domingo, 2 de setembro de 2012

O INESPERADO OCORRE



Laurence Bittencourt (1)
É vivendo e aprendendo, mas não se surpreendendo. Recentemente foi divulgado com tradução um belo documentário sobre o grande psicanalista francês Jacques Lacan, médico de origem, psiquiatra, mas que como Freud abandona as explicações puramente médicas, biológicas, físicas, por não trazer respostas adequadas sobre aquilo que se chama de loucura humana. O documentário já está disponível na internet e se chama “Encontro com Lacan”.
Pois bem, neste documentário ficamos sabendo que o filósofo francês Jean Paul Sartre, criador da corrente teórica existencialista (“O existencialismo é um humanismo”) e que sempre teve uma relação problemática, digamos no mínimo de admiração e ódio para com a psicanálise (na verdade ele sempre teve dificuldades em aceitar o conceito de inconsciente e até diria, a própria psicanálise), chegando a escrever um livro que se torno filme “Freud além da alma”, sofria de alucinações e que procurou sim Lacan para iniciar com ele uma análise pessoal. Algum problema em relação a essa atitude? Nenhuma. Apenas acentuar o fato de que um repúdio muitas vezes (ou quase sempre) trata-se de uma defesa, ou como diria Freud, uma negativa é quase sempre um sim. Segundo Freud o inconsciente desconhece “não”.
Interessante é que o próprio Freud viveu algo parecido com esse fato que ocorreu com Lacan e Sartre, quando de sua criação da psicanálise ainda no século XIX (o livro de Freud que marca a entrada do século XX foi “A interpretação dos sonhos” que o próprio psicanalista, vaidoso, e que já tinha concluído o livro em fins de 1899, segurou a publicação para inaugurar o novo século com a sua talvez mais genial descoberta, exposta no livro, ou seja, de que os sonhos tinham e carregam um sentido) acusado que foi no inicio de suas descobertas de ser um charlatão, fantasioso, de criar “contos da carochinha” e de pansexualismo.
Pois bem, o curioso é que alguns daqueles “respeitáveis” senhores que o acusaram o procuraram depois para se dizer “vitimas” de uma obsessão, de uma fobia, ou mesmo de uma histeria, chegando também a iniciar um processo de análise pessoal com o mestre.
Mas voltando ao documentário sobre Lacan, vale a pena assistir mesmo para aqueles que tem interesse puramente intelectual. Acompanhamos no documentário depoimentos de pacientes do psicanalista francês, sua forma de analisar, seu método (Lacan inova em método e do ponto de vista teórico, ainda que se dissesse um seguidor de Freud, é famosa sua frase já no final da vida em um evento que participou na Colômbia ao dizer para a plateia sequiosa por ouvi-lo e compreender seus ensinamentos: “vocês podem ser lacanianos, se quiserem, eu sou freudiano”), enfim sua teoria inovadora, sua forma de ser e estar no mundo. Vale a pena, sem dúvida.
O documentário teve o acompanhamento de uma de suas filhas Judith Miller (Lacan deu o nome de Judith – nome de origem judaica – como uma forma de repúdio e resistência ao que os nazistas fizeram aos judeus na segunda grande guerra) e termina com uma fala de Jacques Allan Miller casado com Judith e hoje detentor do espólio intelectual de Lacan. Grande parte das traduções dos famosos seminários de Lacan foram feitas por exatamente por Jacques Allan Miller, que também é psicanalista. Vale a pena.
(1) Jornalista. laurenceleite@bol.com.br

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