domingo, 12 de janeiro de 2014

Vamos alugar uns vídeos - FÁBIO PORCHAT


O Estado de S.Paulo - 12/01

Percebi que já faço parte de uma outra geração. Não em relação aos meus pais, em relação aos meus sobrinhos. Semana passada eu falei pra eles: Vamos sair pra alugar uns vídeos. Quê? Vídeo? Primeiro, tio, o que é vídeo? Segundo, pra que sair de casa e alugar um vídeo, se podemos fazer isso em casa pelo Netflix ou por qualquer canal On Demand da TV a cabo?

Realmente, alugar uns vídeos ficou puxado. É que na verdade, eu ainda não consigo sair pra pegar uns DVDs. É estranho. Não é natural pra mim ainda. Fora que já não é nem mais DVD, que agora é Blu-Ray. Aí fica mais difícil ainda de mudar. Mas, parando pra pensar, eu entendo pessoas de outras gerações que ainda falam "bater à máquina", "passar os ferrolhos", "tomar um Grapette". É que tem muito mais coisa por trás dessas frases do que três ou quatro palavras.

Na frase "sair pra alugar uns vídeos" está implícita muita coisa, talvez, toda a minha infância. Eu indo na videolocadora com os meus pais, escolhendo o que eu queria assistir, descobrindo quais eram os novos lançamentos, esperando um tempo na locadora enquanto meus pais iam comprar pão pra ver se devolviam o filme que eu queria e que já estava alugado, colocando a fita no vídeo de casa, descobrindo que tinha que rebobinar porque o cliente anterior devolveu a fita correndo, descobrindo que o cabeçote do videocassete estava sujo e que agora tinha uma linha cinza na tela, vendo minha mãe pegar um cotonete com álcool para limpar por dentro, tirando a fita e percebendo que ela enganchou lá dentro e tem que ter um MacGyver em casa (no caso minha mãe) para tirar sem arrebentar e enroscar a fita de novo, vendo os trailers para saber quais eram os próximos lançamentos, eu sentando a noite com pipoca e chocolate ao lado da minha mãe fazendo ponto e cruz sem olhar a tela porque ela entendia inglês e do meu pai sem camisa sentado na cadeira do papai acelerando o filme porque ele não tinha paciência pras cenas sem fala, e, de vez em quando, se a noite estivesse muito quente, e São Paulo quando é quente é quente, a gente colocando a TV, o vídeo e as cadeiras na varanda pra assistir do lado de fora no ventinho, mesmo cheio de mosquito, minha mãe usando o filme da cinderela para dar aula de inglês pra minha prima Adriana, tampando as legendas, eu gravando o TV Pirata para os meus pais que tinham saído à noite...

Então, realmente, pra eu deixar de falar "alugar uns vídeos" vai levar um tempo. Talvez toda a minha vida adulta. Até porque, quando eu for velhinho, eu aposto que, assim como o LP, o vídeo vai voltar com tudo.

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