quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Reflexões sobre Gonzagão, os músicos e as biografias



Frederico Mendonça de Oliveira
Participei por dois anos da vida do Rei do Baião. Cheguei a ter o costume de viajar ao lado dele nos aviões em que íamos de capital em capital fazer shows com o (duvidoso) filho Gonzaguinha. Chegamos a nos estranhar numa dessas, eu e o Velho, quando da questão criada pelo padre Vito Miracapillo, que se negou a rezar missa num 7 de setembro alegando que os trabalhadores que ele assistia não viviam um estado de independência, mas de escravidão. O prefeito da cidade de Ribeirão, Pe, onde rolava essa confa, denunciou o padre ao Abi Ackel, que encaminhou o caso ao Supremo, que por sua vez decidiu por 11 a zero pela expulsão do Brasil deste que “afrontou” a ditadura, e foi aquele blablablá de subversão, desrespeito a instituições e tal.

O Velho não gostou de eu dizer, enquanto, voando entre capitais do Nordeste e curtindo o serviço de bordo, incluindo jornais, que apoiava o posicionamento do padre Vito. Virou bicho, até perdeu a linha, foi ridículo. Todos sabíamos que o Rei do Baião era Arena, apoiava os home. Sabíamos, os poucos pensadores da comitiva, uns três, que o Velho era reaça e ignorante, mas o tínhamos em alta conta por seu trabalho musical, um Louis Armstrong brasileiro. Ele ficou uma onça comigo, e eu relevei, claro, até considerando a já possível ranzinzice que o acometia naqueles dias, sem contar que era “bode preto”, que todos – ou quase todos – sabem o que vem a ser.
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O FILME…
Saiu esse filme aí sobre pai e filho, e o diretor nem tchuns para os que trabalharam duro por sete anos com o Gonzaguinha e dois com pai e filho. Isso é divertido quando se observa não a descartabilidade dos músicos que conviveram anos batalhando duro com os intérpretes, mas a “eliminabilidade” de seres e de contribuições praticada como lei das multinacionais para dar aos cantores-intérpretes da MPB, estilo de época patrocinado pelo capital estrangeiro agindo livre entre nós, que priorizava de forma absoluta os gogós e esmagava fria e implacavelmente os instrumentistas sem os quais as canções não teriam corpo e perfil visível, não seriam vendáveis, não aconteceriam como PRODUTO, vejam só!
Também com o Raul aconteceu isso: o filme não mostra quem vestiu, botou e dirigiu Raul no palco em sua primeira apresentação em um festival de rock, em BH, 1973: um músico instrumentista; o diretor nem sabe disso, e parece que teria raiva de alguém saber. Coisas dessa Banânia, todos enfrentamos isso.
O “complexo de vira-lata”, expressão hilariante para definir a mente coletiva de hoje, manda e desmanda por aí. O negócio é ir diluindo tudo, fazendo triunfarem nulidades o mais possível, e ir soterrando o que temos de mais substancial cultural e artisticamente falando. É assim que se depreda um país, e esse é o objetivo do poder invisível que nos vai empurrando dia a dia, diuturnamente, para o abismo, para que jamais sonhemos com entrar definitivamente em nossa própria história. “Mamãe não dêssa”, quaquaquá!
Em tempo: quando do centenário de Villa Lobos, considerado mundialmente um monstro sagrado do século XX, não rolou aqui NENHUMA homenagem ao grande mestre. Nos EUA, parece que no Metropolitan de NY, rolou uma semana INTEIRA de concertos, da manhã de segunda à noite do domingo, direto, de nove da manhã à meia-noite. Eis aí nosso complexo de vira-lata explodindo nas fuças de todos, um ultraje a Deus.

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