sábado, 6 de outubro de 2012

CRÔNICA Cartas de Buenos Aires: O relato de uma ausência



Durante a ditadura militar argentina centenas de crianças foram usurpadas de suas famílias e criadas por famílias substitutas. Além da identidade, tiveram a infância roubada.
Sobre este tema está a aposta nacional para o Oscar de melhor filme de língua estrangeira. Em Infancia Clandestina, o diretor Benjamim Ávila se debruça sobre a jornada de um menino de doze anos crescendo em uma família de guerrilheiros no bojo da era da repressão argentina.
O longa é baseado na historia de Ávila e sua família e, para representar a Argentina, superou produções nacionais de peso.
Exilados em 1976, a família do diretor retorna ao país depois de três anos de exílio com nova identidade e engajada na luta clandestina contra os militares.
Os Montoneros, como ficou conhecido o agrupamento que oscilou entre muitas ideologias políticas e, na década de 70, tomou para si a contraofensiva ao governo, trabalhou na clandestinidade para desestabilizar a junta militar com ações de inteligência e luta armada.
Neste clima de sigilo vive o personagem principal, Juan, crescendo sob o olhar implacável da militância ao mesmo tempo em que penetra nas descobertas da pré-adolescência.
Ávila foi criado pelo pai, depois que a mãe guerrilheira desapareceu em 1979. Seu irmão, levado e criado por outra família, foi um dos primeiros netos restituídos pela associação das Avós de Maio que, desde o fim da ditadura, se dedica a encontrar as crianças desaparecidas.
É assunto delicado, os Montoneros não são uma unanimidade de heroísmo para todos os argentinos. Para muitos, a brutalidade de suas ações se compara, numa escala menor de violência, às cometidas pelas forças armadas.
Esta dualidade é abordada de forma sutil por Ávila que declarou não ter tido a intenção de fazer um filme “nem político nem dramático”.
No filme a inocência de um primeiro amor, as relações familiares, a presença oculta das armas e o segredo de uma vida revolucionária se misturam para criar a radiografia de uma infância sequestrada, uma facada no coração de um país que ainda sangra por seus desaparecidos.
Os argentinos se negam a esquecer suas infâncias perdidas durante a ditadura militar. Não é a primeira vez que a ditadura e sua aniquilação moral levam um filme argentino a disputar e a receber um Oscar. A primeira estatueta veio em 1986 com A Historia Oficial, de temática parecida. A segunda veio quase três décadas depois, com o thriller de suspense, O Segredo de Seus Olhos.
O longa ainda passa por duas seleções em janeiro de 2013, antes de se converter na esperança argentina para um terceiro Oscar.
Assista ao trailer de Infancia Clandestina:


Gabriela G. Antunes é jornalista e nômade. Cresceu no Brasil, mas morou nos Estados Unidos e Espanha, antes de se apaixonar por Buenos Aires. Na cidade, trabalhou no jornal Buenos Aires Herald, mantém o blog Conexão Buenos Aires e não consegue imaginar seu último dia na capital argentina. Estreia hoje no Blog do Noblat e aqui estará todos os sábados.

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