terça-feira, 8 de outubro de 2013

Cartas de Londres: A brigada do guarda-chuva, por Beatriz Portugal


Londres é uma cidade acostumada a chuva. São vários os tipos que caem na cidade: o toró intenso que chega do nada e dura minutos, às vezes acompanhado de raro granizo; aqueles poucos pingos que aparecem por segundos acompanhados de sol e céu azul e que são prontamente ignorados; aquela chuvinha fina e persistente, que não se decide se vai ou fica.
Esse último tipo parece ser a especialidade dessa parte do mundo. Os ingleses têm, inclusive, algumas expressões curiosas para esse tipo de chuva, como por exemplo, “está cuspindo” e “está tentando chover”, o que implica uma tentativa não muito árdua.
No entanto, quando realmente chove, o aguaceiro é abusivo. Esse é outro fenômeno que se vê com frequência: a garoa que vem de cima, de baixo e de todos os lados. Não é a toa que muitos londrinos simplesmente não usam guarda-chuva, pois ele não só vira um objeto sem valor mas um entrave. O vento leva o usuário a travar uma batalha penosa com o guarda-chuva, que geralmente acaba em vitória pírrica do acessório: sempre do avesso.


Mas claro que além dos que colocam o capuz, levantam a gola do casaco, apressam o passo e continuam, há os que vão e vem com um guarda-chuva a tira-colo. Mas não um guarda-chuva qualquer e principalmente não aquelas coisinhas sensatas e retráteis que, convenhamos, geralmente dão conta do recado.
Há os que insistem em guarda-chuvas gigantes, crendo que quanto maior for, maior a área de cobertura. Mas a verdade é que não importa o tamanho do guarda-chuva pois – pelo menos em Londres – tudo abaixo do cotovelo fica molhado.
O problema maior nem é o tamanho mas sim a atitude de quem usa esse tipo de guarda-chuva. Abertos, OK, estão lá no alto, mas quando acaba a chuva, os donos desses guarda-chuvas, que por algum motivo são na sua maioria do sexo masculino, não transportam os objetos como qualquer pessoa sensata.
Ao invés de carregá-los como uma bengala, insistem em marchar segurando os guarda-chuvas em paralelo ao chão. Donos do pedaço, empunham suas lanças e transmitem o intimidador aviso de não se aproximar sob risco de ser empalado.
O problema se agrava quando você tenta pegar um ônibus ou metro atrás de um desses espadachins. É necessário esperar que a pessoa se poste em seu lugar de preferência e mesmo assim olhe lá. Caso o guarda-chuva esteja seco, a pessoa senta com o dito cujo na horizontal no colo, impossibilitando que os outros se sentem ao seu lado.
Foi um dia depois de muitos desviando de pontas. Nem chovia mais. A lata de lixo encontrava-se rodeada de guarda-chuvas que não haviam resistido ao vento. Armações tortas, tecidos contorcidos para o lado errado, um verdadeiro cemitério. Tratei de pegar um, o maior que achei. “Mas está quebrado,” me disseram. “Não importa. Estou só me preparando para a hora do rush”.

Beatriz Portugal é jornalista. Depois de viver em Brasília, São Paulo e Washington, fez um mestrado em literatura na Universidade de Londres e resolveu ficar.

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