terça-feira, 13 de outubro de 2015

Rumo errado na educação


O Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado por lei em 2014, foi o efeito da ação de movimentos corporativistas que aparelharam o Estado brasileiro. O aumento dos gastos públicos em educação – de 6% para 10% do PIB até 2024 – é despropositado. O desafio de melhorar a sua qualidade não está na falta de recursos, mas na forma como estes são utilizados.
O Brasil começou a vincular a arrecadação de tributos a gastos com educação, desprezando sensatos princípios de finanças públicas
Até os anos 1960, o Brasil gastava 1,4% do PIB em educação. Era o outro extremo. Prevalecia a ideia, igualmente equivocada, de que a melhoria da educação seria o efeito natural do desenvolvimento. Desse modo, a prioridade deveria ser o crescimento da economia.
Está mais do que provada a estreita correlação entre educação e desenvolvimento. No início do século XX, a economia da Inglaterra foi superada pela da Alemanha. A razão básica foi a educação, cuja qualidade era relativamente inferior na Inglaterra. Os ingleses privilegiavam quem estudava nas universidades de Oxford e Cambridge, e não a educação fundamental dos filhos dos operários.
Os grandes sucessos de desenvolvimento do século passado ocorreram na Ásia: Japão, Coreia do Sul, Singapura, Taiwan e, mais recentemente, China. Não por coincidência, todos os países têm também êxito na educação. Nenhum investe 10% do PIB na área. A China gasta 4% do PIB e tem avançado em tecnologia de alta complexidade. Colocou um astronauta em órbita e tem planos de enviar um chinês à Lua.
Em 1983, o Brasil começou a vincular a arrecadação de tributos a gastos com educação, desprezando sensatos princípios de finanças públicas. Visava-se a “proteger” a educação de medidas de ajuste fiscal apoiadas pelo FMI. A ideia, que já não fazia sentido, se transformou depois em vara de condão que nos possibilitaria, via elevação de gastos, melhorar a qualidade da educação.
Em livro recente (Capitalismo: Modo de Usar, Editora Campus), Fabio Giambiagi faz uma crítica contundente ao PNE. Para ele, “trata-se de uma das leis mais absurdas de toda a história brasileira”. Giambiagi tacha o plano de “síntese de algumas das ‘taras’ nacionais: a noção de que os recursos são infinitos”.
Segundo o IBGE, a população com idade de 5 a 19 anos cairá de 49,8 para 33,6 milhões entre 2015 e 2050. Muitos prefeitos não terão justificativa séria para gastar 25% dos impostos nas escolas – a que estão obrigados pela vinculação –, mas farão as despesas para não ser acusados de transgredir a lei. Haverá desperdício de recursos, que poderiam ser mais bem aplicados, por exemplo, em saúde.
Alguns de nossos melhores especialistas criticam o PNE. Para Naércio Menezes Filho, nosso principal problema na área da educação não é falta de recursos, mas “a baixa capacidade gerencial daqueles que administram a maioria das nossas escolas e redes de ensino” (Valor, 21/8/2015). João Batista Araújo e Oliveira diz que “o PNE preserva a tradição brasileira de expansão sem qualidade, inaugurada na década de 60 e que confunde política educacional com mero crescimento” (Estadão, 18/4/2015).
Cláudio de Moura Castro, Simon Schwartzman e o mesmo João Batista condenam o assembleísmo do plano, incluindo a ideia de criar “um emaranhado de instâncias consultivas e deliberativas entre municípios, estados e governo federal, que supostamente ajudariam a resolver os problemas de qualidade e equidade da educação”. Nenhum país sério, afirmam, decide sobre educação “por meio de negociações recorrentes e intermináveis entre sindicatos, professores, grupos de interesse e governos locais, estaduais e nacional” (Estadão, 30/6/2015). Lembremos que há mais de 5. 500 municípios.
Há quem defenda gastos per capita em educação iguais aos dos países ricos. Como a renda per capita desses países é até cinco vezes a do Brasil, isso implicaria gastar em educação 50% do PIB, mais do que a carga tributária da Suécia. Pode?
É preciso repensar o PNE e a vinculação de recursos, uma forma errada de fixar prioridades. Os legisladores de hoje amarram os de amanhã. O orçamento deve ser decidido anualmente, como tem sido desde que a Carta Magna inglesa (1215) criou as bases para a ação dos modernos parlamentos. O Brasil não será uma nação rica sem que seus escassos recursos sejam bem aplicados em educação.
Fonte: Veja, 07/10/2015.
FONTE - http://www.institutomillenium.org.br/artigos/rumo-errado-na-educao/

O governo não governa - MARCO ANTONIO VILLA


Crise é mais profunda que a de 1992. Política é pretexto para o enriquecimento pessoal e uso do Estado para distribuir prebendas

O governo perdeu a capacidade de governar. A cada mês, desde a posse, o espaço de governabilidade foi se reduzindo. Hoje, luta desesperadamente pela sua sobrevivência. Qualquer ato, por menor que seja, está mediado pela necessidade de preservação. Efetuou uma reforma ministerial com o único intuito de ter uma base segura no Congresso Nacional. Em momento algum analisou nomes tendo como base a competência. Não, absolutamente não. O único pensamento foi de garantir uma maioria bovina. E, principalmente, impedir a abertura de um processo de impeachment.

O articulador deste arranjo antirrepublicano foi o ex-presidente Lula. Ele assumiu o protagonismo, reuniu lideranças partidárias, ditou mudanças políticas e econômicas e apresentou à presidente a nova composição de forças. Foi louvado pela imprensa chapa-branca. Parecia que a escuridão estava no fim. Teria aberto o caminho da governabilidade, isolado os opositores e pavimentado a sua eleição, dada como certa em 2018.

Ledo engano. A reforma ministerial fracassou. Uma semana depois, o panorama no Congresso Nacional é o mesmo — ou até pior. E Lula foi o grande derrotado.Na última quinzena, somou diversas derrotas. Foi acusado de vários crimes — lavagem de dinheiro, corrupção passiva, formação de quadrilha, entre outros — pelo jurista Hélio Bicudo. Dias depois foi divulgada a notícia de que, em 2009, uma medida provisória que beneficiava montadoras de veículos teria sido vendida, e um dos seus filhos supostamente recebido R$ 2,4 milhões. Em seguida, duas revistas semanais revelaram que Lula teria praticado tráfico de influência internacional em Gana e na República da Guiné Equatorial, favorecendo empreiteiras brasileiras e que o tríplex na Praia do Guarujá foi reformado por uma grande empreiteira. O presidente, que se autoproclamava o mais importante da História do Brasil, que, em 2010, estava em dúvida se seria candidato a secretário-geral da ONU ou a presidência do Banco Mundial — sem contar aqueles que queriam indicá-lo ao Prêmio Nobel da Paz — passou a evitar locais públicos, ficou refugiado em auditórios amestrados e foi homenageado com bonecos representando-o em situações constrangedoras.

A crise deve se prolongar. O projeto criminoso de poder — sábia expressão do ministro Celso de Mello, decano do STF — não consegue conviver com o Estado Democrático de Direito e fará de tudo para permanecer no governo, custe o que custar. Ou seja, se for necessário jogar o país na pior crise econômica do último meio século, o fará sem qualquer constrangimento. Se for preciso estender a crise política até a exaustão, não pensará duas vezes — fará com satisfação. Se for indispensável ameaçar com uma crise social — acionando movimentos mantidos com generosas verbas oficiais — agirá desta forma sem pestanejar. Neste caso, a dúvida que fica é se aliados de travessia — como o capital financeiro — vão manter seu apoio — que rende lucros fabulosos — a um governo que pode levar o país a uma conflagração, jogando brasileiros contra brasileiros.

O perfil da crise atual não tem relação com nenhuma outra da nossa história. É algo muito particular. Os acontecimentos de 1992, por exemplo, tiveram como foco central denúncias de corrupção que, nos moldes do projeto criminoso de poder, parecem, como diria um ex-presidente, “dinheiro de pinga.” A renúncia de Fernando Collor — o impeachment, vale lembrar, não ocorreu — tem relação direta muito mais com o caminho econômico-político preconizado quando da posse do presidente, em 15 de março de 1990, relacionado à profunda modernização do Estado e de suas relações com a sociedade, do que com as acusações de corrupção — algumas comprovadas e que não envolviam diretamente o presidente. Ou seja, ter retirado privilégios de empresários de diversos ramos, de artistas e intelectuais, de funcionários públicos e de empresas e bancos estatais, entre outros, e de se recusar partilhar a máquina pública para obter apoio no Congresso, foram fatais. Com este leque de adversários, o que causa estranheza é que seu governo tenha durado tanto tempo.

A crise atual é mais profunda. A política é mero pretexto para o enriquecimento pessoal e uso do Estado como meio de distribuir prebendas, algumas milionárias, ao grande empresariado. O PT cumpriu o dito marxista: transformou o Estado em comitê central da burguesia. Nos dois governos Lula, isto foi possível devido à conjuntura econômica internacional, às reformas adotadas nas gestões FH que deram frutos depois de 2002, ao estabelecimento de uma máquina burocrática controlada por comissários do partido, à compra de apoio na imprensa, no meio artístico, entre pseudointelectuais e a omissão da oposição parlamentar. Mas o que era doce acabou.

Na última quinzena, o governo foi sucessivamente derrotado. Em um só dia, na última quarta-feira, colecionou três fracassos: no Congresso Nacional, no STF e no TCU. Mas, como se diz popularmente, “não quer largar o osso.” Isto porque o partido não sobrevive fora do Estado. Criou um estamento de militantes-funcionários que vivem, direta ou indiretamente, de recursos públicos. São osparasitas da estrela vermelha. E são milhares. A maioria nunca trabalhou — ou está distante décadas do mercado formal de trabalho.

O projeto criminoso de poder caminha para o isolamento. Vai ser derrotado. Masa agonia vai até quando? Empurrar a crise para 2016 significa uma irresponsabilidade histórica. A sociedade quer ser livrar do governo. Mas onde estão os novos governantes? E, principalmente, o que pensam sobre o Brasil?

Marco Antonio Villa é historiador