quinta-feira, 25 de julho de 2013

O Rio e as ruas, por Mara Bergamaschi


Desvendar uma cidade não é simples. Sobretudo para quem não nasceu nela. E ainda mais se a cidade em questão é consagrada por um punhado de estereótipos. Quando generalizações superlativas não batem com a realidade, o jeito é ler e pesquisar.
A volta ao passado ajuda a compreender este Rio contemporâneo que se insurge sem trégua, desde junho. As capitais sossegaram, mas o Rio não. Quem continua nas ruas são os estudantes. Que ainda recebem respaldo da população da cidade. Pelo simples fato de que enfrentam uma polícia truculenta e arbitrária, sob as ordens de um governo com a popularidade em queda livre.
O conforto sensorial que a natureza exuberante da cidade oferece é um bom ponto de partida para a reflexão sobre o Rio e as ruas – hoje conflagradas. Com uma paisagem dessas, quem não gostaria de estar ao ar livre, de sair de casa? Sim, o carioca gosta muito da rua – é a sua principal área de lazer.
A “vocação do prazer” (título do livro de Rosa Maria Barboza de Araújo, Rocco, 1993) atribuída ao Rio é uma construção social e ideológica recente, inaugurada com a República (1889). Que moderniza, embeleza e equipa a capital, abrindo o espaço público - antes insalubre, precário e perigoso. Surge uma classe média que se educa nas escolas públicas, frequenta teatros e confeitarias, diverte-se nas praças e praias, promove um carnaval elegante.

Manifestações contra aumento das tarifas, Rio de Janeiro, 1956. Foto: Acervo Estadão

E também protesta nas ruas – e neste caso estará ao lado das camadas populares - pela melhoria da qualidade dos incipientes serviços públicos, sobretudo transportes, água, saneamento. No início do século XX, foram as revoltas com esta motivação geral – e não as pautas sindicais ou trabalhistas - que tiveram participação ativa da família carioca. Semelhante aos dias de hoje.
Capital de 1763 a 1960, com mais de um milhão de habitantes já em 1920, o Rio de Janeiro nunca teve perfil social que favorecesse a ordem. Distrito Federal ou não, a cidade usou muito as forças de repressão como instrumento de controle social urbano – como vemos hoje com as UPPs. A história também mostra que, exatamente como agora, a polícia aqui sempre foi julgada como negligente ou abusiva.
Se a polícia pouco mudou, a cidadania evoluiu – e muito. Com uma população politizada e crítica, dona da mais alta escolaridade do país durante décadas – Brasília passou à frente -, o Rio é termômetro da democracia. Hoje abriga protestos tão violentos que as reivindicações caíram em segundo plano. Neste contexto, as alianças entre quem está nas ruas e quem está em casa podem caminhar para o impasse - já favorecido pelas ações de um governo que tem se mostrado inepto.

Mara Bergamaschi é jornalista e escritora. Foi repórter de política do Estadão e da Folha em Brasília. Hoje trabalha no Rio, onde publicou pela 7Letras “Acabamento” (contos,2009) e “O Primeiro Dia da Segunda Morte” (romance,2012). É co-autora de “Brasília aos 50 anos, que cidade é essa?” (ensaios,Tema Editorial,2010).

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