23/07/2017

- Ruy Fabiano

Ha 100, 120 anos atras os Estados Unidos estavam numa crise muito parecida com a do Brasil de hoje. O fim da cultura rural, a urbanização caótica, a explosão da miséria e da violência nas grandes cidades, a descoberta da economia de escala esmagando o trabalho, as novas tecnologias (ferrovias) proporcionando a ocupação econômica de territórios virgens antes que houvesse regras para a sua exploração, os “robber barons” que primeiro trilharam esses caminhos criando monopólios com ajuda de políticos corruptos e levando a patamares nunca sonhados o poder de subornar…
As esperanças começaram a renascer com o movimento Progressista (1890-1920) que se inspirava no modelo suiço de recurso a ferramentas de democracia direta para contornar instâncias de representação recalcitrantes. O foco concentrou-se em dois instrumentos importados e uma adaptação nacional. Os direitos de referendo das leis dos legislativos municipais e estaduais e de propor leis por iniciativa popular como se fazia nos cantões suiços para criar um acelerador para forçar reformas e um freio contra leis viciadas por interesses espúrios. Eleições primárias diretas para neutralizar o primeiro foco de acordos contra o direito de escolher que estava no poder dos caciques de decidir quem podia ou não se candidatar. O “recall” ou retomada de mandatos a qualquer momento por iniciativa popular viria mais adiante para quebrar resistências. O objetivo era “manter a opnião pública sempre em posição de ascendência sobre as instituições de representação para amarra-las concretamente à vontade popular”.
Por aquela mesma altura o jornalismo americano passou por uma revolução com o surgimento da revista McClure e seu jornalismo investigativo em profundidade revolvendo a sujeira (“muckraking”) da política, desmascarando os “robber barons” e seus métodos de ação e indicando os remédios contra a institucionalização da mentira. A matéria de Ida Tarbell sobre Rockefeller e seus esquemas com as ferrovias, que tinham “departamentos de política” exatamente semelhantes em métodos e propósitos aos das nossas odebrechts e JBSs, tornou-se um icone desse novo jornalismo. E as circulações saltaram para a casa dos milhões de exemplares.
São Francisco e Los Angles tinham feito os primeiros ensaios e houve outras experiências no nivel municipal mas o movimento toma impulso decisivo ao se transformar em bandeira de luta do governo nacional. Em 1902 o estado de Oregon inscreve em sua constituição os direitos de iniciativa e referendo. Ali estabeleceu-se o modelo de coleta de assinaturas que ficou nacionalmente conhecido como o “Sistema do Oregon”: 8% do eleitorado para qualificar uma lei de iniciativa popular e 5% para forçar um referendo. Com eles nas mãos, os eleitores foram construindo por ensaio e erro todo o resto da receita. Entre 1902 e 1913, 108 leis de inciativa popular foram a voto no Oregon. A primeira delas para instituir as primárias diretas. Até 1915, quando a 1a Guerra Mundial esfriou o movimento, outros 15 estados tinham adotado o modelo. A Califórnia foi o primeiro a incorporar o “recall” em 1911. Isso acabou com as resistências e consolidou a revolução.
Hoje nenhum servidor público ou representante eleito, aí incluídos os juizes, é estavel em seu cargo ou em seu mandato e tudo é passivel de ir a voto direto nos EUA. Seja tomando carona nas eleições do calendário normal (a cada dois anos, incluindo legislativas e majoritárias), seja por meio de eleições especialmente convocadas, leis de inciativa popular, veto a leis dos legislativos, cassação de cargos e mandatos são diretamente decididos pelos eleitores. Na ultima eleição para presidente a média nacional de quesitos nas cédulas foi de 72. Impostos, emissão de divida, gestão de escolas publicas, temas ambientais, leis sobre usos e costumes, direitos do consumidor, regulamentos de negócios, salário minimo, alimentação e agricultura, legislação penal, tudo pode ser proposto ou desafiado mediante coleta de assinaturas ou mecanismos automáticos impondo esse procedimento aos próprios legislativos em assuntos sensiveis nos municípios e nos estados americanos. Ha mais de uma duzia de modelos diferentes de “ballot measure” ou “medidas para votação” passiveis de serem incluidas na cédula da próxima eleição para um “sim” ou “não” dos eleitores.