segunda-feira, 14 de outubro de 2013

As balas da infância - MARTHA MEDEIROS


ZERO HORA - 13/10


Estava num avião da TAM observando a comissária oferecer balas aos passageiros, como de costume, antes de a aeronave decolar. Nunca peguei uma, talvez porque a criança em mim se manifeste: 10h da manhã, antes do almoço? Seis da tarde, antes do jantar? Minha mãe vai dar a maior bronca!

Na verdade não fico muito tentada por aquelas balas. Se fosse Frumello ou Sete Belo, seria diferente.

Sempre tive tara por bala de morango, ou de frutas vermelhas, ou de qualquer coisa vermelha: cereja, framboesa e família. Eram as minhas preferidas entre as balas azedinhas. As azedinhas iam comigo ao cinema e adocicavam as noites de sábado em que ficava em casa – eram minha droga lícita (mesmo assim, as comia escondida, sendo filha de dentista). Meu sonho secreto? No aniversário, ganhar as azedinhas que vinham numa lata enorme. Preferiria ganhar a lata a pulseirinhas, porta-retratos, presentes de mocinha. Ganhei uma única vez, não lembro quando nem de quem, desconfio até que comprei.

Mas entre as balas vermelhas, prefiro até hoje aquelas vagabundas, as vira-latas das balas, embaladas em papel transparente, sem marca, sem pedigree. As que estão disponíveis onde menos se espera, em balcões de farmácia, ao lado dos caixas de lojas, ofertadas de graça.

Lembro das pastilhas de anis da marca Garoto - existem, ainda? Havia diversos sabores (canela, hortelã), mas as de anis eram as minhas eleitas no recreio do colégio. Daria tudo para voltar no tempo por causa daquelas pastilhas – e só por elas, acho.

Gostava de Mentex também, já que falamos de hortelã, porém mais ainda de uma pastilha oval que não lembro bem a marca, era também azedinha, refrescante, vinha numa caixa verde, que fim levou, quem pode me recordar o nome?

Tinha a bala gasosa, da qual nunca fui fã, redonda demais, grande demais, cheia de si. E quanto às de caramelo e doce de leite, blagh. Sempre fui refratária ao que é enjoativo. Preferia bala de banana, bem artesanal, pobrinha, humilde e doce como um pecado mortal.

Bala de coco era legal também. Ainda é. Mas desenvolvi uma resistência que não se explica. Dói na cárie que já não tenho, será isso? Ou é bala branca que não combina com bala?

Bala tem que ter cor, e nisso as balas Soft eram imbatíveis (escrevo “eram” sem saber se ainda são, já não circulo pelo corredor das tentações no supermercado, tenho um compromisso com a balança e o bom senso). Duras e eternas, as balas Soft – até mesmo as amarelas.

A jujuba me parecia a ralé das balas. Já as soberanas são as que finalizam essa crônica, minhas preferidas para sempre: as balas de goma. Meu Deus, as balas de goma. Morreria por elas. Mas não hoje, não agora, que agora sou adulta (em termos) e o que me interessa, mesmo, é permanecer magra.

Corporativo e perdulário - EDITORIAL O GLOBO


O GLOBO - 14/10

A máquina pública brasileira é gigantesca, perdulária e pouco eficaz. Com a provável exceção dos órgãos e mecanismos de arrecadação, eficientes no avanço sobre rendas dos cidadãos, e uma ou outra demonstração de competência na administração, o monstrengo burocrático move-se pesadamente, em geral de modo a procrastinar obrigações do Estado, uma afronta a direitos da sociedade.

Quando se fala em resolver demandas para melhorar os serviços, a invariável receita prescreve remédios pontuais, quase sempre envolvendo mais gastos públicos. Reformas estruturais, com racionalização dos serviços e da força de trabalho, modernização de métodos gerenciais e outras ações capazes de melhorar o atendimento, não são consideradas.

Não é diferente na discussão sobre novos tribunais federais. Sob o argumento de que é preciso cobrir demandas de atendimento, segue-se o rito da criação, à custa do Erário, de mais organismos para engordar a já obesa máquina judiciária.

O excesso de processos nas Cortes não se deve a falta de pessoal e de tribunais — ao contrário, como prova o inchaço nas folhas de pagamento do Judiciário. O recente julgamento do mensalão deu uma boa pista sobre as razões do acúmulo de ações: as brechas que permitem procrastinar a execução de sentenças são um evidente embargo na agilização da Justiça.

Por que não pensar, como ponto de partida para a melhora global, inclusive de salários e de condições de trabalho, em agilizar os ritos processuais (por óbvio, com a garantia da preservação do amplo direito de defesa)? Também é conhecida, por exemplo, a resistência dos tribunais à ação do Conselho Nacional de Justiça, no campo ético e administrativo. O cumprimento de metas de produtividade estabelecidas pelo CNJ nem sempre é obedecido pelos juízes. No âmbito dos TRs existentes, apenas dois dos cinco atingiram em 2012 os objetivos fixados. O aperfeiçoamento passa mais pela revisão de métodos do que pela ampliação das estruturas e gastos.

É salgada a conta — em torno de R$ 1 bilhão — da criação de quatro tribunais regionais em Curitiba, Belo Horizonte, Salvador e Manaus, propósito da Emenda Constitucional 73. Nessa fatura, não há garantias da contrapartida em serviços eficientes para o cidadão. Os fins são meramente corporativistas.

Não à toa, tem sido objeto de críticas. Em julho, o presidente do STF, Joaquim Barbosa, suspendeu liminarmente os efeitos do projeto; presidentes de dois dos cinco tribunais federais condenaram a proposta, assim como a Advocacia Geral da União e a Fundação Getúlio Vargas. Mesmo assim, a emenda foi promulgada no início de setembro, durante a breve interinidade do senador André Vargas (PT-PR), na Presidência do Senado — em si, uma suspeita pressa na aprovação de tema tão polêmico.

A obstrução dos efeitos da emenda pelo STF pode ser um freio nessa nova gastança, uma vez que falta julgar o mérito da liminar do ministro Barbosa. A conferir. De qualquer forma, a prevalecer a insanidade, terá perdido o contribuinte mais um embate para o corporativismo.

Dinheiro não basta para formar campeões - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR


GAZETA DO POVO - PR - 14/10

A política dos “campeões nacionais” adotada pelo BNDES falhou – e o prejuízo é de todos. Não foi por falta de aviso


Na semana que passou, o país teve uma boa notícia no que se refere ao financiamento de empresas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Luciano Coutinho, presidente da instituição, disse “não” aos boatos de que viria do BNDES o socorro para as combalidas operações de Eike Batista.

Há menos de dois meses, Coutinho apresentou-se à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Foi questionado diversas vezes sobre o relacionamento do banco com o grupo EBX. Disse que os empréstimos para as empresas X somam R$ 10 bilhões, aproximadamente, mas que o desembolso efetivo não passaria de R$ 6 bilhões – isso porque algumas parcelas (conhecidas como tranches no jargão financeiro) não chegaram a ser liberadas em razão do cronograma dos financiamentos. Afirmou também, sem dar maiores detalhes, que o BNDES não perdeu dinheiro com as operações que envolveram a petrolífera OGX. Explicações adicionais ainda são necessárias: se acionistas e credores internacionais tiveram perdas intensas com a companhia, qual foi a mágica contratual do banco para sair ileso?

Nos últimos anos, a feitiçaria contábil do BNDES exigiu sempre a participação do Tesouro Nacional. Só no primeiro semestre deste ano, o banco absorveu R$ 88 bilhões. No ano passado, foram R$ 153 bilhões. Esses aportes fazem com que seja o Estado brasileiro quem, de fato, subsidia os empréstimos feitos pelo banco.

Tais empréstimos têm sido destinados, prioritariamente, a grandes empresas – estas absorveram 57,1% dos R$ 375,9 bilhões desembolsados no período abril-junho, de acordo com boletim trimestral de transparência editado pela instituição. Ainda segundo o boletim, essa concentração ocorre em “decorrência da predominância das grandes empresas nos setores de infraestrutura, insumos básicos e bens de capital sob encomenda”, setores que o BNDES vem incentivando, com especial preferência aos projetos que fazem parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), um guarda-chuva desenhado para dar aparência estatal a investimentos privados.

Setores preferenciais ou empresas preferenciais? Nos últimos dez anos, o BNDES converteu-se em um poderoso braço financeiro a serviço do governo, capaz de escolher quais grupos empresariais prosperariam. É a política dos “campeões nacionais”, que teve no grupo EBX um de seus principais representantes. Houve outros, como BRF, JBS, LBR, Fibria e Oi. A ideia era abastecer de recursos empresas escolhidas e dar a elas condições de se tornarem grandes operadores no mercado internacional, de forma a ampliar a presença global brasileira. Fusões e aquisições foram incentivadas, tendo o BNDES e o Tesouro como casamenteiros.

Deu errado. Muitas dessas empresas naufragaram por inépcia administrativa; outras, porque a união forçada de grupos rivais não deu tão certo quanto se imaginava. Não basta dar dinheiro a uma empresa para torná-la relevante.

Não foi por falta de aviso, porque algo parecido já havia ocorrido antes. Nos anos 70, o Brasil, sob o comando de uma ditadura, também incentivou companhias nacionais sob uma política de escolhas seletivas. Associada à reserva de mercado na informática e ao veto à importação de bens não essenciais, essa política tornou-se uma das causas da paradeira econômica nacional que marcou os anos 80 e boa parte da década de 90.

O BNDES acena com o fim da política dos campeões nacionais, e parece confirmar isso ao negar socorro à OGX. Não era sem tempo.

Lembrando Raul Pilla - PAULO BROSSARD


ZERO HORA - 14/10

Faz alguns dias, o mundo inteiro divulgou e comentou a vitória do Partido União Democrata-Cristã (CDU), do qual é líder a senhora Angela Merkel; um dos jornais que tenho sob os olhos, em meia dúzia de palavras, resumiu o fato dizendo: “Alemanha elege Merkel pela terceira vez”, e me lembrei do deputado Raul Pilla, o incansável defensor do sistema parlamentar de governo, e que, mercê de seu apostolado, chegou a contar com o apoio da maioria da Câmara dos Deputados. A lembrança não foi gratuita, pois o ocorrido na Alemanha deixou transparecer de maneira objetiva uma das superioridades do parlamentarismo com relação ao sistema presidencial. Neste, no mesmo dia, o mesmo eleitorado, em regra, elege tanto o presidente da República quanto o Congresso e pode ocorrer que o presidente eleito não venha a contar com o apoio da maioria do Congresso, e durante o quadriênio os poderes políticos por excelência, ambos de origem popular, podem viver em testilhas permanentes um puxando para o norte e outro para o sul; no caso do país que tenha adotado o sistema parlamentar de governo normalmente os evita ou supera. O ocorrido na Alemanha ilustra a hipótese; note-se que o eleitorado não elege o chanceler que conduzirá o governo e a administração, mas o líder do partido mais numeroso tem assegurada sua consagração como chefe do governo, pela circunstância de ele representar a maioria. De uma forma simplificada, se pode dizer que à maioria compete governar, enquanto fiscalizar cabe à minoria.


Abro um parêntese para trazer à colação fato recente ocorrido na Itália. Como é sabido, a representação parlamentar dos três maiores partidos poderia formar uma coligação que desse estabilidade ao governo por ele constituído, mas o desacordo predominou e ficou claro que nem uma nova eleição resolveria o dissenso; declarando que a nação não podia continuar sem governo, e inexistindo precedente a respeito, usando de poderes não expressos, mas imanentes ao seu cargo e à gravidade da situação, o presidente da República escolheu personalidades expressivas de cada um dos três maiores e a singularidade da emergência e da judiciosa solução adotada pelo presidente convalidou a construção e a Itália voltou a ter governo graças ao engenho e arte do chefe do Estado.

Voltando ao tema, se no sistema presidencialista o presidente tem dia certo para assumir e concluir seu período, seja ele excelente ou desastroso, no sistema parlamentar não há prazo certo para o mesmo fim, enquanto o primeiro-ministro contar com a maioria parlamentar, ele continuará primeiro-ministro, no momento em que o apoio da maioria lhe faltar, ele deixará o poder, a menos que o presidente se valha da prerrogativa de dissolver a casa legislativa e convocar simultaneamente eleição e, desse modo, o eleitorado resolverá o conflito.

Haveria muita coisa a dizer, mas se a história é longa o espaço é curto, devo finalizar encarando apenas um aspecto do problema, e que o leitor concordará com a lembrança de figura modelar de homem público, em longos anos de atividade pública e fidelidade democrática.

A viga e a vida - SÉRGIO RANGEL


FOLHA DE SP - 14/10

RIO DE JANEIRO - "Ninguém aqui se escandaliza com nada. Qualquer um pode desaparecer. Não precisa nem ter coração", diz a sucateira Patrícia Preta, dando uma longa gargalhada no meio do terreno baldio na entrada da favela do Caju.

O local ganhou notoriedade na semana passada, após o desaparecimento das seis vigas de aço, cada uma com 20 t, retiradas do início do desmonte do elevado da Perimetral, uma das grandes obras que prometem modernizar a região portuária do Rio.

O terreno, que não tem muros e mais parece o lixão da novela "Avenida Brasil", foi o local escolhido pelos responsáveis pela obra para guardar o primeiro lote das gigantescas peças.

A ousadia do roubo chocou os cariocas. O prefeito Eduardo Paes classificou o sumiço como "inacreditável".

Espremida entre duas favelas enormes, a empoeirada e quase deserta rua onde fica o terreno é um cenário desolador. No dia seguinte à divulgação do desaparecimento das vigas, Preta era a única das dezenas de sucateiros que trabalham no local a aparecer por lá.

Segurando um retrovisor quebrado que servia para "dar um jeito na sobrancelha", a carioca fala sem parar sobre "a vida abandonada dos trabalhadores" desse canto do Rio. De chinelo sujo de poeira e unhas pintadas de rosa, ela conta que engravidou na adolescência, só teve um emprego com carteira assinada, que durou três meses, e mora com os três filhos e o marido num quarto de um hospital desativado na vizinhança. Até 2008, o local era especializado no tratamento de doenças infectocontagiosas.

"Não entendo o motivo de tanto alvoroço pelo desaparecimento das vigas. O governo me deixa morando naquele lugar. Estamos abandonados há anos e ninguém fala nada", diz Preta, que logo indaga: "Será que um dia todo o pessoal da nossa ocupação vai valer o preço de uma viga?". Será?

A maldição do petróleo e a educação - MAÍLSON DA NÓBREGA


REVISTA VEJA 
Em recente e concorrida cerimônia, foi sancionada a lei que destina 75% dos royalties do petróleo para a educação e 25% para a saúde. Do mesmo modo, serão aplicados 50% do Fundo Social do pré-sal. A medida vai evitar, segundo a presidente Dilma, a "característica terrível" da "maldição do petróleo. Ela se empolgou. "Nós vamos assegurar, com esses recursos um patamar de desenvolvimento bastante similar ao dos países desenvolvidos." Será?
A "maldição do petróleo" vem do artigo de Jefírey Sachs e Andrew Warner ("Natural Resource Abundance and Economic Growth", 1995). Eles mostraram que países ricos em recursos naturais crescem menos, pois essa fonte de riqueza tende a gerar desperdícios em meio a corrupção e a entraves burocráticos. Gastos correntes crescem em detrimento de ações na infraestrutura e no fortalecimento institucional. As políticas de desenvolvimento beneficiam grupos influentes.

Ao contrário do que se pode pensar, o êxito é possível sem amplos recursos naturais. No século XVII, a Holanda eclipsou a Espanha, então detentora de minas de ouro e prata no Novo Mundo. Entre os séculos XIX e XX, o Japão superou a Rússia rica de recursos naturais. Outro exemplo é o sucesso de Singapura, Taiwan, Hong Kong e Coreia do Sul. Há casos que não confirmam a tese daqueles autores. Na Inglaterra, o carvão mineral contribuiu para a Revolução Industrial. Os Estados Unidos enriqueceram ao tempo em que exportavam recursos naturais. No Mar do Norte, o petróleo não gerou desperdícios.

É difícil partilhar das loas da presidente Dilma à nova lei. O problema da educação não é de falta de recursos, mas de boa gestão e de prioridades, como afirmei nesta coluna. Essa é também a opinião de outro colunista e um de nossos melhores estudiosos da matéria, Gustavo Ioschpe. Cabe reconhecer, porém, que a maioria concorda com a empolgação de Dilma. Ademais, é amplo o apoio ao projeto de lei que elevaria tais gastos para 10% do PIB, mesmo que, proporcionalmente, seu nível atual (5,8% do PIB) seja próximo do observado nos Estados Unidos e na Alemanha, e supere os do Japão, da China e da Coreia do Sul.

Há quem busque provar que aplicamos pouco em educação mediante comparação dos nossos gastos por aluno com os dos países ricos. De fato, o relatório Education at a Glance 2013, da OCDE, indica que, somados os gastos públicos e privados, os Estados Unidos investem 15.171 dólares por estudante: o Brasil, apenas 3.067 dólares. Aí estaria, diz-se, a origem do fracasso brasileiro em educação. Por isso, remuneramos mal nossos professores e não investimos adequadamente em tecnologia. De fato, pouquíssimas escolas do ensino fundamental possuem laboratório de ciências.

Esse tipo de comparação é despropositado. Não é possível cotejar gastos públicos de países sem levar em conta as diferenças de renda per capita entre eles. O correto é fazer comparações em termos proporcionais (porcentuais do PIB). Os Estados Unidos despendem em educação 4.9 vezes mais do que o Brasil simplesmente porque são mais ricos. Segundo o World Economic Outlook. do FMI, em 2010 a renda per capita americana era de 46.811 dólares e a do Brasil de 10.992 dólares, ou seja, a deles é 4.3 vezes a nossa. Por aí, também ficamos próximo deles. O relatório da OCDE mostra que os gastos americanos por estudante são 65% maiores do que a média da União Européia, mas os dois grupos exibem qualidade de educação semelhante. O critério quantitativo, como se vê, nem sempre é o melhor para aferir o desempenho de distintas políticas públicas. Será ainda menos adequado quanto maior for a distância entre as rendas per capita dos países considerados.

Precisamos revolucionar a gestão das políticas educacionais. Por exemplo, remunerar os professores por desempenho e deixar de designar diretores de escolas por interesses políticos. Enquanto essas e outras mudanças não vierem, aumentar gastos públicos pode ajudar, mas é provável que gere mais desperdícios e não contribua para melhorar a qualidade da educação. Como ensinou Cristo, "ninguém deita remendo de pano novo em roupa velha porque semelhante remendo rompe a roupa e faz-se maior a rotura" (Mateus 9:16).

Amar a morte como quem ama a vida


O romancista, musicólogo, historiador, crítico de arte, fotógrafo e poeta paulista
Mário Raul de Moraes Andrade (1893-1945) confessa, no poema “Quarenta Anos”, seu querer amar a morte com o semelhante engano que amou a vida.
QUARENTA ANOS

Mário de Andrade
A vida é para mim, está se vendo,
Uma felicidade sem repouso;
Eu nem sei mais se gozo, pois que o gozo
Só pode ser medido em se sofrendo.
Bem sei que tudo é engano, mas sabendo
Disso, persisto em me enganar…Eu ouso
Dizer que a vida foi o bem precioso
Que eu adorei. Foi meu pecado…Horrendo
Seria agora que a velhice avança,
Que me sinto completo e além da sorte,
Me agarrar a esta vida fementida.
Vou fazer do meu fim minha esperança,
Oh sono, vem!…Que eu quero amar a morte
Com o mesmo engano com que amei a vida.

Os mosqueteiros da Constituinte


Sebastião Nery
Marco Maciel, Guilherme Palmeira e Jorge Bornhausen, senadores do PDS, começaram a reunir-se, em 1984, para organizar a Frente Liberal, uma dissidência do PDS destinada a apoiar a candidatura de Tancredo Neves a presidente da República, contra Paulo Maluf.
Aureliano Chaves, vice-presidente de Figueiredo, logo assumiu a liderança do grupo. Um dia, marcaram uma reunião com Ulisses Guimarães para discutirem a formação da Ação Democrática., a aliança do PMDB com a Frente Liberal. Quando Ulisses chegou, viu que Aureliano tinha levado um gravador e posto sobre a mesa, ligado. O Juruna mineiro.
Mais no fim do ano, antes de o Colégio Eleitoral reunir-se em janeiro, a Frente Liberal, já formada, fez uma reunião para acertar quem iriam propor a Tancredo para vice e quais ministérios iriam reivindicar.
SARNEY
Marco Maciel, o primeiro sugerido, dizia que não queria ser vice. Não convencia muito. Sarney, o segundo, também dizia,mas não convencia nada. Resolveram tratar antes dos ministérios. Marco Maciel propôs pedirem primeiro o da Educação. Sarney foi contra. Era “um abacaxi, cheio de armadilhas, professores reivindicando e estudantes fazendo greves”. Preferia o da Previdência, que “tinha recursos e bandeiras sociais”.
Marco não concordava De repente, Sarney saiu para o banheiro. Palmeira foi atrás. Sarney fazia xixi, Palmeira, na porta, catequizava:
- Sarney, o Marco quer a Educação. É a maneira de você ser o vice.
Sarney voltou rápido e defendeu o ministério da Educação. Para Marco Maciel. E a vice caiu sobre a cabeça de Sarney como uma tonsura. Sarney saiu para vice, Marco Maciel para a Educação e Aureliano para Minas e Energia. Sarney foi feito vice-presidente em um xixi do PFL.
TANCREDO
O primeiro  compromisso de Tancredo era convocar a Constituinte. Tancredo morreu,  Sarney tentou a todo custo impedir. Os caminhos da História são abertos pelas lutas políticas. Mas eles precisam ser construídos pela verdade. A mentira é um engenheiro infame. Os 25 anos da Constituição de 1988 continuam sendo comemorados e o pais assiste a uma plataforma de mentiras. Até a “Globo”, no começo contra, virou dona.
No Congresso, uma sessão solene foi comandada por Sarney, Lula e Nelson Jobim.Três aberrantes fraudes.Sarney só não impediu a Constituinte porque não conseguiu.  Dizia que ela “tornaria  o pais ingovernável”. Lula nem assinou a nova Constituição (mais tarde é que o PT assinou). E Jobim confessou que, na comissão de redação, fraudou o texto final, enxertando  item não aprovado no Plenário (para favorecer os juros dos banqueiros).
Três mosqueteiros comandando as celebrações. E os que realmente a construíram quase esquecidos : o presidente Ulysses, o relator Bernardo Cabral, o líder  Mario Covas, o secretário-geral Marcelo Cordeiro, tantos.
ULYSSES
O economista Helio Duque, ex-deputado e dos mais atuantes vice-líderes da Constituinte (viu aprovadas numerosas emendas suas), protesta:
1 -“Agora, ao completar 25 anos, a Constituição elaborada pela Assembleia Nacional Constituinte é festejada em clima de quase unanimidade. Quando da sua promulgação, em 5 de outubro de 1988, o clima era outro. Os constituintes eram acusados de terem elaborado um texto constitucional que faria do Brasil um pais ingovernável. A campanha de setores organizados e de amplas áreas da imprensa, contra Ulysses e os parlamentares mais ativos na defesa dos direitos fundamentais da cidadania, tinha no Palácio do Planalto a sua base de irradiação”.
2. – “Em 1989, candidato à presidência, Ulysses Guimarães obteve 4% da votação nacional. E em 1990, candidato à reeleição de deputado federal, teve pouco mais de 38 mil votos, sendo o último eleito por São Paulo, na legenda do PMDB. Na eleição de 1986, o deputado Ulysses Guimarães obtivera 531 mil votos e na seguinte quase não foi eleito”.
3. – “Era o reflexo da sórdida campanha contra os  constituintes mais atuantes, que inundou todos os quadrantes do território nacional. Mais de uma centena de homens públicos, com vocação de servir à sociedade, desistiram de continuar na atividade política, diante do rolo compressor da infâmia desmoralizante que ganhou dinamismo ensurdecedor e se estende aos dias de hoje, quando, a cada eleição, é reduzida a participação de vocações públicas comprometidas em servir e não servir-se do poder”.

Imobiliárias recorrem a visitas virtuais com cinema 3D para fechar negócios


  fonte: Folha

“Tempo é dinheiro. E meus clientes geralmente têm muito de um e pouco de outro”, diz o corretor Charles Henry Calfat Salem, 24.

Levando em conta que ele negocia imóveis de até R$ 30 milhões, dá para imaginar o que abunda e o que está em falta.
O empresário francês abriu neste semestre uma imobiliária nos Jardins com o lema: você não precisa se deslocar para “visitar” seu novo lar.
noticias  : Imobiliárias recorrem a visitas virtuais com cinema 3D para fechar negócios
O Arquiteto João Mansur (à esq.) recebido por Charles Salem, que criou uma imobiliária onde casas são mostradas em cinema 3D, o que evita a visita ao imóvel – Alexandre Rezende/Folhapress
Isso porque todo apartamento e casa na carteira de Charles é fotografado com máquinas 3D, e fotos de vários endereços são exibidas numa sessão só, na minissala de cinema com ar-condicionado, uísque e privacidade. “Tem champanhe também, mas deixamos para comemorar o fechamento de negócio.”
sãopaulo botou óculos para testar a tecnologia. As imagens do tríplex de quatro suítes e 1.600 m² nos Jardins ganham profundidade na tela, mas será que justifica a compra sem nunca ter passado da soleira?
“A ideia não é fechar negócio, só de mostrar opções para o cliente escolher e visitar uma ou duas. Assim, evita o trânsito”, diz o empresário.
Depois da primeira sessão, as visitas físicas são feitas com uma Mercedes da imobiliária.
“É ótimo e ninguém fica sabendo aonde você está visitando imóvel, o que pode ser perigoso. Sequestro, sabe?”, afirma um empresário que está em processo de achar uma casa de seis quartos e pede anonimato.
Grande parte da seleta clientela vem dos contatos da família, admite Charles. Ele é filho de Carlos Eduardo Calfat Salem, um empresário famoso do ramo que tem vários prédios na região da avenida Paulista –inclusive o na alameda Santos, onde fica o negócio do herdeiro.
COMPRAR NUM CLIQUE
Imobiliárias maiores também constroem tecnologias para encampar a tendência. “Quando lançamos um produto, é difícil passar para o cliente a realidade desse prédio, que ainda não existe”, afirma Fátima Rodrigues, da Coelho da Fonseca.
Para ajudar a concretizar a estrutura de concreto que ainda não está lá, usam tours virtuais. Ferramentas que mostram fotos e croquis dos apartamentos pela internet ganharam peso, segundo o mercado.
“Tem acontecido bastante de pessoas comprarem on-line”, diz Fátima. Tanto que, na terça, uma brasileira radicada nos EUA fechou negócio a meio mundo de distância da nova casa –um apartamento em prédio dos Jardins com apês de 30 m a 60 m que saem de R$ 750 mil a R$ 1 milhão.
Alexandre Tagawa, da construtora Eztec, diz nunca ter batido o martelo a distância. “Mas o cliente inicia a compra on-line. Uma experiência que ele materializa se o nível do empreendimento é o que ele procura.”
A empresa deve lançar em alguns meses novo site, com vídeos em alta definição de cada um de seus lançamentos para potenciais compradores acessarem em tablets e telefones.
“É engraçado adquirir um imóvel num lugar aonde não se conseguiria chegar normalmente, por conta do trânsito”, diz o arquiteto Ricardo Alun, 32, que estuda a prática. “O cliente precisa ter em mente que é uma casa, não uma ida ao cinema.”