domingo, 26 de agosto de 2012

Angola entre as urnas e a sua primavera


Há 33 anos no poder, presidente enfrenta mal-estar nas ruas e no partido antes de eleições


Permanente. Santos passa em revista tropa em Luanda; presidente é um dos dois únicos da África no poder desde a década de 1970 Foto: AFP
Permanente. Santos passa em revista tropa em Luanda; presidente é um dos dois únicos da África no poder desde a década de 1970AFP
Angola volta às urnas na próxima sexta-feira, e o presidente José Eduardo dos Santos, o Zédu, tem três cenários à sua frente: perdendo, o que é improvável, ele sairá como alguém que assumiu uma colônia, pôs fim a uma guerra civil e entregou uma democracia com alternância de poder, ainda que altamente corrupta, desigual, pobre, faminta e analfabeta; ganhando, o que é quase certo, vai consagrar a estratégia que montou para apagar uma nascente revolta contra esses e outros problemas e se perpetuar no poder.
Mas isso depende de uma vitória legítima e expressiva. Uma combinação delicada. Daí vem o terceiro cenário: um sucesso magro pode lhe tirar o controle sobre o partido, ao qual impôs um vice sem histórico político. E uma fraude flagrante será, em vez de água fria, gasolina na fogueira de um movimento que tem se inspirado na derrubada de chefes de Estado longevos como Hosni Mubarak. No mês que vem, Zédu completa 33 anos no cargo - mais do que os 30 do egípcio, e menos, na África, só que Teodoro Obiang, que tem um mês a mais à frente da Guiné Equatorial.
- No momento, não é possível termos eleições críveis. Há irregularidades bem identificadas, desvios da lei - diz ao GLOBO Alcides Sakala, porta-voz da União pela Libertação Total de Angola (Unita), o principal partido de oposição, que questiona a confiabilidade do registro de 6 milhões dos 9 milhões de eleitores e, na sexta-feira, sugeriu o adiamento do pleito.
Oposição rachada
A Comissão Nacional Eleitoral rejeitou na semana passada essa e todas as outras reclamações do partido. A Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD)e a organização anticorrupção Maka Angola denunciam falhas que consideram graves no processo. A Unita e o movimento 7311, que se espelhou na Primavera Árabe, decidiram realizar um protesto pedindo eleições limpas.
Segundo maior produtor de petróleo da África, Angola foi palco de uma guerra civil iniciada em 1975 como um conflito por procuração entre Washington e Moscou durante a Guerra Fria , e terminada em 2002. O Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), liderado por Zédu, recebia apoio soviético e conseguiu abater as lideranças da Unita, que foi um dos principais destinos da ajuda clandestina americana à insurgência no exterior. A União Soviética acabou, o MPLA continuou no poder, e hoje o país é o nono fornecedor de petróleo dos EUA, e o segundo da China.
Zédu nunca foi eleito. Assumiu em 1979 após a morte do primeiro presidente angolano, Agostinho Neto, do MPLA, em 1979. Venceu o primeiro turno em 1992, mas a oposição não aceitou o resultado, e o país voltou à guerra civil. Em 2008, o MPLA obteve 80% dos votos no pleito parlamentar. Antes de convocar as eleições atuais, ele mudou a Constituição e definiu que o presidente seria o primeiro nome da lista do partido que vencesse as eleições legislativas. Ele encabeça a lista do MPLA.
Com a máquina na mão, Zédu terá a vida facilitada por uma oposição rachada. O cacique da Unita, Abel Chivukuvuku, saiu para liderar a Convergência Ampla de Salvação de Angola (Casa-CE), que se comprometeu a realizar um referendo sobre a soberania da região de Cabinda, onde é produzido o grosso do petróleo angolano.
A maior ameaça parece vir de dentro do próprio partido. Idoso para os padrões do país - tem 69 anos onde a expectativa de vida é de 51,1 -, Zédu pode deixar o cargo no meio do período e, para a eventualidade, impôs seu sucessor ao MPLA: Manuel Vicente, ex-presidente da principal estatal do país, a Sonangol, que não tem carreira política.
- (A nomeação) ocorreu aparentemente após muito esforço. Se o MPLA, com Santos e Vicente, tiver um resultado eleitoral desapontador (com muita abstenção, por exemplo), a questão pode emergir novamente - diz Markus Weimer, coordenador do Angola Forum do centro de estudos britânico Chatham House.
A barba do vizinho
A memória da guerra civil - os 27 anos de conflito deixaram cerca de 1 milhão de mortos - tem desestimulado posições mais combativas por parte dos angolanos, apesar de mais da metade viver com menos de US$ 1 por dia. Ainda que tenha havido um crescimento recente da economia, o país ainda é um dos mais desiguais do mundo.
Mas com uma população jovem, urbanizada (60%), e afetada por uma economia dependente do petróleo que despencou de um crescimento de 23,9% em 2007 para 1,6% em 2010, o país foi tocado pelos ventos da Primavera Árabe. Em 2011, uma grande manifestação ocorreu, e um movimento permanente se formou — o 7311.
- Dali em diante foi uma sequência de privação do direito à manifestação — diz Serra Bango, da AJPD, que registrou espancamentos e o desaparecimento, desde maio, de dois ex-militares que protestavam contra o governo.
Nesse contexto, as fraudes podem forçar o país a instabilidades.
- O que se passou no Egito, na Tunísia, na Líbia, tem impacto no resto das sociedades africanas. E quando a barba do vizinho está a arder, é bom pôr as suas de molho para não queimarem também - diz Sakala, argumentando, porém, que o partido é contra a ruptura institucional, mesmo com as falhas.
Embaixadora do Brasil no país, Ana Lucy Petersen, diz trabalhar com um cenário de “tranquilidade”:
- Nós tivemos aqui na época da Primavera Árabe a primeira manifestação popular, em que os jovens reivindicavam uma agenda social idêntica à dos países árabes. Toda a cautela é importante, mas eu trabalho com um cenário muito tranquilo.

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