sábado, 20 de outubro de 2012

Futebol em crise - Juca Kfouri


Texto publicado na edição especial de 18 anos da revista “CartaCapital”:*
O futebol do “país do futebol” está em crise.
Em 14º. lugar no ranking da FIFA, embora tal classificação seja nebulosa.
Tão nebulosa, aliás, como a própria mania de dizermos que somos o “país do futebol” quando muito mais que nós, são do futebol países como a Inglaterra, a Argentina e por aí afora.
Basta dizer que em qualquer pesquisa que se faça sobre tamanho de torcida no Brasil, o primeiro contingente é o de pessoas que não se interessam pelo jogo.
Só depois aparecem as torcidas do Flamengo e do Corinthians.
Na Argentina, ao contrário, primeiro vem a torcida do Boca Juniors, depois a do River Plate e, em terceiro lugar, os desinteressados.
Desnecessário dizer que ninguém reverencia o jogo como os ingleses, inventores do futebol moderno, e basta ir a Wembley, mesmo modernizado, ou a Old Trafford, para sentir até o cheiro das velhas bolas de couro ou das chancas de antigamente, palavra que até sumiu do dia a dia nacional.
Mas como está em crise o futebol do país que tem Neymar e que acaba de vender a peso de ouro meninos como Oscar e Lucas?
Que sediará a próxima Copa do Mundo?
Que tem os três últimos campeões da Libertadores, o Inter, o Santos e o Corinthians, este último invicto, o primeiro a conseguir tal façanha com o torneio em 14 jogos, e ao derrotar o poderoso Boca Juniors na final?
Eis que a própria Libertadores pode trazer parte da explicação, porque seus campeões em 2010 e 2011 foram eliminados pelo Mazembe africano na semifinal e impiedosamente goleados pelo Barcelona catalão na final. Perguntando onde está a bola.
Se não é o país do futebol, o Brasil foi sim o país do melhor futebol do mundo por um bom tempo, isto é, por muito tempo, pelo menos durante todo o reinado de Pelé, entre 1958 até meados dos anos 70, o que não se mede, como se imagina, pelas Copas do Mundo conquistadas, mas pela beleza e eficácia do futebol apresentado.
Quiseram os deuses dos estádios que Pelé surgisse para fazer companhia a Mané Garrincha, a Didi, Nilton Santos, e que, ao se despedir, deixasse companheiros como Gérson, Rivellino, Tostão.
Tempos em que o futebol não era jogado apenas com os pés, mas, sobretudo, com a cabeça.
Como jogam hoje em dia Iniesta, Xavi, Messi.
A verdade é que o futebol brasileiro entrou numa burra viagem em que o resultado é tudo, ganhar é preciso, encantar não é preciso.
E deixou de encantar sem, necessariamente, ganhar, pelo menos fora dos nossos horizontes.
Seleções brasileiras perderam a capacidade de se impor, a ponto de agora mesmo, em Londres, os mexicanos não darem a menor pelota para a outrora temida camisa canarinho.
Enquanto os europeus cada vez mais jogam com a bola nos pés, a valorizam e tratam bem, nós passamos a ser o paraíso dos volantes, o cemitério dos camisas 10, a valorizar mais quem rouba a bola do que quem a entrega em domicílio — todo poder aos brucutus e muito cuidado com os violinistas.
Os maestros passaram a ser confundidos com os professores, homens de terno e gravata deselegantes apesar das grifes e dos preços da roupas, invariavelmente incapazes de pensar o jogo como metáforas da vida, tecnocratas especializados na manutenção de seus empregos, pagos a peso de ouro por cartolas irresponsáveis ou administradores de lavanderias, sempre lucrativas para os próprios bolsos e terríveis para os cofres públicos e dos clubes, irrigados pelas Timemanias da vida.
Se não bastasse, a CBF investiu na marca de sua seleção e, com um calendário que não dá vez aos clubes, condenou-os às fronteiras nacionais, incentivando a exportação de pé de obra, como meio de adaptá-los ao mundo europeu e de facilitar os amistosos do time dela sempre longe do Brasil, razão pela qual virou mal amado pela torcida.
Se um técnico dinamarquês, Morten Soubak, fez do handebol feminino brasileiro uma das atrações dos Jogos Olímpicos de 2012 recentemente disputados em Londres, e se um técnico argentino, Rubén Magnano, ressuscitou o basquete brasileiro, falar em estrangeiros no futebol do patropi soa como heresia.
Por mais que, nos anos 50, o húngaro Bella Gutman tenha contribuído para arejar taticamente o futebol brasileiro ao trabalhar no São Paulo e levá-lo ao título paulista de 1957, com uma única exigência, a contratação do já veterano Zizinho.
Gutman era um estudioso, um teórico que tinha, no entanto, como método de trabalho, comandar craques, como Zizinho, o maior ídolo de Pelé.
Pep Guardiola, o revolucionário do Barcelona, está em ano sabático e é quase uma maldade pensar nele a apenas dois anos da Copa do Mundo no Brasil, Copa para qual o país já está classificado, mas, ao contrário do que acontece normalmente, não é tido como favorito.
O que obriga que se ache a solução por aqui mesmo e nem é tão difícil diante do nível muito parecido dos técnicos de primeiro time no Brasil.
Mano Menezes, Felipão, Muricy Ramalho, Tite, Abel Braga, Cuca ou Luxemburgo, nenhum deles faz milagre ou seria capaz de inventar a roda.
Mas a Seleção pode fazer, hoje, um bom time, com um goleiro qualquer porque não há nenhum que brilhe, Daniel Alves, Thiago Silva, David Luiz e Marcelo; Arouca, Paulinho, Oscar e Ramirez: Neymar e Leandro Damião, gente que bem treinada e entrosada não dará vida fácil a ninguém, embora seja mesmo inferior aos selecionados da Espanha, da Alemanha, do Uruguai e da Argentina.
Se ganhar a Copa do Mundo pela sexta vez parece um sonho impossível neste momento — e se perder uma Copa do Mundo pela segunda vez no país pentacampeão parece um pesadelo insuportável — pior é pensar no que fazer, depois da Copa, com os estádios que estão sendo construídos, com dinheiro público, em Cuiabá, Natal, Brasília e Manaus, onde nem sequer times da Primeira Divisão do futebol nacional há.
Sim, porque um dos maiores problemas do futebol brasileiro, diretamente ligado à miséria da cartolagem corrupta, corruptora e incompetente, está na ausência do torcedor dos estádios e não apenas por falta de talentos a serem vistos e aplaudidos, mas, principalmente, pela ausência completa de organização e criatividade.
São raros os clubes brasileiros que trabalham corretamente as categorias de base e, mesmo assim, normalmente, intoxicam os meninos com conceitos táticos antes que eles estejam com os fundamentos bem formados, motivo da fabricação de brucutus em série.
Enquanto se viu na Europa, principalmente na Espanha e na Alemanha, uma crescente preocupação com o desenvolvimento “à brasileira” de talentos (basta ler as entrevistas de Pep Guardiola que não faz segredo disso), no Brasil, ao contrário, buscou-se copiar os modelos europeus. Pior: se na Europa a busca deu certo e foi além, aqui a emenda ficou bem pior que o soneto.
Técnicos de ponta como Muricy Ramalho são capazes de dizer que se você quiser ver espetáculo deve ir ao teatro, ele mesmo um ex-jogador talentoso e muitas vezes espetacular.
O futebol de resultados passou a ser, também, o da permanência dos professores no emprego, à custa da mediocridade ampla, geral e irrestrita.
E importante ressaltar que o mau momento vivido pelo futebol brasileiro não se restringe à falta de conquistas, porque nem mesmo as duas Copas vencidas em 1994 e 2002 encheram os olhos dos mais exigentes, apesar das presenças de craques como Romário, os Ronaldos e Rivaldo.
O time de 1982, de Sócrates, Zico, Falcão, de Telê Santana, não ganhou a Copa e, como diz o jornalista Fernando Calazans, “azar da Copa”.
O que não dá é ver a Seleção Brasileira virar freguesa da mexicana, como virou neste século, com cinco derrotas em 10 jogos, apenas três vitórias, sem contar a decisão olímpica, porque disputado não pelas seleções principais.
Atenção: estamos falando do México, não da Itália, da Holanda ou da França, sempre admitindo a hipótese, por remota que seja, de o México estar se transformando numa potência do futebol mundial.
Tem jeito, tem solução?
Claro que tem, desde que não se tenha uma visão da mão para boca, de curto prazo e que experiências não sejam interrompidas — como fez Ney Franco, ao trocar um promissor trabalho que executava com a base, na CBF, por ser mais um técnico do São Paulo em crise.
Além do mais, se há algo indiscutível mesmo em momentos de entressafra, é que, como diria Pero Vaz de Caminha, em se plantando tudo dá, craques inclusive, às vezes mais, às vezes menos.
Vai que Três Corações já tenha produzido um novo Pelé, ou Pau Grande outro Mané Garrincha, que apareçam em 2013 para brilhar no Maracanã em 14…
Sim, é claro, será preciso muito coração para que isso aconteça. Mas não só.
*Texto publicado na última semana de setembro, antes, portanto, da promissora volta de Kaká à Seleção.
E ainda tem o Ganso…

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