quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Para os que estão sobrando, o fogo...



Carlos Chagas
Há quem acredite em coincidências, que obviamente existem. Mas há também quem se livre de responsabilidades alegando coincidências inadmissíveis.
Em duas semanas, cinco incêndios em São Paulo. Todos em favelas incrustadas no asfalto, povoadas de gente miserável, dessas diante das quais o paulista quatrocentão e os ricos italianos e turcos que o substituíram viram a cara e empinam o nariz. As elites protestam contra as autoridades que deixam existir sem limites tamanha escória humana. Mesmo aproveitando-se do trabalho dos favelados, pago a preço vil, nivelam por baixo e procuram eliminar o que lhes parece supérfluo. Melhor para elas selecionar e aproveitar parte dos que buscam sobreviver como podem, muitos tentados pela marginalidade e massacrados pela falta de oportunidades. Para os excessos, as chamas.
Antes das duas semanas acima referidas, numa ciranda que vem de muitos anos, quantas outras favelas foram queimadas sem maiores explicações do que um curto circuito em improvisadas instalações elétricas, uma vela acesa que caiu na sujeira ou desígnios do destino?
É preciso acabar com essa farsa. Estão queimando aglomerados de seres humanos porque não conseguem ou não querem integrá-los à sociedade de que fazem parte. Porque o favelados incomodam. Discriminar o semelhante marginalizado e conseguir o apoio de boa parte dos habitantes da maior cidade do país não tem sido difícil. Como suas elites, os incendiários imaginam-se acima e além da miséria criada por sua própria indiferença. Valem-se dos miseráveis, é claro, porque os usam para servi-los feito escravos, mas, como eles se multiplicam além das necessidades das elites, julgam imprescindível afastá-los para a periferia, eliminá-los pela destruição de seus casebres ou, em breve, suprimi-los fisicamente.
Não dá para a autoridade pública admitir e conviver com tamanha aberração. Importa menos se o incendiários são esbirros, sicários ou bandidos. Ou distorcidos cidadãos comuns da classe média, aqueles que provocam os incêndios. Não vem ao caso se agem coordenados ou se pensam prestar serviço espontâneo à coletividade elitista que os fascina, mas que integram apenas como penduricalhos e subordinados aflitos, evitando ser jogados na vala comum dos miseráveis.
No passado já foram o Comando de Caça aos Comunistas, aqui, como antes, lá fora, integraram as hostes do nazismo. A ideologia que cultivam não é mais racial. É social. Dedicam-se a discriminar os miseráveis através de sua expulsão da cidade, primeiro, e depois, de sua supressão. Tornou-se compulsão dessa quadrilha incendiar favelas, consciente ou inconscientemente a serviço da elite que jamais conseguirão alcançar.
Não seria difícil aos serviços de inteligência dos governos paulistano e paulista investigar e descobrir os mentores e os autores desse holocausto desenvolvido em etapas, favela por favela. Basta procurar quantos imaginam que pela supressão dos miseráveis será possível extinguir a miséria.
Dessa vez, não são os abomináveis traficantes, os seqüestradores e os bandidos de toda espécie que promovem a queima das favelas. Pelo contrário, eles precisam delas para recrutar novos asseclas e compor uma barreira capaz de beneficiar suas atividades ilícitas.
Vem da dita sociedade organizada o estímulo para prática tão hedionda como a que se tornou comum na Paulicéia. Se favelados perdem tudo do pouco que conseguiram amealhar, ou até sucumbem diante das chamas, melhor para essa canhestra ordem social que pretendem manter. Para os miseráveis em condições de servi-los, mais algum tempo de escravidão. Para os que estão sobrando, o fogo…

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