quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Mandela e a lição para o Brasil, por Bruno Lima Rocha


O funeral de Nelson Mandela é o termômetro de seu peso político para o mundo. Cabe uma reflexão deste legado em comparação com a matriz africana que o Brasil ainda renega.
Interessante observar que o mito não chegou a contaminar-se com o governante. A sabedoria política o faz assumir o Poder Executivo apenas por um mandato (1994-1999), o primeiro após a transição seguida das eleições gerais, de modo que o herói não se desgastou tanto como gestor.
Em seu governo, a África do Sul conseguiu duas proezas antagônicas. No aspecto negativo, seu mandato foi marcado por uma agenda social tímida seguida de reestruturação econômica sob tutela do FMI e campanha de privatizações.
No intuito de pacificar o país, a distribuição de renda foi adiada, fazendo parte das promessas não cumpridas pelo Congresso Nacional Africano (CNA). Apesar da fuga de capitais bôeres, a estrutura produtiva ainda é muito vinculada aos colonizadores de origem holandesa, concentrando cerca de 80% do PIB do país.

Nelson Mandela


No aspecto positivo, unificou o país, assumindo o conceito de Estado Plural, com um conjunto de etnias e multiplicidade de idiomas. Neste caldeirão cultural, a herança dos bôeres foi reconhecida, sendo o africâner – o holandês falado no período colonial - tido como mais uma língua africana.
A mudança da bandeira da República da África do Sul, adotada em 26/04/1994, materializa o reconhecimento das múltiplas raízes, mas não do modelo segregacionista e tampouco uma história linear. Ao mesclar as cores holandesas e inglesas com a bandeira universalista do CNA, a república foi reinaugurada com outra identidade.
Quanta diferença para o Brasil! No país sede do mito da “democracia racial” os afro-descendentes equivalem a 53% da população; logo não poderia haver qualquer tolerância com a herança colonial e escravagista.
Infelizmente, até a bandeira reflete o oposto. As cores nacionais representam a tentativa da formação do Império Luso-Brasileiro, onde a unidade nacional fora vergonhosamente mantida através do pacto pela escravidão. Neste reino, o amarelo-ouro da bandeira representaria a Casa da Áustria (Habsburgos) e o verde a Casa dos Bragança. Ao centro do losango amarelo, a coroa imperial, mais tarde substituída pelo logo positivista após o golpe de Estado republicano.
No país cuja presidenta e quatro ex-mandatários fazem a rota inversa do Atlântico para render homenagens ao líder anti-racista, sequer a bandeira representa a herança histórica da maioria. Que a África do Sul sirva de lição.

Bruno Lima Rocha é cientista político e professor de relações internacionais.
(www.estrategiaeanalise.com.br blimarocha@gmail.com)

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