “investem” na produção, não se levando em conta que estes “investimentos” muitas vezes resultam em mais endividamento do Estado, começando na União e “socializando” a dívida entre os três níveis de governo e a cidadania.
Em paralelo com o elogio das empresas de capital aberto e pouco ou nenhum controle local, Lula, e depois Dilma, vieram elegendo seus “campeões nacionais”, promovendo uma política aos moldes do premiê prussiano (e alemão) Otto von Bismarck. Agora, as “bondades” recaem sobre estes pesos pesados da indústria e construção civil.
O problema de fundo é naturalizar o argumento falso. Assim, o governo da ex-presa política abre mão da premissa que o Estado é um bom interventor na cadeia produtiva e antes que nada, ao menos na infra-estrutura instalada do país.
Agora, a “felicidade” que fora gerada através de diminuição dos gastos absurdos com a rolagem e re-endividamento vai aumentar o repasse de recursos públicos para fins privados, mesmo que no exercício de funções de Estado.
Ao menos o empresariado é “sincero” e, para além dos sorrisos, já demandam mais repasse de verbas públicas para o caixa de suas empresas, tal como corte de impostos. Assim, no médio prazo, mais uma vez a conta não fechará.

Bruno Lima Rocha é cientista político

Julgamento do Mensalão: Cezar Peluso votará ou não?


Vale o que disse ontem o ministro Ayres Brito, presidente do Supremo Tribunal Federal: só depende do colega Cezar Peluso votar ou não no processo do mensalão.

Peluso se aposentará no próximo dia 3. Até lá os ministros relator e revisor não terão esgotado seu voto.
O que parecia mais lógico: que Peluso não votasse. Porque não participará de todo o julgamento.
O que seria menos lógico, mas que dari3
.a para engolir: Peluso votaria levando em conta apenas o que os ministros relator e revisor tivessem votado.
O que não teria lógica, mas poderá prevalecer: Peluso votar o que os ministros relator e revisor votaram e o resto do processo que eles ainda não votaram.
Seria esquisito. Mas é o que Peluso pretende.
Só não o fará se encontrar resistência para tal entre os colegas.

Nelson e a unanimidade, por Zuenir Ventura


Zuenir Ventura, O Globo
Nelson Rodrigues, que faria 100 anos amanhã e, por isso, está cercado de justas homenagens, iria achar graça no irônico paradoxo. Autor da famosa frase “toda unanimidade é burra”, ele é agora objeto de uma unânime admiração, ao contrário de quando despertava hostilidade por causa de suas contradições.
Revolucionário no teatro por subverter o moralismo e a caretice então vigentes, ele se dizia com orgulho um reacionário político.
Quando nos anos 60/70 os intelectuais lutavam contra a ditadura, ele os ridicularizava e a defendia; quando presos políticos eram torturados, ele apoiava os militares. Podia ser uma coisa e outra. “Sempre fui um anjo pornográfico, desde menino.”
Conheci Nelson logo após o AI-5, em 68, quando eu dividia uma cela com Helio Pellegrino no Regimento de Cavalaria Caetano de Faria, da PM.
Eles dois se gostavam tanto que um dia o dramaturgo escreveu que, se Deus o intimasse a optar entre o psicanalista e a humanidade, ele diria: “Morra a humanidade.” Apesar disso, contribuíra sem querer com suas crônicas para a prisão do amigo. Sempre exagerado, chamava-o de “nosso Dante” e o considerava um orador capaz de “mover montanhas” e agitar as massas, como fizera na Passeata dos 100 mil.
Assim, por sua atividade política, mas também pelo perigo que a repressão acreditava existir no tipo criado pelo cronista, Helio foi preso. Cheio de culpa como um penitente saído de uma de suas peças, Nelson passou a visitá-lo diariamente durante os três meses em que durou a prisão.
Na primeira vez, dei-lhe as costas, não queria saber de conversa com quem estava ao lado da ditadura. Aos poucos, porém, o psicanalista foi me ensinando a compreender aquela figura complexa, porém mais rica do que suas contradições. Acabamos estabelecendo uma relação tão afetuosa que foi ele quem, com seu prestígio junto aos generais, intercedeu para que o chefe do Estado-Maior do I Exército, ao libertar Hélio Pellegrino, me soltasse também, assim meio de lambuja, como condição imposta por Hélio: ou saíam os dois ou ninguém.
Anos depois, pude retribuir o gesto promovendo o encontro que selou a paz entre ele e Alceu Amoroso Lima, amigos de 50 anos rompidos havia mais de 20.
Numa época tão radical quanto aqueles maniqueístas anos de chumbo, em que se hierarquizavam as pessoas pela ideologia, não era fácil aceitar as contraditórias personas que compunham a personalidade do nosso genial dramaturgo que, entre tantas criações imortais, deixou a de personagem de si mesmo.

Eventual prisão de mensaleiros só em 2013, diz ministro do Supremo


Marco Aurélio Mello diz que julgamento pode chegar a novembro e afirma que eventuais prisões só podem ser feitas após terminarem todos os recursos

Laryssa Borges
Marco Aurélio durante sessão que julga Ação Penal 470, em Brasília
Marco Aurélio durante sessão que julga o mensalão (Nelson Jr./SCO/STF )
"Houve uma visão muito otimista de que terminaríamos o julgamento até o final de agosto. Eu mesmo previa o fim de setembro, mas agora não avisto nem mais no final de setembro"
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse nesta quarta-feira que a eventual prisão dos réus do mensalão, se assim decidir a Corte, só deverá ser consolidada em 2013. O magistrado estima que o julgamento do maior escândalo político do governo Lula poderá ser finalizado até em novembro, quando precisará ser publicado o acórdão do caso.
Somente depois de publicado o acórdão é aberto prazo para recursos contra eventuais omissões da decisão do STF. A expedição de mandados de prisão, em tese, só pode ser feita após o esgotamento de todas as possibilidades de recurso.
“O STF tem a doutrina de que a execução do tipo condenatória só é possível após preclusa a via de recorribilidade. O trânsito em julgado (quando não cabem mais recursos contra a sentença) é mais provável em 2013”, disse o ministro.

Na avaliação de Marco Aurélio, a depender da extensão dos votos dos ministros, o julgamento do mensalão pode ultrapassar os meses de setembro e outubro e chegar a novembro, quando a presidência do STF estará a cargo de Joaquim Barbosa.

“Houve uma visão muito otimista de que terminaríamos o julgamento até o final de agosto. Eu previa para o fim de setembro, mas agora não avisto nem mais no final de setembro. Podemos terminar com o julgamento sobre a presidência do ministro Barbosa”, afirmou ele.
Embargos infringentes – Ao final do julgamento, Mello acredita que haverá diversos recursos das defesas dos réus e, em pelo menos um caso, os ministros terão de analisar se essas tentativas dos defensores podem ser levadas adiante.

Para o ministro, o plenário do STF terá de discutir pontualmente a pertinência dos chamados embargos infringentes. Esse tipo de recurso serve para tentar que os ministros rediscutam uma condenação, por exemplo. Para isso, quatro dos onze ministros precisam ter votado de forma divergente (não necessariamente oposta) no caso de um réu. Se aceito o recurso, os ministros voltam a discutir o ponto da sentença que dividiu o plenário.

De acordo com avaliação do ministro Celso de Mello, decano do tribunal, esse tipo de embargo serve para que, mesmo no Supremo, possa haver a possibilidade de o réu não ser apenado com base em uma única sentença e, com isso, garantir o duplo grau de jurisdição.

Fase decisiva, por Merval Pereira


O Globo

Marcelo Auler, autor do livro “Biscaia”, que será lançado em setembro, esclarece que não há nele uma referência direta a pressões que o ex-ministro José Dirceu teria feito sobre o então presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, Antonio Carlos Biscaia.
O livro narra, sim, que Biscaia entendia que, se tivesse de votar pela continuidade do processo de cassação de Dirceu, como o faria no caso de ser preciso o voto de minerva, teria de imediatamente entregar o cargo de confiança para o qual o PT o havia indicado.
A votação de 39 a 15 contra o recurso da defesa acabou poupando-o da renúncia. E ele, no plenário da Câmara, votou pela cassação de Dirceu.
Caso, ao contrário, Lewandowski discorde da linha adotada por Barbosa e apresente argumentos tão convincentes quanto os da acusação, mas em sentido oposto, estará abrindo caminho para uma discussão do plenário do Supremo sobre essa questão básica do caso do mensalão.
Até o momento o ministro revisor está se mostrando um contraponto ao ministro relator apenas nas questões de procedimento do julgamento, o que leva à impressão de que também nas questões de mérito ele discordará de Joaquim Barbosa. Mas não é assim, necessariamente.
Muitos atribuem as manifestações de desagrado de Lewandowski, especialmente no primeiro dia de julgamento, a um desejo de atrasá-lo ou até mesmo de impedir sua continuidade, como quando ameaçou abandonar o cargo de revisor, o que paralisaria o processo.
Mas é preciso lembrar que também Joaquim Barbosa deixou essa possibilidade no ar ao reclamar dos seus problemas de saúde. Tudo indica que os desentendimentos entre ministros com maneiras diferentes de ver uma mesma questão podem ser superados em benefício do bom andamento do julgamento, sem que uma discordância formal sinalize um voto nesta ou naquela direção.
A tentativa de adivinhar o voto dos ministros leva a situações delicadas como a do ministro Cezar Peluso. Como se aposenta compulsoriamente, por chegar aos 70 anos, em 3 de setembro, ele teria tempo útil apenas para votar nesse primeiro bloco, que trata de desvio de dinheiro público. A possibilidade de que antecipe seu voto integralmente, prevista no regimento do Supremo, está sendo tratada como se fosse uma medida de exceção.
Como o relator e o revisor tratarão de partes segmentadas do processo, ao fim das quais haverá uma votação, considera-se que Peluso não poderia votar antes dos dois sobre temas ainda não abordados por eles.
Mas o artigo 135 do Regimento Interno do STF não impede explicitamente essa antecipação, embora defina a ordem em que os votos devem ser tomados:
“Art. 135 — Concluído o debate oral, o presidente tomará os votos do relator, do revisor, se houver, e dos outros ministros, na ordem inversa da antiguidade.
§ 1º Os ministros poderão antecipar o voto se o presidente autorizar.”
Esse deve ser o próximo grande embate no plenário, e seria bom que a questão fosse decidida logo.
Toda a movimentação dos advogados dos réus contra a antecipação do voto de Peluso tem o pressuposto de que ele é um voto contrário aos mensaleiros, um raciocínio perverso para impedir um ministro do STF de participar legitimamente de processo que acompanhou desde o início e para o qual está preparado, como ressaltou Joaquim Barbosa.
Se Peluso quiser encerrar sua atuação no STF com um voto completo no caso do mensalão, caberá ao presidente Ayres Britto pesar todas as circunstâncias em jogo, e ele decidirá, provavelmente, com base na maioria do plenário.

Meia-volta no salão


Dora Kramer - O Estado de S.Paulo

O PT não acreditava que o julgamento do mensalão aconteceria neste ano, não esperava que o relator fosse tão enfático, claro e didático na exposição dos acontecimentos que o levaram a condenar até agora quatro réus, e tampouco imaginava que a narrativa passaria ao largo da tese do caixa 2 à qual ficaram presos os advogados.
O PT apostava na prescrição dos crimes, na desqualificação da denúncia, na contraposição da "força das ruas" ao peso dos fatos, no esvaziamento do processo por obra da retórica, nas manobras para o retorno de acusados a postos de destaque na política.
O PT escorava-se, sobretudo, na inconsistência dos autos e na impossibilidade de se construir um relato provido de nexo entre causas, efeitos, atos, funções e objetivos.
O PT tinha mesmo a expectativa de que tudo acabasse conforme o prognóstico de Delúbio Soares em entrevista ao jornalista Expedito Filho, do Estado, em outubro de 2005: "Dentro de três ou quatro anos tudo será resolvido e acabará virando piada de salão. É só ter calma. Seremos vitoriosos não só na Justiça, mas no processo político".
Acertou no varejo, o partido realmente não colheu revezes eleitorais do escândalo, mas equivocou-se no atacado porque na Justiça o prejuízo está feito, ainda que a maioria dos ministros não acompanhe na integralidade o raciocínio do relator.
O PT não contava com isso. Tanto não contava e tão autoconfiante estava que bancou o lançamento de João Paulo Cunha como candidato a prefeito de uma cidade (Osasco) "colada" a uma capital da visibilidade de São Paulo.
Para um partido que não queria ligar seu nome ao julgamento no cenário de eleição, a presença de um réu na disputa é a exposição de um elo mais que imperfeito.
Memória. Quando do recebimento da denúncia do mensalão, em 2007, o ministro Ayres Britto expôs entendimento semelhante ao adotado agora por Joaquim Barbosa em relação ao desvio dos recursos do Banco do Brasil para a turma de Marcos Valério por intermédio do fundo Visanet.
Disse ele, usando praticamente as mesmas palavras: "Para fins penais esse dinheiro é público, pois oriundo de empresa de economia mista. O dinheiro público não se metamorfoseia em privado pelo fato de ser injetado numa pessoa jurídica privada, continua público a despeito de sua movimentação".
Dose dupla. Dada a proximidade da data, muito se fala sobre a aposentadoria do ministro Cezar Peluso, em 3 de setembro. Sem grandes consequências para o julgamento em si, pois estarão presentes 10 magistrados quando o quorum mínimo exige a participação de seis.
Confusa mesmo ficaria a situação se concretizadas algumas previsões de que o julgamento pode se estender muito mais que o previsto.
Na hipótese de ir além de novembro, alcançaria a aposentadoria do presidente do Supremo, ministro Carlos Ayres Britto, cujo substituto é Joaquim Barbosa, que em princípio acumularia as funções de presidente e relator.
Recado. À primeira vista pode ficar a impressão de que a manifestação do governador Geraldo Alckmin posicionando-se como possível candidato a presidente em 2014 contraria os planos de José Serra.
Examinada mais detidamente, porém, a declaração pode ser vista como sinalização ao eleitorado de que Serra, se eleito, ficará na Prefeitura de São Paulo até o fim do mandato, pois a desconfiança a respeito disso é um dos fatores a que os tucanos atribuem a alta rejeição do candidato.

As greves e o princípio da realidade (Editorial)



O Globo
As greves do serviço público dão algum sinal de arrefecimento. Mas ainda estamos muito longe da normalidade. As universidades, por exemplo, em pleno miolo do ano, estão paradas há três meses. O ministro da Educação já está falando em reposição de aulas. Como tem acontecido quase todos os anos.
Mas que ano letivo é esse, sacudido por vazios perturbadores? Onde está a discussão séria sobre a organização das universidades públicas, sobre a relação professor/aluno (insatisfatória) que elas exibem?
Em que medida a discussão das cotas nos leva um passo adiante, no que se refere à boa performance universitária? Como raciocinar, nesse quadro, em termos de país desenvolvido?
O que se pode perceber, sem nenhum esforço, é que estamos saindo de um longo período em que as centrais sindicais dormiam no colo do governo. Oriundo do sindicalismo, o ex-presidente Lula transformou quase em simbiose a relação governo/sindicatos.
Navegando em maré mansa, pôde conceder aos sindicatos (nisto incluídos os funcionários públicos) generosos benefícios que já não têm relação com os tempos de agora.
Na mudança de quadro que depois se operou, pode ter faltado ao governo Dilma experiência e habilidade para tornar menos dolorosa a transição. Mas diga-se a favor do governo que ele não tem compactuado com a demagogia.
Os aumentos agora oferecidos, face à tsunami grevista, inserem-se no território do possível, do que não ponha em risco as contas públicas num momento que ainda é de crise internacional.
A presidente Dilma também incluiu um fato novo na discussão (pelo menos em relação ao lulismo), ao declarar: “Este é um país que tem de ser feito para a maioria de seus habitantes. Não pode ser só para uma parte deles.” 
Isto é: os benefícios não podem atingir apenas determinadas classes — no caso, as que já têm garantia de emprego, e foram contempladas com aumentos expressivos no bem-bom da era Lula.
Ao contrário do que propõem as centrais sindicais, o governo trabalha com reajustes diferenciados, distinguindo os que tiveram e os que não tiveram aumentos expressivos nos últimos anos. É o princípio da racionalidade, introduzido num quadro onde vigorava apenas o desejo de agradar às chamadas bases.
É o princípio da realidade — e cair na real não costuma ser fácil. Por conta disso, a presidente Dilma tem colhido vaias, aqui e ali.
Nesse contexto, seria mais do que justo que o Congresso também fizesse a sua parte, regulamentando, por exemplo, a lei que abriu a possibilidade de greve no serviço público. Como ele não fez isso, o Supremo andou produzindo legislações temporárias, para cobrir o rombo. É pouco, e estimula os movimentos destemperados.

Nossas Estranhas Regras Eleitorais, por Marcos Coimbra


Foi dada a partida!

De ontem ao dia 7 de outubro, quando se realizarão as eleições municipais, os moradores das principais cidades brasileiras começaram a receber a segunda dose do tratamento a que são submetidos a cada quatro anos. 
Naquelas onde a eleição de prefeito não se decidir, eles ainda vão passar pela terceira fase da terapia, que irá até o último domingo de outubro, no segundo turno.
É um tratamento estranho, que combina privação e excesso. No início, tenta-se evitar que tenham acesso a qualquer informação. No final, abrem-se as comportas e toneladas de comunicação eleitoral são despejadas sobre eles.
Uma terapêutica assim não pode ser boa e, de fato, em nada ajuda na formação e consolidação de uma cultura democrática. Ao contrário, deseduca e difunde maus hábitos.
É difícil explicar como surgiu a ideia de que é melhor retardar ao máximo as campanhas eleitorais. Que é preferível que só sejam liberadas tarde, às vésperas da eleição.
Essa, no entanto, é a regra que prevalece no Brasil. Qualquer esforço de comunicação com teor eleitoral feito por partidos e candidatos antes dos últimos 90 dias é reprimido. Somente se permite que falem “para dentro”.
Tolera-se, por exemplo, a propaganda de candidaturas às prévias partidárias - desde que dirigida exclusivamente aos filiados. Aceita-se o debate das plataformas programáticas com que os partidos pretendem concorrer - desde que em recinto fechado.
É como se fosse um pecado mortal que o cidadão ficasse sabendo o que os candidatos e partidos pensam fazer na eleição.
Quem transgride a norma pode ser castigado com punições e multas. Como as centenas de condenações por “propaganda antecipada” que a Justiça Eleitoral distribui a torto e a direito.
E os que teimam em querer falar com os eleitores “antes da hora” correm o risco de perder o registro da candidatura.
A primeira metade dos 90 dias finais é um hiato que dura seis semanas. Nele, fingimos que “a eleição começou”, pois são autorizados carros de som, comitês e panfletos. Mas não é verdade, como mostram as pesquisas de intenção de voto. Salvo exceções em uma ou outra cidade, nada acontece.
Tudo permanece congelado.
Aí, o mundo muda subitamente. Nas seis últimas semanas, os eleitores das cidades onde há emissoras de televisão e rádio passam a receber quantidades maciças de comunicação.
A cada dia, em cada emissora, uma hora e meia de propaganda eleitoral. Por semana, nove horas e meia.
Os grandes beneficiários são os candidatos a prefeito, que ficam com a fatia do leão desse precioso tempo: seis horas e meia. Normalmente, não são mais que seis ou sete em cada cidade, dos quais não mais que três ou quatro competitivos. Os imensos exércitos dos candidatos a vereador – que passam do milhar nas cidades maiores - ficam com as outras três horas.
Uns têm tempo de sobra, os outros tão pouco que mal conseguem exibir suas bizarrices.
Ontem começaram as inserções, hoje os programas dos candidatos a prefeito. Para a vasta maioria dos eleitores, é quando é dada, de fato, a largada da eleição.
Estão errados os americanos, que têm campanhas que se iniciam um ano e meio antes da eleição?
Certos estamos nós? É bom para a democracia que os eleitores sejam bombardeados de informação durante poucas semanas - do jornalismo que dá destaque ao tema apenas na reta final, às horas de propaganda “gratuita”, aos debates que se multiplicam em cada emissora, às dezenas de pesquisas que são divulgadas uma após a outra?
Alguém acha que decisões eleitorais tomadas nessas condições e na última hora são melhores?

Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

OBRA-PRIMA DO DIA - ENGENHARIA Aqui, no Forte das Cinco Pontas, Frei Caneca foi martirizado


A linda paisagem do Recife é privilegiada: além da natureza exuberante, recebeu o forte chamado São Tiago das Cinco Pontas que domina o porto da cidade. Foi edificado pelos flamengos, no ano de 1630, por determinação do Príncipe de Orange - Frederik Hendrik -, tendo como seu idealizador o comandante Teodoro Weerdemburgh. Chamou-se, primeiramente, de Forte Frederico Henrique.
Os objetivos mais relevantes da fortaleza eram os de garantir à população o suprimento de água potável, mediante a proteção das cacimbas (ponto vital para o abastecimento d’água do Recife), e impedir que os navios inimigos circulassem pelas águas do Capibaribe e chegassem até a Barreta dos Afogados (através de uma passagem existente nos arrecifes), podendo se evadir, a partir daí, com os barcos carregados de açucar.
Com a vinda de Mauricio de Nassau para o Recife, os holandeses iniciaram a construção de um canal de trinta metros de largura, partindo do Forte Frederico Henrique e se estendendo até o local onde se encontra, hoje, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Em 1637, por sua vez, as muralhas e a profundidade do fosso da fortaleza foram reformados.

Detalhe da planta do Forte das Cinco Pontas em 1665

No século XVII, o forte é destruído por João Fernandes Vieira e ocupado por tropas luso-brasileiras, sob o comando de André Vidal de Negreiros e do general Francisco Barreto de Menezes. (...) Compreendendo a importância da fortaleza para a segurança e o controle da cidade, do ponto de vista estratégico, Fernandes Vieira ordena que a construção comece a ser restaurada em 1677. Dessa vez, os portugueses empregam um material mais resistente do que a taipa (que os flamengos utilizaram na construção primitiva), e as obras foram concluídas em 1684 (foto abaixo).

Durante essa restauração, porém, o soerguimento de um dos baluartes (ou pontas) do forte é suspenso, e a edificação fica reduzida a quatro pontas apenas (adquire a forma quadrangular), ao invés da pentagonal do início.
Mas continua a ser chamado, por todos, de Forte das Cinco Pontas (ou Vijfhoek, em holandês), por ter a forma de uma estrela. A despeito da perda de um baluarte, o local termina ficando, mediante a nova configuração, com uma área total bem maior que a anterior.
O último nome adquirido pelo forte, finalmente, é o de São Tiago das Cinco Pontas, pelo fato de haver, em seu interior, uma pequena capela dedicada a São Tiago Maior, um dos seus santos padroeiros.
Esse forte está banhado pela nossa História. São muitos os episódios. Mas eu me reservo o direito de citar seu mais precioso prisioneiro, que morreu diante de suas muralhas. Quem já leu "Auto do Frade", de João Cabral de Melo Neto, sabe do que falo. E quem não leu, que faça um favor a si mesmo e leia. Uma amostrinha:
"Ei-lo que vem descendo a escada, 
degrau a degrau. Como vem calmo. 
Crê no mundo, e quis consertá-lo. 
E ainda crê, já condenado? 
Sabe que não o consertará. 
Mas virão para imitá-lo."
Quem quiser saber mais detalhes sobre a história do forte e da ocupação holandesa, deve consultar a Fundação Joaquim Nabuco (Recife).
Frans Post, o grande pintor que veio com a comitiva de Nassau, deixou sete telas pintadas aqui. A única que fez diante da paisagem foi justamente essa em que aparece, ao fundo, o Forte das Cinco Pontas (acervo Instituto Ricardo Brennand). Ei-la:



Bairro de São José, Recife, Pernambuco