domingo, 1 de setembro de 2013

charge do Miguel

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Miguel, hoje no Jornal do Commercio (Recife/PE)

Na era da complicação, por Zuenir Ventura


Zuenir Ventura, O Globo
Já foi mais fácil tomar partido. O mundo e as coisas tinham apenas dois lados, o bom e o ruim, o branco e o preto, o certo e o errado, o bonito e o feio. A democracia é que inventou essa complicação de vários pontos de vista, de ambivalência, substituindo o maniqueísmo pelo relativismo. O bem pode estar dentro do mal e vice-versa, entre o preto e o branco há o cinza, entre as luzes e as trevas existe o crepúsculo, e até o feio e o bonito variam conforme o gosto.
No tempo do sectarismo ideológico, não haveria dúvidas em relação, por exemplo, a questões que se discutem tanto. Você é contra ou a favor da importação de médicos cubanos? Era muito simples: se vinha de Cuba, era bom. Ou ruim. Dependia de sua posição política. Agora, a complexidade de certos casos não admite mais resposta binária, pelo menos para quem não carrega na cabeça resquícios da Guerra Fria.
Como ser contra enviar médicos cubanos para os lugares onde os nossos não querem ir? Só com muito preconceito ideológico ou corporativismo, ou os dois. Ao mesmo tempo, como aceitar passivamente que esses profissionais permaneçam submetidos a um regime ditatorial que confisca parte de seus salários e não os deixam trazer suas famílias, retidas lá como reféns para evitar possíveis deserções? Não dá para desprezar os direitos humanos e dizer: “Isso é problema deles, não nosso”. Mesmo pesando os prós e os contras na busca de isenção, a decisão é complicada. Virá sempre acompanhada de um “mas”, “porém”, “por outro lado”.

 
Eduardo Saboia

Diferente, mas também com implicações políticas, é o caso do diplomata Eduardo Saboia, que à revelia do Itamaraty deu fuga ao senador boliviano Roger Pinto, que esteve refugiado na embaixada do Brasil em La Paz durante 452 dias. Preocupado com a saúde debilitada do asilado, Saboia colocou-o um dia num carro, viajou 1600 quilômetros acompanhado de dois fuzileiros brasileiros, e depositou-o em Corumbá, enfurecendo o governo boliviano.
O senador é um desafeto de Evo Morales, a quem acusa de corrupção, e é acusado por este do mesmo crime. Politizada, a questão gerou uma séria crise diplomática entre os dois países. Para uns, Saboia foi um “herói”, do ponto de vista humanitário; para outros, um “irresponsável”. Vai ver, cada lado tem um pouco de razão.
Em suma, trata-se de um mundo complicado que cobra atitude onde tudo é relativo, inclusive essa afirmação.
Da rebelde Alice insurgindo-se contra a proibição paterna de comer chocolate fora de hora: “Estou ficando furiosa. Pronto (rangendo os dentes) já estou furiosa.” Ela é indomável. Acho que nem com gás de pimenta.

Zuenir Ventura é jornalista.

Brasil pelo método confuso


Ruy Fabiano
Na política (e na vida), assim como há situações auto-explicáveis, há também o seu inverso: as auto-inexplicáveis. Ambas dispensam explicações: uma por desnecessário, outra por impossível. O Brasil deve ser recordista nas duas.
Os exemplos remontam ao início do país, talvez o único cuja independência foi proclamada pelo próprio dominador, herdeiro da dinastia governante, que, após nove anos no poder, abdicou e voltou ao país de origem para governá-lo. Exemplo de esquizofrenia política, que Freud não teve a oportunidade de conhecer – e tratar.
Na República, os exemplos são ainda mais abundantes. Tivemos, por exemplo, um presidente da República, Delfim Moreira (1918-1919), que enlouqueceu no cargo.
Para evitar mudanças no calendário eleitoral, o país foi governado pela mão invisível de um ministro, Afrânio de Melo Franco, num pacto silencioso em que todos, antecipando Lula, garantiam não saber de nada. Uma loucura.
A grande e decisiva batalha da Revolução de 1930 foi a que não produziu um único disparo: a de Itararé, muito apropriadamente chamada de “a batalha que não houve”.
Na era Vargas, o secretário-geral do Partido Comunista, Luiz Carlos Prestes, foi preso e submetido a tratamento tão abjeto que seu advogado, Sobral Pinto, recorreu à lei de proteção aos animais para defendê-lo. Não obstante, ao sair da cadeia, em 1945, Prestes subiu ao palanque de quem o prendera, não para denunciá-lo, mas para, inversamente, pedir sua permanência no poder.
Mas é na Era PT que os exemplos se multiplicam e se tornam rotineiros, desembocando, esta semana, na criação da inédita figura do deputado-presidiário, Natan Donadon, que aproveitou a circunstância para se queixar da xepa (sic) do presídio.
O Legislativo, porém, está longe de ser o único protagonista dos casos desta Era. Há, quanto a isso, ampla reciprocidade. Donadon é fruto de uma decisão do Supremo Tribunal Federal segundo a qual, mesmo condenado em última instância, o parlamentar só perde o mandato se sua Câmara assim o quiser.
Antes de Donadon, dois outros condenados em instância final pelo STF – os deputados João Paulo Cunha e José Genoíno – não apenas mantiveram seus mandatos, como passaram a integrar a Comissão de Constituição e...Justiça da Câmara.
Lá, recepcionaram uma emenda que pretendia submeter as decisões do STF à deliberação do Congresso. Considerando-se alguns personagens e procedimentos recentes do STF, até que aquela decisão ganha algum sentido.
O ministro Dias Toffoli, por exemplo, é relator de uma ação que tem como réu o Banco Mercantil do Brasil (BMG). Há, porém, um detalhe, considerado irrelevante: é simultaneamente relator e tomador de empréstimo no banco, numa operação em que obteve, segundo O Estado de S. Paulo, nada menos que R$ 1,4 milhão.
Ora, mas o que é isso para alguém que se julga desimpedido de julgar (e julga!) um ex-chefe, José Dirceu, do partido para o qual advogou, o PT? Numa petição ao TSE, em 2006, quando advogava na campanha pela reeleição de Lula, Toffoli afirmou que o Mensalão “nunca ficou comprovado”. Mesmo assim, está julgando-o.
Bem, e a Bolívia? O PT mantém relações de subserviente surrealismo com aquele país, governado por Evo Morales. Em 2007, Morales, apossou-se, manu militari, de uma refinaria da Petrobras. A reação de Lula foi comovente: “Eles são pobres”. E ponto final.
O contribuinte brasileiro, que, como se sabe, é rico, teve direito apenas à perplexidade, da qual ainda não saiu, já que a Bolívia parece ser um filão inesgotável. Lá, estiveram presos por cerca de seis meses, sem processo ou culpa formada, 12 torcedores do Corinthians, em decorrência da morte de um torcedor boliviano.
Tratou-se de um crime, sem dúvida, mas sem autoria identificada e sem meios de obtê-la, o que tornou ilegal a prisão. O governo brasileiro não fez qualquer manifestação a respeito.
Quando o avião de Evo Morales, em julho passado, foi submetido a revista no aeroporto de Viena, sob suspeita de trazer a bordo o ex-agente americano Edward Snowden, a presidente Dilma emitiu furiosa nota de desagravo ao presidente boliviano, que em momento algum se mostrou reconhecido.
Ao contrário, reage agora com indignação à vinda do senador Roger Pinto Molina ao Brasil, que já lhe concedera asilo, embora sem o indispensável salvo conduto para materializá-lo. O asilo é ato humanitário, previsto em tratados dos quais Brasil e Bolívia são signatários. Dá-lo sem salvo conduto é como não dá-lo.
E é absurdo é alguém ser mantido por 455 dias numa sala, ainda que de uma confortável embaixada, sem direito a visitas e sem perspectiva de saída. A metáfora do Doi-Codi, que tanto irritou a presidente, é pertinente. Absurda e lamentável é sua performance no episódio, cujo desfecho entrará para o rol dos casos simultaneamente auto-explicáveis e auto-inexplicáveis caso se submeta à exigência de Morales (mais uma) devolvendo o senador.
Infelizmente, não sobra espaço para um paralelo com o caso Cesare Battisti e um exame da estranha mutação humanitária de nossa diplomacia, movida a ideologia.

Ruy Fabiano é jornalista.

Quando imagens falam alto


Dorrit Harazim, O Globo
É sempre imprevisível o desdobramento que pode ter na vida de uma pessoa até então desconhecida o fato de ter sido fotografada, por acaso, no lugar errado e na hora errada. Ou no lugar certo e na hora certa. A História está coalhada desse tipo de instantâneo que transforma o protagonista em símbolo de algo maior do que ele.
Nesta linha, vale esmiuçar uma foto estampada na primeira página da “Folha de S.Paulo” desta terça-feira. Ela mostrava, em primeiríssimo plano, um homem de estatura forte e fisionomia tensa. Sua linguagem corporal era defensiva. Mantinha o olhar fixo em algum ponto morto, talvez para evitar contato visual com a hostilidade à sua volta. Sua alegre camisa xadrez amarela parecia destoar do ambiente carregado.
Era negro, cubano e médico.
No flagrante captado pelo fotógrafo, ele recebia apupos de duas mulheres que estreitavam sua passagem. Brancas, ainda jovens e de fino trato, destacavam-se pelos jalecos. Faziam parte de um grupo de médicos cearenses. Com as mãos em torno da boca para ampliar o eco das ofensas, xingavam o cubano em coro com outros só parcialmente enquadrados. Eram o retrato da intolerância.
Como foi fartamente noticiado, o episódio ocorreu em Fortaleza, no fim do primeiro dia de treinamento dos 96 recém-desembarcados estrangeiros (79 dos quais cubanos) do programa Mais Médicos. No Ceará, onde 701 dos municípios foram preteridos por profissionais brasileiros, o Sindicato dos Médicos estadual decidira protestar contra a contratação de cubanos e cercara a Escola de Saúde Pública da cidade, onde se realizava o curso. Houve tumulto, empurra-empurra, ovo voando.
Ao fim da aula inaugural, os cubanos, assustados, se viram cercados e obrigados a passar por um corredor humano de colegas de profissão brasileiros que os vaiavam e chamavam de “escravos”, “incompetentes”. Palavras de ordem como “Voltem para a senzala” foram entoadas contra os estranhos ao ninho.
Por mera associação visual de imagem, o flagrante de Fortaleza trouxe à mente uma foto — essa sim, icônica — captada em Little Rock, no estado do Arkansas, 56 anos atrás. Ela transformou o rosto de uma adolescente de 15 anos na imagem do ódio racial nos Estados Unidos e fez da fisionomia da outra adolescente retratada a face da tenacidade negra. À época, nenhuma das duas jovens americanas sequer notou o instante em que o fotógrafo do “Arkansas Democrat” virou suas vidas pelo avesso.
Foi no dia 4 de setembro de 1957, seis anos antes de o pastor Martin Luther King levar para Washington seu célebre discurso-sonho de uma América menos desigual. Elizabeth Eckford era uma adolescente reservada. Estava entre os nove alunos negros de Little Rock selecionados para cumprir a ordem judicial de integração racial na cidade. Mas se perdeu do seu grupo e precisou marchar sozinha em direção ao portão principal da melhor escola local, até então reservada a alunos brancos.
À sua frente, teve a passagem barrada por soldados armados da Guarda Nacional. Às suas costas, uma pequena multidão começou a lhe lançar xingamentos. “”Vamos linchá-la”, “Dá o fora, macaca”. Uma senhorinha branca a quem pediu ajuda lhe cuspiu no rosto.
Ao tentar sair dali sem correr, como lhe ensinara a mãe, teve um séquito de jovens no seu encalço, além de três adolescentes coladas no calcanhar.
Quando o flash do fotógrafo disparou, uma das três entoava o bordão “Vai pra casa, nigger. Volta para a Africa”. Era Hazel Bryan, de 15 anos, esbelta, coquete e popular aluna do colégio segregado. A foto captou-a de olhos e sobrancelhas franzidos e de boca aberta contorcida pela raiva. E, em primeiro plano, via-se a estudante negra Elizabeth, de vestido de algodão branco, apertando um fichário e um livro contra o peito. Prosseguia sua caminhada de cabeça erguida, com o medo escondido atrás de óculos escuros.
Por mero acaso e apesar da pouca idade, ambas foram assim catapultadas para a História — Hazel como o retrato do ódio racial, Elizabeth, o da determinação — e tiveram o resto de suas vidas marcado por aquele instantâneo.
O flagrante do episódio cearense difere em quase tudo do caso que entrou para a história dos direitos civis americanos como “Os Nove de Little Rock” — na natureza, no significado, na dimensão, na consequência. Aproximam-se apenas por humanizarem de forma indelével, para o bem ou para o mal, um noticiário até então sem rosto.
No caso de Little Rock, as duas protagonistas eram meninas que repetiram em público o que aprenderam em casa. No caso de Fortaleza, são todos adultos — o cubano negro, assustado, mais tarde identificado como Juan Delgado, de 49 anos, que já trabalhou quatro anos no Haiti — e as duas médicas brasileiras retratadas aos apupos. Olhando pelo retrovisor, talvez preferissem ter ficado fora da foto. Ou do foco.
Em tempo: segundo dados do Censo de 2010, somente 1,5% dos médicos brasileiros se autodenomina negro e 13,4% se autoclassificam como pardos. Já no cômputo geral dos agora mais de 200 milhões de cidadãos brasileiros, contudo, 50,7% se autodeclaram pretos ou pardos.

Dorrit Harazim é jornalista.

Blue de qualidade - Albert King With Stevie Ray Vaughan In Session - Born Under A Bad Sign

Ministro Joaquim Barbosa tem que falar o que quiser


Antonio Santos Aquino
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, tem deixado atônitos pela coragem de dizer o que os falsos moralistas seus pares do STF (não todos), não dizem. E todos sabemos que foi armado um esquema para absorver os mensaleiros.
Quem está fora do esquema pelo que se ouve e vê pela TV são os ministros Gilmar Mendes (que já sofreu diversas investidas para constrangê-lo, inclusive do próprio Lula), Celso de Melo e Joaquim Barbosa. Os outros trafegam em uma zona cinzenta difícil de identificarmos seus propósitos e interesses.
Joaquim Barbosa carrega um sentimento atávico muito grande. Mas não acho que ele seja inconveniente, mal educado, desrespeitoso com seus pares ou com a sociedade. Alguém tem dúvida do comportamento suspeito de Lewandowiski? Sem me aprofundar lembro apenas a primeira sessão sobre o “mensalão”. Lewandowiski foi flagrado trocando e-mail com Carmem Lúcia. Qual o propósito dessa combinação?
Lewandowiski é amigo de mocidade de dona Marisa, por consequência amigo de Lula. Alguém imagina que ele não vai se empenhar até o limite dos limites para absolver a turma do mensalão, principalmente Dirceu?
Barbosa tem que falar o que quiser. Chicana é termo empregado no meio jurídico. Ah, é ofensivo? Está bem, então que seja. Barbosa é conhecido de todos seus pares, sempre foi assim; seus defeitos são humanos. A verdade em qualquer boca dói!

Lula não é candidato e Lula é candidato




Carlos Chagas

Depois de cada milésima vez em  que o ex-presidente Lula afirma  não ser candidato à presidência da República, ano que vem, sucedem-se notas e comentários atribuindo-se a ele a intenção oposta.  Neste fim de semana foi o correto Ancelmo Góes, no Globo, que sem desmentir o primeiro-companheiro, informou o oposto, ou seja, que o Lula acaba de  admitir  a hipótese. Desde tempos remotos prevalece a máxima: a imprensa aumenta, mas não inventa.

Pode até acontecer que  numa ou outra ocasião os meios de comunicação extrapolem, abrigando ou até criando mentiras. Não faz muito que a mídia jurou que o governo do Iraque detinha um arsenal de armas químicas.  Por conta da informação lançada pelo Pentágono, meio  mundo acreditou e apoiou a invasão americana que devastou aquele país.  Provou-se, depois que enforcaram Saddam Hussein, não existir aquele pretexto. Ainda agora espalha-se  a notícia de que outro ditador da região, na Síria,  acaba de massacrar seu próprio  povo com as mesmas armas. Pode estar sendo repetida a  farsa, capaz de justificar  o lançamento de mísseis sobre aquele desgraçado país, fazendo a felicidade da indústria bélica americana.

Quanto às intenções do Lula, confundem-se com as de Barack Obama, guardadas as proporções. Ele não é candidato, em homenagem à  sucessora que tem o direito à reeleição. Mas se estiver em jogo a perda do poder, será candidato. E provavelmente vitorioso, coisa que por enquanto não se garante para Dilma.

Num caso e no outro, quer dizer, candidatando-se ou não o Lula,  a imprensa será cobrada. Iludiu a opinião pública, nesta ou naquela hipótese. Convenhamos, trata-se de uma pantomima. Porque a mídia reflete a luz, como os planetas. Não a cria, como as estrelas. Sendo assim, melhor seria cortejar a escuridão? Ignorar a oscilação das tendências populares, que as pesquisas eleitorais confundem mais do que esclarecem? Deixar de lado as ambições?

A palavra do ex-presidente Lula é ambivalente. Seu compromisso com Dilma Rousseff envolve apenas perspectiva de vitória. Diante dela, mesmo com seu superdimensionado ego, prevalecerá a palavra anterior, de apoiá-la para o constitucional  segundo mandato, mesmo sabendo dos riscos de a criatura desligar-se do criador. Agora, se estiver em risco a reeleição,  o ego e a necessidade da preservação do poder dar-se-ão as mãos. Ancelmo Góes terá razão nos dois casos. Lula não é candidato e Lula é candidato.

MELHORA FATAL

Sejam 12 ou 16 os ministros candidatos às eleições gerais do ano que vem,  verdade é que a equipe da presidente Dilma será modificada, provavelmente em dezembro, ainda que com a  oportunidade de poder celebrar o Natal e o Ano Novo na Esplanada dos Ministérios. Abre-se uma nova perspectiva: em vez dos políticos e dos representantes dos partidos, todos interessados em preservar seu futuro, poderão ser escolhidos técnicos para substituí-los. Gente mais ligada aos diversos problemas de cada área.

Fatalmente, terá que ser assim, dependendo,apenas, da vontade da presidente Dilma. O que não dá  para aceitar é que ela nomeie, para o ministério, os substitutos dos atuais ministros, capazes de apenas esquentar as cadeiras para o retorno dos atuais titulares.

O genial protesto de Capinam e Edu Lobo


O advogado, publicitário, poeta e letrista baiano José Carlos Capinam explica que, a vitória de “Ponteio” no III Festival da Record, em 1967, música de raiz sertaneja, trazia na letra uma interação política bem ao gosto da plateia mais politizada, com alusões certeiras ao desejo de mudança: Certo dia que sei por inteiro/ eu espero, não vá demorar/ este dia estou certo que vem/ digo logo o que vim pra buscar(…) vou ver o tempo mudado/ e um novo lugar pra cantar. Era o bordão contra a ditadura militar, então,  vigente no pais desde 1964. Esta música foi gravada no LP Edu Lobo, Marília Medalha, grupo Momento Quatro e grupo Quarteto Novo, em 1967, pela Philips.
Capinam, Marilia Medalha e Edu Lobo
PONTEIOEdu Lobo e José Carlos Capinam
Era um, era dois, era cem
Era o mundo chegando e ninguém
Que soubesse que eu sou violeiro
Que me desse ou amor ou dinheiro
Era um, era dois, era cem
Vieram pra me perguntar
Ô, você, de onde vai, de onde vem
Diga logo o que tem pra contar
Parado no meio do mundo
Senti chegar meu momento
Olhei pro mundo e nem via
Nem sombra, nem sol, nem vento
Quem me dera agora
Eu tivesse a viola pra cantar
Era um dia, era claro, quase meio
Era um canto calado, sem ponteio
Violência, viola, violeiro
Era morte em redor, mundo inteiro
Era um dia, era claro, quase meio
Tinha um que jurou me quebrar
Mas não lembro de dor nem receio
Só sabia das ondas do mar
Jogaram a viola no mundo
Mas fui lá no fundo buscar
Se eu tomo a viola ponteio
Meu canto não posso parar, não
Quem me dera agora
Eu tivesse a viola pra cantar
Era um, era dois, era cem
Era um dia, era claro, quase meio
Encerrar meu cantar já convém
Prometendo um novo ponteio
Certo dia que sei por inteiro
Eu espero, não vá demorar
Este dia estou certo que vem
Digo logo o que vim pra buscar
Correndo no meio do mundo
Não deixo a viola de lado
Vou ver o tempo mudado
E um novo lugar pra cantar
Quem me dera agora
Eu tivesse a viola pra cantar

Deveriam escrever mais sobre futebol, por Tostão


1
Tostão (OTempo)
Terminei de ler o livro que gostaria de ter escrito, “O Drible”, um romance, uma ficção, do escritor Sérgio Rodrigues, que, brevemente, será lançado pela Companhia das Letras. O maior protagonista do livro é o futebol. Nas primeiras páginas, Sérgio descreve, de uma maneira espetacular, o famoso drible de Pelé no goleiro Mazurkiewicz, do Uruguai, na semifinal da Copa de 1970. Faço uma ponta no livro, pois dei o passe para Pelé fazer o quase gol mais bonito da história.
Tentei escrever um romance, com o futebol de pano de fundo. As dezenas de folhas de papel, escritas à mão, acabaram na cesta de lixo. Seria mais um livro para ser esquecido nas estantes. Discordo que exista pouca literatura sobre futebol do Brasil. Faltam excelentes livros, como “O Drible”, talvez o único grande romance brasileiro sobre o assunto. Escritores, poetas, filósofos, psicanalistas e artistas deveriam escrever mais sobre futebol. No passado, era mais comum. Por não se preocuparem tanto com os detalhes estatísticos, técnicos e táticos nem terem os vícios da linguagem futebolística, além de possuírem uma visão mais humana, teatral e literária do jogo, enriquecem a crônica esportiva.
As classificações e as viradas de Flamengo, Grêmio, Atlético-PR, Goiás e Corinthians, na Copa do Brasil, mostram a força de jogar em casa. Faltam explicações mais convincentes, científicas e psicológicas para o fato de times, diante de suas torcidas, se agigantarem e fazerem partidas heroicas, enquanto os visitantes costumam se sentir desamparados, como crianças indefesas.É frequente e antiga a história de times, como o Cruzeiro, superior ao adversário, que pode empatar por 0 a 0, que tenta “cozinhar o jogo”, em fogo baixo, e, no fim, sofre um gol e é eliminado.
Já o Atlético, mesmo no Independência, onde quem caía estava morto, não repetiu as viradas da Libertadores. São situações diferentes. Uma equipe que, antes do jogo, já tem um álibi, uma desculpa, corre grandes riscos de insucesso. É a mesma situação do Corinthians, após o título mundial. Corinthians e Atlético não se sentem pressionados. A diferença é que o Atlético só pensa no futuro, no Marrocos, enquanto o Corinthians só pensa no passado.
Flamengo e Botafogo também se classificaram por seus méritos. Mano Menezes, que cometeu erros em duas partidas anteriores, foi brilhante, ao colocar, quando o Flamengo pressionava o Cruzeiro, uma dupla de jogadores velozes, pela direita, Rafinha e Paulinho, e ao tirar o lateral. Assim saiu o gol e várias outras boas jogadas. Além de tantas explicações técnicas, táticas, psicológicas e sociológicas para os resultados, existe o importante acaso, que não torce por nenhum time.
ELIMINAÇÕES
Dizem que os torcedores do Atlético e do Cruzeiro estão felizes com a eliminação do rival. No gol do Flamengo, Leandro Guerreiro, em vez de marcar Elias, que se aproximava, correu para dentro da área, onde já estavam três defensores do Cruzeiro. Egídio não tinha nada também que avançar e marcar mais à frente, faltando poucos minutos para terminar o jogo. São detalhes que mudam a história de uma partida.
Apesar da eliminação, o Atlético teve muitas chances de gol e não aproveitou. Além disso, o Botafogo é melhor do que o Newell’s Old Boys e o Olimpia. O maior problema do Atlético, desde a Libertadores, continua sendo o de sofrer muitos gols fora de casa e ter de virar o placar.

O destino do refugiado boliviano


Tereza Cruvinel
(Correio Braziliense)
A crise diplomática com a Bolívia, detonada pela desastrada fuga do senador Molina Pinto para o Brasil, com o auxílio de um trêfego diplomata brasileiro, não se encerra com a substituição do ministro das Relações Exteriores. Na primeira fala sobre o assunto, o presidente boliviano, Evo Morales, pediu a devolução do senador. Circularam rumores de que a presidente Dilma decidira por sua permanência no Brasil, mas essa não é uma decisão unilateral dela. Na posse do novo chanceler, Luiz Alberto Figueiredo, o embaixador da Bolívia no Brasil, Jerges Justiniano, lembrava que Molina era asilado na embaixada. “Aqui, é apenas um refugiado.”
Isso é fato. Seu pedido de asilo terá que ser analisado pelo Comitê Nacional para Refugiados, o Conare. Por fim, Brasil e Bolívia têm um trato de extradição em vigor desde 1942. 
O governo boliviano, como fazia ontem seu embaixador, insistirá no fato de que não há ditadura na Bolívia e que Molina não é um perseguido político. Os processos a que ele responde na Justiça são por corrupção. O país em que o STF se dedica, há meses, a julgar um escândalo de corrupção, vai protegê-lo rasgando um acordo bilateral?
Para alguns diplomatas, Morales apenas declarou sua expectativa de que o Brasil devolva Molina, mas, num segundo momento, deverá invocar o acordo de extradição, por sinal, firmado por um dos grandes de nossa diplomacia, Oswaldo Aranha. Tal como o caso Batisti, este também poderá terminar no STF, que se veria julgando algo parecido com uma eventual concessão de asilo, por alguma embaixada, ao deputado Donadon ou algum réu do mensalão, que depois fugiria do Brasil com apoio de diplomata da hipotética embaixada.
GANHANDO TEMPO
Possivelmente, o Brasil dirá que o destino do refugiado será decidido depois do exame do caso pelas instâncias pertinentes, como o Conare, ganhando tempo para a decisão política — e isso vai demorar. A decisão é política pois, a essa altura, o episódio também já foi tragado pelo campo magnético da disputa partidária.
No Congresso, senadores e deputados da oposição continuam louvando a iniciativa do embaixador Eduardo Saboya ao assumir o risco de dar fuga ao asilado para lhe garantir a liberdade, mesmo sem consultar os superiores. No Senado, silêncio absoluto sobre o papel do senador Ricardo Ferraço, presidente da Comissão de Relações Exteriores, ao buscar Molina em Corumbá em avião emprestado não se sabe por quem. Ele mesmo declarou ter se articulado com o encarregado de negócios Eduardo Saboya para a operação.
Senadores da oposição já lhe deram apoio, e seu partido, o PMDB, fechou questão em sua defesa. Senadores do PT pensam em pedir esclarecimentos, mas a relação com o PMDB anda por demais tensa para fazerem isso. Ao contrário do presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, Nelson Pellegrino — que foi à posse de Figueiredo e ao ato em que o ex-ministro Patriota lhe transmitiu o cargo —, Ferraço desapareceu de cena. Que seus pares não lhe cobrem o decoro, vá lá. Mas o silêncio é, no mínimo, uma omissão institucional.

Oito dicas para ampliar imóveis pequenos



Morar em espaços reduzidos é uma prática diária de desapego. Não é possível acumular nada e tudo deve ser muito bem planejado. O designer canadense Graham Hill sabe bem disso. Ele mora em um apartamento de 39 m², em Nova York, onde guarda tudo o que precisa, hospeda amigos e ainda faz recepções para até dez pessoas.
Como? Investindo em praticidade e desapego. “As pessoas olham meu armário e ficam espantadas porque tenho apenas seis camisas. Elas sempre querem espaço para livros e sapatos”, afirma.

"Todos nós podemos viver em imóveis pequenos. Adoro ter menos coisas para manter, pagar e limpar. Muita gente acredita que mais é melhor e, por isso, morar em metragens reduzidas se torna tão difícil.”

imóvel do designer conta com diversas adaptações que garantem o conforto. Armários embutidos, cama e beliches retráteis, móveis multiuso e eletroportáteis são algumas das soluções usadas por Hill. Mas o destaque é o “armário-parede” que otimiza espaço e permite, quando necessário, criar locais individualizados.

“Tudo deve ter um propósito. Não podemos usar mesas enormes em ambientes diminutos e esperar que funcione”, afirma. Tal percepção impulsionou-o a fundar, em 2009, a consultora “ Life Edited ” (Vida Editada, em português) – com o objetivo de atender empresas do segmento imobiliário.

Graham Hill se prepara agora para finalizar a consultoria do empreendimento VN Quatá, da Vitacon, localizado na Vila Olímpia, em São Paulo. O prédio conta com 53 apartamentos – de áreas entre 19 m² e 25 m² –- e tem como público-alvo estudantes e jovens executivos. “Imóveis desta metragem estão em alta e vêm sendo muito procurados por solteiros, jovens e até casais sem filhos.

Nossa proposta é oferecer estúdios práticos, compactos e muito versáteis. O investimento deve variar entre R$ 250 mil e R$ 350 mil”, afirma Alexandre Lafer Frankel, dono da incorporadora e construtora.

Quer saber mais truques do designer canadense e caprichar na montagem do seu imóvel? Confira abaixo.

1 - Deixe visível apenas o que estiver em uso

Ambientes de metragens reduzidas parecerão maiores quanto menos visualmente poluídos estiverem. Assim, a alternativa indicada pelo designer é esconder peças em desuso.

A cama é um dos elementos que pode sumir durante o dia. Para escondê-la e liberar mais espaço, o ideal é apostar em modelos de parede ou até um sofá-cama. “O principal erro ao organizar um imóvel pequeno é tentar viver como se ele fosse grande. Não é adequado ter a mesma quantidade de móveis e equipamentos”, diz Hill.

Assista ao vídeo e entenda como o designer canadense organiza o apartamento em NY:

2 - Aposte em móveis multiuso

Nada melhor do que abusar de peças versáteis e resolver os problemas de amplitude. O designer canadense investe nesse tipo de mobiliário em seu próprio apartamento –- e garante ser a melhor alternativa em locais reduzidos.

“Uma prateleira bem adaptada consegue, por exemplo, ser usada como mesa, balcão de café ou ainda em local para o jantar. Dessa maneira, é possível conseguir três peças em uma”, afirma.

3 - Aproveite todos os espaços

Outra saída para ganhar amplitude é trabalhar com 100% de aproveitamento. O que significa usar até mesmo os espaços verticais do ambiente.

Hill apostou nesta ideia e incluiu armários embutidos até o teto no apartamento nova-iorquino. “Procuro manter o centro do flat livre de peças decorativas, o que aumenta a sensação de amplitude”, diz. “O forro dos imóveis também pode ser aproveitado e isso permite guardar o dobro de elementos.”

4 - Abuse do mobiliário embutido

Segundo Graham Hill, as peças de imóveis pequenos devem se encaixar para nenhum ambiente perder espaço. A saída mais recomendada, na maioria dos casos, é apostar nos embutidos . “O melhor ainda é combinar estes modelos com peças de tamanho reduzido”, afirma.

5 - Tenha somente o necessário

Nada de acúmulo, afinal não há possibilidade. Elementos com pouco uso – eletrônicos e utensílios de cozinha, por exemplo – podem atrapalhar a circulação e devem ser substituídos ou descartados.

“Viver em espaços pequenos ajuda a descobrir o que realmente importa em nossas vidas. Após a arrumação, todo o restante será de extrema utilidade e terá muito significado”, diz.

6 - Valorize os ambientes importantes

O designer canadense ressalta a importância de adequar a arrumação ao estilo de vida do morador. Pessoas solteiras, na maioria das vezes, não recebem mais do que dez convidados nas refeições.

E, segundo ele, isso permite dispensar a sala de jantar. “Muitas famílias também fogem deste perfil e comem no sofá ou na mesa da cozinha. Logo, não há motivo para haver uma sala de jantar”, afirma Hill.

7 - Atenção ao tamanho do mobiliário

Usar o recurso dos móveis sob medida é mais umtrunfo para ganhar espaço. Graham Hill conta que nem sempre as peças de apartamentos grandes são adequadas a metragens reduzidas.

A adaptação, no entanto, apresenta custos elevados. “As pessoas devem entender que todos os elementos são importantes ao decorar um imóvel pequeno. É melhor não ter um móvel do que investir em uma escolha errada”, diz.

8 - Use equipamentos práticos na cozinha

Refeições deliciosas podem surgir de cozinhas pequenas. O importante é haver praticidade. Uma saída interessante é abusar de aparelhos portáteis e de tamanhos diminutos.

Fogões podem ser substituídos, por exemplo, por cooktops e fornos elétricos. “Quem cozinha pouco em casa não precisa de uma cozinha repleta de equipamentos convencionais. Gosto de usar elementos que sejam guardados em gavetas quando desligados”, afirma Hill.

Bruna Bessi/iG São Paulo

GILBERTO FREYRE E OS MÉDICOS CUBANOS Percival Puggina




          Recebo carta de leitor disposto a ensinar-me que o convênio para admissão de médicos estrangeiros no Brasil prevê que eles sejam acompanhados pelas famílias. Como se eu não tivesse lido a Medida Provisória nº 623 de 19 de julho de 2013! Está ali, sim, com todas as letras, que o Brasil reconhece o óbvio direito do estrangeiro admitido no programa Mais Médicos de se fazer acompanhar por cônjuge e filhos enquanto prestar serviços ao nosso país. O problema que ao missivista pareceu irrelevante é este: enquanto os profissionais de quaisquer outras procedências exercerão esse direito, os cubanos são os únicos aos quais ele é vedado, não aqui, mas no país de origem. O doutor vem, mas a família fica lá, como garantia de retorno do cativo a seu dono e senhor, o Estado marxista-leninista de Cuba. O que a Medida Provisória de Dilma permite não está previsto nas Cartilhas do Cárcere do governo cubano. Há gente que pensa que os outros não pensam.

          A vergonhosa manifestação promovida por alguns médicos brasileiros contra os cubanos que desembarcaram em Fortaleza foi um self-service bem fornido para proveito dos formadores de opinião que atribuem a preconceitos ideológicos qualquer atitude avessa à agenda petista. Como se a defesa dos interesses do petismo estivesse associada aos mais translúcidos e elevados ideais humanos! Ou, como se essa defesa fosse gerada por um ambiente filosófico e político blindado à mais tênue contaminação ideológica. Me poupem.

          O site da revista Carta Capital na última quarta-feira deu destaque ao recém chegado Dr. Juan Delgado. "Não sei porque nos chamam de escravos", exclamou ele, observando que não vem tirar trabalho de ninguém e que todos irão para onde os médicos brasileiros não querem ir. Tem razão em parte, o Dr. Juan. A atitude dos seus colegas cearenses foi deplorável grosseria. Por outro lado, é irremediável a situação do escravo que sequer tem consciência de ser escravo. Danosa, também, a matéria da revista, claro, por não informar o leitor sobre a escravidão que o regime castrista impõe aos cidadãos da ilha. Carta Capital faz malabarismos. Também ela pensa que os outros não pensam.

          A presidente Dilma veio às falas naquele estilo que não dá bola para sujeito, predicado e complemento: "É um imenso preconceito esse que algumas vezes a gente vê sendo externado contra os médicos cubanos. Primeiro, é importante dizer que os médicos estrangeiros, e aí não só os cubanos, porque tem cubano, argentino, uruguaio, espanhol, português, tem de várias nacionalidades. Esses médicos vêm ao Brasil para trabalhar onde os médicos brasileiros formados aqui não querem trabalhar".

          Pois é, presidente, também a senhora não percebe. Argentinos, uruguaios, espanhóis e portugueses vêm ao Brasil de livre e espontânea vontade e são admitidos no programa individualmente, um a um. Já os cubanos, são tratados como gado de curral, vendidos aos lotes. Recebem pequena fração do que seus outros colegas embolsam enquanto a parte robusta do ervanário gerado por seu trabalho vai para os cofres de Havana. (Nota: Repete-se aqui, com os médicos, o tipo de locação com que o regime de Havana servia a Moscou jovens soldados, como bucha de canhão, nas guerras e guerrilhas que os soviéticos mantinham ou subsidiavam na África.) Considerar que os cubanos merecem tão desumano e depreciativo tratamento é muito mais do que preconceito. É maldade e perversão.

          Critique os manifestantes de Fortaleza, presidente. Mas dê uma olhada no que a senhora e os stalinistas de seu governo andam fazendo. Seu Advogado Geral da União já avisou que para os médicos cubanos não haverá asilo... Pergunte à ministra Maria de Rosário o que ela acha disso tudo na perspectiva dos Direitos Humanos. E se ela disser que concorda, despache-a com aquela sua caneta (retrátil, é verdade) de assinar demissões. Lembrei-me de Gilberto Freyre. Brasília, nesta alvorada do século 21, tornou-se a nova Casa Grande que contrata e paga por cabeça na senzala cubana.

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Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

FILHOS DE JORGE - ZIRIGUIDUM (CLIPE OFICIAL) Yiri Yiri boum

"Nossa medicina é quase de curandeirismo", diz doutor cubano

Mais Médicos


Gilberto Velazco Serrano, de 32 anos, conta por que, em 2006, desertou de uma missão de seu país na Bolívia - na qual os médicos eram vigiados por paramilitares

Aretha Yarak
O cubano Gilberto Velazco Serrano, de 32 anos, é médico. Na ilha dos irmãos Castro ele aprendeu seu ofício em meio a livros desatualizados e à falta crônica de medicamentos e de equipamentos. Os sonhos de ajudar os desamparados bateu de frente, ainda durante sua formação universitária, com a dura realidade de seu país: falta de infraestrutura, doutrinação política e arbitrariedade por parte do governo. "É triste, mas eu diria que o que se pratica em Cuba é uma medicina quase de curandeirismo”, diz  Velazco. 
Ao ser enviado à Bolívia em 2006, para o que seria uma ação humanitária, o médico se viu em meio a uma manobra política, que visava pregar a ideologia comunista. “A brigada tinha cerca de 10 paramilitares, que estavam ali para nos dizer o que fazer”. Velazco não suportou a servidão forçada e fugiu. Sua primeira parada foi pedir abrigo político no Brasil, que permitiu sua estada apenas de maneira provisória. Hoje, ele mora com a família em Miami, nos Estados Unidos, onde tem asilo político e estuda para revalidar seu diploma. De lá, ele concedeu a seguinte entrevista ao site de VEJA:
Como os médicos são selecionados para as missões?
Eles são obrigados a participar. Em Cuba, se é obrigado a tudo, o governo diz até o que você deve comer e o que estudar. As brigadas médicas são apenas uma extensão disso. Se eles precisam de 100 médicos para uma missão, você precisa estar disponível. Normalmente, eles faziam uma filtragem ideológica, selecionavam pessoas alinhadas ao regime. Mas com tantas colaborações internacionais, acredito que essa filtragem esteja menos rígida ou tenha até acabado.
Como foi sua missão?
Fomos enviados 140 médicos para a Bolívia em 2006. Disseram que íamos ficar no país por três meses para ajudar a população após uma enchente. Quando cheguei lá, fiquei sabendo que não chovia há meses. Era tudo mentira. Os três meses iniciais viraram dois anos. O pior de tudo é que o grupo de 140 pessoas não era formado apenas por médicos - havia pelo menos 10 paramilitares. A chefe da brigada, por exemplo, não era médica. Os paramilitares estavam infiltrados para impedir que a gente fugisse.
Paramilitares?
Vi armas dentro das casas onde eles moravam. Eles andavam com dinheiro e viviam em mansões, enquanto nós éramos obrigados a morar nos hospitais com os pacientes internados. Quando chegamos a Havana para embarcar para a Bolívia, assinamos uma lista para registro. Eram 14 listas com 10 nomes cada. Em uma delas, nenhum dos médicos pode assinar. Essa era a lista que tinha os nomes dos paramilitares.
Como era o trabalho dos paramilitares?
Não me esqueço do que a chefe da brigada disse: “Vocês são guerrilheiros, não médicos. Não viemos à Bolívia tratar doenças parasitárias, vocês são guerrilheiros que vieram ganhar a luta que Che Guevara não pode terminar”. Eles nos diziam o que fazer, como nos comportar e eram os responsáveis por evitar deserções e impedir que fugíssemos. Na Bolívia, ela nos disse que deveríamos estudar a catarata. Estávamos lá, a priori, para a atenção básica – não para operações como catarata. Mas tratar a catarata, uma cirurgia muito simples, tinha um efeito psicológico no paciente e também na família. Todos ficariam agradecidos à brigada cubana.
Você foi obrigado a fazer algo que não quisesse?
Certa vez, eu fui para Santa Cruz para uma reunião, lá me disseram que eu teria de ficar no telefone, para atender informações dos médicos e fazer estatísticas. O objetivo era cadastrar o número de atendimentos feitos naquele dia. Alguns médicos ligavam para passar informações, outros não. Eu precisava falar com todos, do contrário os líderes saíam à caça daquele com quem eu não havia conversado. Quando terminei o relatório, 603 pacientes tinham sido atendidos. Na teoria, estávamos em 140 médicos na Bolívia, mas foi divulgado oficialmente que o grupo seria de 680. Então como poderiam ter sido feitas apenas 603 consultas? Acabei tendo que alterar os dados, já que o estabelecido era um mínimo de 72 atendimentos por médico ao dia. Os dados foram falsificados.
Como é a formação de um médico em Cuba?
Muito ruim. É uma graduação extremamente ideologizada, as aulas são teóricas, os livros são velhos e desatualizados. Alguns tinham até páginas perdidas. Aprendi sobre as doenças na literatura médica, porque não tinha reativo de glicemia para fazer um exame, por exemplo. Não dava para fazer hemograma. A máquina de raio-X só podia ser usada em casos extremos. Os hospitais tinham barata, ratos e, às vezes, faltava até água. Vi diversos pacientes que só foram medicados porque os parentes mandavam remédios dos Estados Unidos. Aspirina, por exemplo, era artigo raro. É triste, mas eu diria que é uma medicina quase de curandeiro. Você fala para o paciente que ele deveria tomar tal remédio. Mas não tem. Aí você acaba tendo que indicar um chá, um suco.
Como era feita essa "graduação extremamente ideologizada" que o senhor menciona?
Tínhamos uma disciplina chamada preparação militar. Ficávamos duas semanas por ano fora da universidade para atender a essa demanda. Segundo o governo cubano, o imperialismo iria atacar a ilha e tínhamos que nos defender. Assim, estudávamos tudo sobre bombas químicas, aprendíamos a atirar com rifle, a fazer maquiagem de guerra e a nos arrastar no chão. Mas isso não é algo exclusivo na faculdade de medicina, são ensinamentos dados até a crianças.
Como é o sistema de saúde de Cuba?
O país está vivendo uma epidemia de cólera. Nas últimas décadas não havia registro dessa doença. Agora, até a capital Havana está em crise. A cólera é uma doença típica da pobreza extrema, ela não é facilmente transmissível. Isso acontece porque o sistema público de saúde está deteriorado. Quase não existem mais médicos em Cuba, em função das missões.
Por que você resolveu fugir da missão na Bolívia?
Nasci em Cuba, estudei em Cuba, passei minha vida na ilha. Minha realidade era: ao me formar médico eu teria um salário de 25 dólares, sem permissão para sair do país, tendo que fazer o que o governo me obrigasse a fazer. Em Cuba, o paramédico é uma propriedade do governo. A Bolívia era um país um pouco mais livre, mas, supostamente, eu tinha sido enviado para trabalhar por apenas três meses. Lá, me avisaram que eu teria de ficar por dois anos. Eu não tinha opção. Eram pagos 5.000 dólares por médico, mas eu recebia apenas 100 dólares: 80 em alimentos que eles me davam e os 20 em dinheiro. A verdade é que eu nunca fui pago corretamente, já que médico cubano não pode ter dinheiro em mãos, se não compra a fuga. Todas essas condições eram insustentáveis.
Você pediu asilo no Brasil?
Pedi que o Brasil me ajudasse no refúgio. Aleguei que faria o Revalida e iria para o Nordeste trabalhar em regiões pobres, mas a Polícia Federal disse que não poderia regularizar minha situação. Consegui um refúgio temporário, válido de 1 de novembro de 2006 a 4 de fevereiro de 2007. Nesse meio tempo, fui à embaixada dos Estados Unidos e fui aprovado.
Após a sua deserção, sua família sofreu algum tipo de punição?
Eles foram penalizados e tiveram de ficar três anos sem poder sair de Cuba. Meus pais nunca receberam um centavo do governo cubano enquanto estive na Bolívia, mas sofreram represálias depois que eu decidi fugir.
Quando você foi enviado à Bolívia era um recém-formado. A primeira leva de cubanos no Brasil é composta por médicos mais experientes...
Pelo o que vivi, sei que isso é tudo uma montagem de doutrinação. Essas pessoas são mais velhas porque os jovens como eu não querem a ditadura. Eu saí de Cuba e não voltei mais. No caso das pessoas mais velhas, talvez eles tenham família, marido, filhos em Cuba. É mais improvável que optem pela fuga e deixem seus familiares para trás. Geralmente, são pessoas que vivem aterrorizadas, que só podem falar com a imprensa quando autorizadas.


Os médicos cubanos que estão no Brasil deveriam fazer o Revalida?
Sim. Em Cuba, os médicos têm de passar por uma revalidação para praticar a medicina dentro do país. Sou favorável que os médicos estrangeiros trabalhem no Brasil, mas eles precisam se adequar à legislação local. Além do mais, a formação médica em Cuba está muito crítica. Eu passei o fim da minha graduação dentro de um programa especial de emergência. A ideia era que eles reduzissem em um ano minha formação, para que eu pudesse ser enviado à Bolívia. O governo cubano está fazendo isso: acelerando a graduação para poder enviar os médicos em missões ao exterior.

Porto Alegre supera São Paulo e Rio de Janeiro em roubo e furto de veículos


Em relação à frota, os motoristas da capital gaúcha são mais visados por ladrões


José Luís Costa
A voracidade dos ladrões de carros é maior em Porto Alegre do que nas duas metrópoles mais populosas do país. Números oficiais do primeiro semestre apontam que os furtos e os roubos de veículos na capital do Rio Grande do Sul, proporcionalmente à frota, superam os casos entre paulistanos e cariocas.
Em Porto Alegre, são 6,75 carros levados a cada mil, enquanto em São Paulo são 6,43 veículos a cada mil. No Rio de Janeiro, 3,32 veículos, menos da metade da taxa registrada na capital gaúcha. O fenômeno causa ainda mais espanto porque Porto Alegre tem apenas 13,8% da frota do Estado e concentra 35% dos furtos e roubos. A capital paulista tem 29,9% da frota e a fluminense, 45,3%.
Os dados revelam que, sob o aspecto da criminalidade, é mais perigoso dirigir em Porto Alegre do que nas outras duas cidades. E o temor é perder a vida. Desde 2007, os roubos superam os furtos — muito influenciado pelos sistemas de seguranças dos carros, como alarmes e corta-correntes, obrigando o ladrão a necessitar da chave para ligar o automóvel. 

Isto significa que, em Porto Alegre, o risco de um motorista ter o carro roubado, atacado por um bandido de arma em punho, podendo ser ferido ou morto, é duas vezes maior do que ocorrer um furto (quando o ladrão leva o veículo sem o dono estar presente). Nem em São Paulo nem no Rio este risco é tão elevado assim.
Entre as três capitais, a Cidade Maravilhosa já esteve na ponta desse ranking de 2004 e 2006, mas agora ocupa o terceiro posto. Especialistas justificam a queda nos índices do Rio de Janeiro como fruto de investimentos em segurança pública e na melhorias dos organismos de trânsito e na fiscalização em desmanches clandestinos.
Já São Paulo, que apresentava os melhores índices entre as três cidades e hoje quase empata com Porto Alegre, enfrenta uma onda de violência desde 2012, após experimentar quedas nos índices de criminalidade durante os 11 anos anteriores.
Conforme o analista criminal paulista Guaracy Mingardi, um dos problemas em São Paulo é a baixa produtividade das polícias na retirada das quadrilhas das ruas.
— Investigação e fiscalização é que levam a baixar os índices — afirma Mingardi.
Mas por que Porto Alegre é líder? Um das explicações seria a proliferação cada vez maior de quadrilhas oriundas de cidades vizinhas, especializadas neste tipo de crime. Outro motivo pode ser as deficiências de prevenção.
Este ano, em relação a 2011, a Brigada Militar reduziu em dois terços o número de inspeções em desmanches no Estado, e em 20% o número de veículos fiscalizados. E a Polícia Civil conta com apenas duas delegacias especializadas em reprimir furtos e roubos de veículos na Região Metropolitana (uma em Porto Alegre e outra em Canoas, inaugurada em janeiro).
A Lei dos Desmanches, que visa a sufocar a compra e venda de autopeças furtadas e roubadas, recém começou a entrar em prática, após seis anos de vigência, em dois (em São Leopoldo e Sapucaia do Sul) dos 120 estabelecimentos credenciados pelo Detran. E o "cercamento" da Capital com câmeras de vigilância adaptadas a sensores que identificam carros em situação irregular segue no papel há mais de um ano.
 
CONTRAPONTOS

O que diz o delegado Arthur Teixeira Raldi, da Delegacia de Repressão a Roubo de Veículos (DRV) do Departamento Estadual de Investigações Criminais
Não tive acesso aos números de Rio e São Paulo para comentar sobre eles. Em Porto Alegre e cidades vizinhas, a maior dificuldade é manter as quadrilhas presas. A legislação penal é branda, e os criminosos ficam pouco tempo atrás das grades. E, quando voltam para as ruas, montam os seus próprios bandos, arregimentando outros criminosos. Em 2012, só a DRV prendeu cerca de 120 pessoas. Em oito meses deste ano, já foram capturados 110 criminosos. Isso mostra o crescimento das quadrilhas. A Chefia de Polícia Civil tem projeto para aumentar o número de delegacias para combater os furtos e os roubos de veículos.
Confira as dicas de segurança do delegado:
O que diz o coronel da Brigada Militar João Godoi, chefe do Comando de Policiamento da Capital
Estamos com toda nossa estrutura disponível nas ruas para combater os ladrões de carros, especialmente na área do 11º Batalhão de Polícia Militar _ responsável pelo patrulhamento em parte da zona norte e bairros mais afetados_ em uma luta incessante contra este tipo de crime. O 11º BPM tem feito ações e obtidos bons resultados com a prisão de quadrilhas. A Polícia Civil também também tem feito a sua parte. Este ano é atípico, com manifestações quase que diárias, e mobilizamos recursos desde a madrugada. Por vezes, não conseguimos executar todas as operações planejadas.
ZERO HOR

Jornal Folha de S. Paulo diz que governo do PT promove "farsa na saúde"


O editorial a seguir é da Folha deste sábado. Leia a íntegra:

O governo federal lançou o Mais Médicos para resolver o problema da falta de profissionais em cidades como Anamã, Barbalha, Camaragibe, Canindé, Cascavel, Coari, Jeremoabo, Lábrea, Nova Soure, Santa Bárbara e Sapeaçu. Nos gabinetes refrigerados do Planalto, porém, talvez não se faça muita conta do que realmente se passa nessas localidades do Amazonas, da Bahia, do Ceará e de Pernambuco. Ou em qualquer outro Estado do Brasil. Como mostrou esta Folha, prefeitos das 11 cidades citadas já demitiram ou pretendem demitir profissionais contratados para substituí-los pelos bolsistas do Mais Médicos. O motivo era previsível: quem paga os R$ 10 mil mensais do programa federal é Brasília. Razão irresistível para alcaides oportunistas se livrarem de despesa sem se indisporem com eleitores. O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, afirmou há duas semanas que sua pasta monitoraria as prefeituras para impedir essa manobra, tão deletéria para o programa quanto a hostilidade de associações médicas aos bolsistas. A esse respeito, é incompreensível que um profissional cubano tenha sido vaiado e chamado de "escravo". O programa Mais Médicos é uma iniciativa que enfim busca solução para a inaceitável carência de médicos e tenta pôr para funcionar a atenção básica de saúde onde ela se apresenta mais necessária.
Importar profissionais tem sido recurso usual noutros países, e não haveria por que descartá-lo no Brasil. A rejeição a esse expediente resulta de puro corporativismo --a luta por melhores condições de atendimento não muda com a presença desses médicos.Isso não significa, é claro, que o Planalto esteja conduzindo bem todo o processo. Antes o contrário.Encenou-se em Brasília um primeiro ato de prioridade para profissionais brasileiros --formados aqui ou no exterior-- e para os interessados de Portugal e Espanha. Nos bastidores, descortinou-se no segundo ato, eram 4.000 cubanos que se preparavam para adentrar o proscênio. O terceiro ato se abre agora com as farsas municipais, comprovadas em 11 prefeituras. Decerto são representativas de muitas outras Brasil afora. Falta o público descobrir se o governo federal de fato vai desligar essas e outras cidades do programa, como agora promete em tom dramático. Ou, então, se tolerará esse barateamento da saúde pública para não melindrar possíveis aliados nas eleições de 2014.